Cidades

Pedestres arriscam a vida ignorando faixas, passarelas e passagens subterrâneas

Lei prevê multa, mas quem anda a pé não é fiscalizado nem punido

Adriana Bernardes
postado em 31/05/2010 08:43
Lei prevê multa, mas quem anda a pé não é fiscalizado nem punidoNo trânsito, quem conduz um veículo tem a obrigação de zelar pela segurança e pela integridade física dos pedestres. A exigência está na lei e há vários motivos que justificam a determinação legal. O principal deles salta aos olhos de qualquer um: quem anda a pé é mais frágil e, portanto, corre mais risco de perder a vida. Mas para um convívio harmonioso e seguro é preciso que o pedestre tenha bom senso na hora de atravessar as vias. Nem sempre é isso que se vê nas ruas do Distrito Federal. No ano passado, 115 pessoas morreram atropeladas por imprudência delas próprias, do condutor ou por fatalidade. Elas representam 27,1% de todas as vítimas do trânsito.

Na última semana, o Correio percorreu alguns pontos do Plano Piloto para mostrar como o pedestre tem se portado. A reportagem comprovou que muitos arriscam a vida ao se lançarem na frente dos carros mesmo estando a poucos passos da faixa de pedestre, do semáforo ou de passagens subterrâneas. O contrário também ocorre. Muitos motoristas aceleram quando percebem alguém se aproximando do ponto de travessia. Outros, mesmo vendo o carro do lado parado, seguem em frente e, assim, acabam matando quem está apenas exercitando a sua cidadania. Em 2009, 12 pessoas morreram enquanto atravessavam na faixa. Em quatro dos 11 acidentes ; um deles fez duas vítimas ; havia outro condutor parado no momento.

No Setor Comercial Sul, onde existem muitos pontos de travessia, o risco de atropelamento é iminente. O fluxo de pessoas é intenso e, como o trânsito na região é lento por conta do excesso de carros, os pedestres vão caminhando entre os veículos em movimento. A regra ali é desafiar o perigo. ;As pessoas não entendem que às vezes não dá para parar, mesmo devagar. Quando acontece um atropelamento, todos crucificam o condutor;, diz, irritado, Fernando Carlos Silva, 37 anos, motorista profissional.

Assim como quem dirige um veículo, o pedestre pode ser multado quando desobedece às normas previstas no Código de Trânsito Brasileiro (CTB). A infração é leve. A multa prevista é de cerca de R$ 25 ; metade do valor da infração de natureza leve cobrada dos motoristas. Mas, na prática, ninguém é multado. O diretor de Segurança do Trânsito do Detran-DF, Marcelo Granja, explica que há uma grande dificuldade em punir o pedestre porque ele não é cadastrado no sistema. ;Além disso, boa parte das pessoas anda sem documentos. Então, você autuaria com base no quê? Por isso, estamos investindo na educação.;

Bons exemplos

Na Epig, os transeuntes não respeitam os pontos de travessia e arriscam a vida para chegar às paradas de ônibusPassagens subterrâneas ; 15h45
As passagens são opções seguras para fugir dos carros. Mas quem usa reclama do péssimo estado de conservação. As mulheres evitam o local quando estão sozinhas e até os homens acham perigoso. Quem tem alguma limitação física tem de contar com a boa vontade de estranhos para descer as escadas.

;Meu filho faz fisioterapia duas vezes por semana e não posso atravessar o Eixão empurrando a cadeira de rodas. Eu sempre peço ajuda de alguém para descer as escadas. Às vezes, espero um pouquinho, mas ninguém se recusa a me ajudar;
Cleide Moreira Alves, 37 anos, dona de casa e mãe de Daniel, moradores de Samambaia


Lei prevê multa, mas quem anda a pé não é fiscalizado nem punidoSetor Comercial Sul, próximo ao Edifício Denasa - 15h15
As ruas estreitas e cheias de carros são palco para todo tipo de infração dos condutores: fila dupla e estacionamento em local proibido são algumas delas. Os pedestres não ficam atrás. Disputam lugar entre os carros e ignoram a faixa, ainda que ela esteja a poucos metros. Em meio ao vaivém de gente, o flagrante de um casal chama a atenção. A moça ameaça atravessar a rua fora da faixa, mas é impedida pelo namorado.

;Eu sempre atravesso na faixa. Também sou motorista e conheço bem os dois lados. Como pedestre, sei do risco de não usá-las. E quando estou ao volante, respeito quem está passando. Os direitos são iguais;
Diego Mateus Ferreira da Costa, 22 anos, analista de sistemas, morador de Planaltina



Maus exemplos
Diariamente, centenas de pessoas disputam espaço entre os carros para atravessar a Epia: faltam locais adequadosEstrada Parque Indústria e Abastecimento ; 16h10
O movimento de carros, caminhões e ônibus é intenso durante todo o dia, mas se intensifica especialmente pela manhã e no fim da tarde. Em frente ao ParkShopping, por exemplo, existe uma passarela coberta. Mas o vaievém de pessoas cruzando as pistas é frequente. Nem as placas de concreto erguidas no canteiro central impedem a passagem. O Correio flagrou uma senhora de 80 anos correndo entre os carros e um rapaz parou no meio da pista enquanto os veículos passavam em alta velocidade na frente e atrás dele.

