Cidades

Polícia Civil realiza busca e apreensão em 32 pequenas e médias construtoras do DF

Elas acusadas de combinarem preços e definirem vencedores para os contratos com administrações regionais

postado em 09/06/2010 07:00
Na mitologia nórdica, Loki é considerado o deus da trapaça, muitas vezes associado à maldade. Foi seu nome que batizou uma das maiores operações realizadas pela Polícia Civil este ano. Às 6h30 de ontem, 176 agentes e delegados saíram do Departamento de Polícia Especializada (DPE) com a missão de cumprir 32 mandados de busca e apreensão em igual número de empresas do ramo da construção civil. Elas são suspeitas de participarem de um grande esquema para fraudar licitações de obras públicas de pequeno porte em todo o Distrito Federal, cujos contratantes eram as 29 administrações regionais. Segundo a denúncia, os donos das construtoras combinavam entre eles uma alternância das empresas escolhidas para executar os serviços de até R$ 150 mil. Até esse valor, a modalidade de licitação exigida para firmar o contrato é a carta-convite(1), que não exige tantas formalidades quanto as outras alternativas de concorrência, facilitando, assim, a fraude.

Na ação, coordenada pela Divisão Especial de Repressão aos Crimes Contra a Administração Pública (Decap) e que envolveu outros departamentos da polícia, foram apreendidos mais de 100 computadores, além de diversos boletos bancários, contratos, celulares e outros materiais. Em um endereço, um revólver calibre .38 foi localizado e, em outro, uma grande quantidade de esmeraldas foi recolhida. Os responsáveis serão convocados para explicar a origem das pedras preciosas e da arma.

De acordo com o delegado-chefe da Decap, Flamarion Vidal, as investigações começaram em dezembro de 2008, após uma denúncia de irregularidade em 27 contratos firmados entre construtoras de pequeno e médio portes com algumas administrações regionais. A suspeita é de que somente nos 31 dias daquele mês o Governo do Distrito Federal tenha liberado às empresas, por meio das administrações regionais, cerca R$ 15 milhões, oriundos de contratos estranhos. O dinheiro foi empregado na construção ou reparo de quadras esportivas, calçadas, bocas de lobo e outros serviços.

Detalhes
Vários fatores chamaram a atenção dos policiais no início das apurações. Um deles foi a rapidez com que os processos de licitação eram encerrados. ;Em alguns casos, a licitação costuma levar meses para que a empresa vença a concorrência, pois existem prazos para recursos, avaliação de propostas e uma outra série de fatores que exigem um certo tempo, o que não ocorria nos casos apurados;, disse Flamarion.

Outro fato que deixou os agentes desconfiados era a ausência de publicidade das licitações, como a lei determina. O mais grotesco de todos: propostas apresentadas por empresas diferentes com os mesmos erros de português. ;Dá para perceber que pegaram a mesma proposta, mudavam apenas o valor e imprimiam de novo;, contou o delegado.

Por meio desses 27 contratos suspeitos, a polícia começou a estabelecer vínculos com as empresas alvo da Operação Loki. O trabalho foi complexo, por isso, demorou quase um ano e meio para ser concluído. Apesar dos fortes indícios de ilegalidade, o delegado responsável pela operação foi cauteloso. ;Todo o material apreendido passará por uma avaliação rigorosa. Ainda não podemos afirmar se tal empresa agiu com má-fé;, ponderou Flamarion. O Correio acompanhou a operação desde o início. Em algumas empresas, muitos funcionários que chegavam para o expediente se assustavam ao ver homens armados com pistolas e metralhadoras. ;Pensei que tinham assaltado a empresa. Nunca vi tanta gente armada aqui;, afirmou o serralheiro Douglas Rocha de Souza, 33, que trabalha numa empresa do Setor de Indústria e Abastecimento (SIA). No endereço, os policiais recolheram todos os HDs dos computadores e encheram cinco caixas com documentos. O dono da empresa Gontijo, Paulo Gontijo, que não tem relação com a Construtora JC Gontijo, se disse surpreso com a batida, mas garantiu estar com a consciência tranquila. ;Em tempos de tantas crises estourando, é natural que o nome da empresa possa ter sido citado em algum lugar, mas essa investigação é boa para separar o joio do trigo. O problema é que ficamos com as mãos atadas, pois todas as nossas operações são registradas no computador e eles levaram tudo;, comentou.

O delegado responsável pelo inquérito não descarta a participação de funcionários das administrações regionais no esquema fraudulento, nem de outras empresas. Com a apreensão dos documentos, ele acredita que será mais fácil saber quem colaborava para que a suposta fraude ocorresse. ;Vamos requerer via ofício informações das administrações regionais para confrontar os dados, pois existem fortes indícios da participação de servidores;, ressaltou.

Se ficar comprovado que as empresas estabeleciam critérios para se beneficiarem, os responsáveis podem ser enquadrados com base na lei n; 8666/93, que, pune com pena de 2 a 4 anos de detenção aquele que, na tentativa de obter vantagem, ferir o caráter competitivo da licitação. Eles também podem responder pelo crime de formação de quadrilha, cuja pena pode chegar a 3 anos. (veja O que diz a lei)

1 - Mais simples
A licitação por carta-convite é a que demanda menor complexidade. Ela é utilizada para compras pequenas, de até R$ 80 mil no caso de materiais e serviços e até R$ 150 mil para a execução de obras de engenharia que atendem, em geral, as necessidades do dia a dia dos governos, como reforma de escolas, pavimentação de calçadas, abertura de bocas de lobos etc. Deve ser enviada a no mínimo três participantes concorrentes.

Elas acusadas de combinarem preços e definirem vencedores para os contratos com administrações regionais

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