postado em 07/06/2010 07:50
O Distrito Federal concentra a maior média de rendimento mensal do país. Segundo os últimos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o ganho médio do trabalhador é de R$ 2.117. Para se ter uma ideia do abismo que separa a capital federal das demais cidades brasileiras, a média salarial do restante do país não ultrapassa os R$ 1.036. Ainda assim, o deficit habitacional no DF chama a atenção. De um lado estão as casas equipadas com piscinas e lanchas. De outro, pessoas que se espremem em residências improvisadas ou casas que não oferecem as condições mínimas para abrigar uma família.Um estudo feito pelo Sindicato da Indústria da Construção Civil de São Paulo (Sinduscon) aponta que seria preciso construir mais 51.278 moradias para acabar com o deficit no Distrito Federal. Atualmente, 6,4% das famílias vivem em condições precárias ou dividem o domicílio por razões econômicas. Os números de Brasília refletem uma estatística menos preocupante do que a média nacional, que aponta carência de 9,4%, o que representa uma demanda por mais 5,6 milhões de residências. Mesmo abaixo da média nacional, o DF ainda tem uma defasagem superior a oito estados brasileiros: Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Goiás, Espírito Santo, Mato Grosso e Amapá.
;Nosso índice pode ser considerado alto porque nosso território é pequeno. O estado de São Paulo tem um deficit de mais de um milhão de moradias, mas a área é infinitamente maior;, compara Élson Póvoa, presidente do Sindicato da Construção Civil do DF. Ele destaca que, como nas demais regiões do Brasil, a dificuldade de ter acesso a uma casa digna afeta mais intensamente as classes com menor poder aquisitivo. ;Aqui, não há política para a baixa renda. Se uma área é invadida, só há soluções pontuais para remover as pessoas do local;, afirma. Póvoa explica que outra particularidade do Distrito Federal é o fato de a maioria dos terrenos ser do governo. Sempre que há oferta de áreas a disputa é intensa, os preços são altos e, consequentemente, a parcela mais carente da comunidade acaba excluída.
Coabitação
O principal componente do deficit que indica o problema das moradias é a coabitação (1), ou seja, grupos familiares que são obrigados a viver num mesmo domicílio por falta de alternativa. Segundo dados do Sinduscon de São Paulo, levantados em 2008, do total de 51.278 moradias necessárias no DF, 32.387 seriam destinadas a resolver exclusivamente esse problema. De acordo com o Ministério das Cidades, dividir o mesmo teto é realidade em 2,5 milhões de domicílios em todo o país.
A família da dona de casa Nilcéia Barros, 49 anos, é um exemplo dessa estatística. No barraco de madeirite em que antes vivia sozinha, hoje moram nove pessoas. Natural de Nova Iguaçu (RJ), ela foi criada na Vila Cauhy, região próxima ao Núcleo Bandeirante. Nilcéia sempre se sustentou com o valor da pensão paga pelo pai, mas perdeu o direito ao benefício após uma briga familiar. Sem renda, viu-se obrigada a trazer os filhos para perto. A casa, instalada em um terreno logo na entrada do bairro, foi dividida em três partes. Nos fundos, o filho divide um quarto com um amigo. Na parte central, ela vive sozinha, em um ambiente com dois quartos, banheiro e cozinha. Na frente do lote, um pequeno apartamento, com dois quartos, cozinha e banheiro, foi adaptado. Ali, vivem a filha dela, o genro, o neto e uma amiga do casal que tem, ainda, dois filhos.
;Estava sem condições. Assim, ganham eles, que não pagam aluguel em outros lugares, e ganho eu, porque eles dividem as contas;, explica. Ela bem que tentou arranjar um emprego no último ano, depois de perder a pensão , mas ainda não conseguiu uma oportunidade de trabalho. ;Estou chegando aos 50 anos. Com essa idade e sem estudo, ninguém quer;, lamenta. Ela reconhece que o ideal seria cada um em sua própria casa e, se tivesse dinheiro, daria imóveis de presente aos filhos. Outro projeto seria fazer uma reforma no local em que vive. ;Madeirite dá insetos e ratos. Em casa de alvenaria, esses bichos não entram. Outro problema é escutar toda a vida do vizinho;, revela.