;Medo de ser atropelada? Eu não tenho não. Deus não deixa. Eu nem sabia que isso aí em cima é passarela. Eu ando pela cidade inteira vendendo produtos de beleza e nunca aconteceu nada;
Lourdes Cavalcante, 80 anos, moradora de Santa Maria


Na 502 Sul, ônibus invade a faixa e atrapalha a travessia dos que buscam a forma mais segura de chegar ao outro lado da ruaEixo Rodoviário Sul, próximo ao Hospital de Base de Brasília - 15h45
Em menos de 10 minutos, a reportagem flagrou sete pessoas atravessando as pistas a menos de 10 metros da passagem subterrânea da 102 Sul. A velocidade da rodovia é de 80km/h e o fluxo de veículos intenso. Quanto maior a pressa do pedestre, mais eles se arriscam. Os olhos fixos nos veículos tentam calcular o melhor momento de chegar ao outro lado.

;Eu só atravesso o Eixão por cima. Pela passagem, a gente perde muito tempo. Eu me arrisco aqui mesmo. Sei que é muito perigoso e que a gente pode até perder a vida nessa correria;
Noemia Gonçalves Santos, 25 anos, atendente, moradora do Lago Sul


Lei prevê multa, mas quem anda a pé não é fiscalizado nem punidoFaltam opções
Mas nem sempre o pedestre se arrisca por preguiça de caminhar alguns passos a mais ou por irresponsabilidade. Muitas vezes, é falta de opção. No Distrito Federal, segundo o Departamento de Trânsito, existem cerca de quatro mil faixas. Algumas estão mal sinalizadas: ou não têm a placa horizontal ou estão apagadas. Outras estão mal posicionadas, como a da plataforma superior da Rodoviária do Plano Piloto, pintada em uma esquina. Há lugares em que elas sequer existem, apesar do movimento intenso de pedestres e de motoristas.

Um desses exemplos está na Estrada Parque Indústrias Gráficas (Epig), na altura da entrada do Parque da Cidade ; para quem trafega no sentido da Estrada Parque Taguatinga (EPTG). Diariamente, uma unidade do Batalhão de Policiamento de Trânsito bloqueia algumas pistas e retornos nas primeiras horas da manhã para que os pedestres atravessem com segurança. Mas, a partir das 8h30 e no fim do dia, a regra geral é do salve-se quem puder.

Apesar de existirem inúmeras paradas de ônibus, ali não há pontos de travessia nem semáforo. Na manhã da última quarta-feira, o Correio flagrou pessoas que utilizavam muleta e mulheres com crianças nos braços correndo para não serem atropeladas. ;Isso aqui é um absurdo. E o motorista ainda se irrita quando tem que diminuir a velocidade para não nos atropelar;, reclama a diarista Angela Cristina Borges, 42 anos, moradora de Taguatinga. Em Samambaia, quem mora nas proximidades das Quadras 513/313 e 515/315 aponta esses dois locais como pontos críticos para quem precisa atravessar.

Lei prevê multa, mas quem anda a pé não é fiscalizado nem punidoQuem circula a pé pelas vias do DF reconhece que nem sempre segue as normas de segurança. Muitos também criticam as falhas do poder público. As passagens subterrâneas do Eixão, por exemplo, continuam sujas, pichadas, perigosas e não são acessíveis aos portadores de necessidades especiais. Há um mês, o Correio divulgou uma matéria em que mostrou o abandono do local. ;Acho uma falta de respeito com os portadores de necessidades especiais. Também é um absurdo a sujeira desse lugar e a insegurança;, criticou Ronaldo Freire Martins, 31 anos, servente que ajudou uma dona de casa a descer a cadeira de rodas do filho.

O Detran planeja lançar um projeto batizado de Amigos da faixa. Segundo o diretor-geral do órgão, Geraldo Nugoli, eles pretendem mobilizar a sociedade civil para ajudar na limpeza dos pontos de travessia. ;Em muitos locais, elas estão sujas e para resolver isso, basta água e sabão. Estamos preparando licitação para contratar uma empresa para fazer esse serviço;, adiantou. A reivindicação para a instalação de faixas ou passarelas deve ser feita nas administrações regionais ou diretamente no setor de protocolo do Detran. Cada caso é analisado pela equipe de engenharia e de segurança no trânsito.

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