Em Taguatinga, Evelise Maciel, 21 anos, está desempregada e luta para criar Márcio André Maciel, de apenas dois meses. Enquanto trabalhava, recebia R$ 300 por mês, mas era obrigada a pagar R$ 280 pelo aluguel de um cômodo com um quarto e um banheiro. Para economizar, ela vive hoje em um apertado quarto em Taguatinga, mal iluminado e com ventilação precária. No local em que vive com o filho, não há sequer geladeira. ;Se pudesse morar em um lugar mais confortável, poderia ter uma alimentação mais saudável e cuidar melhor do meu filho, que teria espaço para brincar;, sonha.
1 - Mudança metodológica
Uma mudança metodológica permitiu aferir o índice de deficit habitacional com mais precisão. No dado sobre coabitação, por exemplo, não era possível diferenciar os grupos que dividiam o mesmo espaço por razões afetivas dos que o faziam por motivos econômicos. O quadro só mudou em 2007, quando o Ministério das Cidades, a Fundação João Pinheiro e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) incluíram no questionário da Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílio (Pnad) duas perguntas que permitiram distinguir esses dois grupos.
Palavra de especialista
Problema inventado
O deficit habitacional nunca existiu na história da humanidade; é um modismo surgido nas sociedades industrializadas. Nelas, a moradia é vista como um recurso da produção econômica. Todos os territórios têm dono e é preciso encontrar espaço nesses territórios para a população que surge. O problema é que a habitação não é uma discussão econômica, mas ecológica e cultural. A política habitacional é ecologicamente incorreta e inculta em todo o mundo. Os projetos são pré-fabricados e não levam em conta a história, a cultura e a ecologia locais, gerando uma suburbanização gigantesca e espraiada, e criando um ambiente urbano de péssima qualidade. A relação com a moradia afeta as condições de saúde, educação, vestimenta, a formação para o trabalho e a segurança. Temos verba suficiente para que nenhum brasileiro deixe de ter sua casa, mas pecamos pela falta de um projeto em que urbano e humano andem juntos. Habitação é um poderoso aspecto cultural e social, que não pode se resumir à conta bancária.
Frederico Flósculo, professor da faculdade de arquitetura e urbanismo da Universidade de Brasília
Frederico Flósculo, professor da faculdade de arquitetura e urbanismo da Universidade de Brasília
Ritmo menos acelerado
Apesar do grande contingente de indivíduos vivendo em moradias sem condições adequadas, o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), Paulo Simão, acredita que a tendência é de queda na estatística. ;O ritmo do crescimento vegetativo está mais lento;, aponta. Outras razões são programas de incentivo à construção de moradias para a população de renda mais baixa, como o ;Minha casa, minha vida;, do governo federal. Para Simão, a iniciativa é ótima alternativa para erradicar o problema da falta de moradias. A proposta prevê a construção de um milhão de casas até o fim de 2010, e mais dois milhões de unidades de 2011 a 2014. ;O programa oferece subsídios, redução das taxas de cartório, dos gastos administrativos, e tudo isso barateia o custo;, defende.
De acordo com ele, governo e parceiros do setor estudam melhorias no atual formato do programa. Um exemplo é a adoção de equipamentos que permitem o aquecimento solar em todas as unidades construídas. Na primeira versão do programa, a iniciativa se estendeu a 10% das unidades. Outra ideia é realizar um concurso para que arquitetos possam inscrever projetos. ;Vejo o fim do deficit habitacional daqui a 10, 12 anos;, avalia.
Segundo o Ministério das Cidades, outros fatores são favoráveis à redução da demanda por moradias. Entre eles, o aumento na renda e na oferta de empregos à população e o maior acesso às linhas de crédito pelas famílias de baixa renda. Mas, para o presidente do Sinduscon, esses fatores, sozinhos, não resolverão o problema no Distrito Federal. ;Os governos precisam disponibilizar terrenos, senão fica inviável para o setor da construção. Se isso não for feito, o deficit vai até aumentar;, pondera. (MM)