postado em 13/06/2010 08:07
As manifestações no centro do poder incomodam muita gente. Quando milhares de trabalhadores decidem se encontrar na Esplanada dos Ministérios para protestar contra o governo, pode-se esperar sujeira, barulho e caos no trânsito. Foi assim na última semana, durante a paralisação dos policiais civis. Mas há quem, alheio a tudo isso, comemore o auê comandado pelas centrais sindicais. A cada passeata, os participantes fazem circular dinheiro na cidade. Demandam serviços de hotelaria, transporte e alimentação, mandam confeccionar faixas, bonés e camisetas, contratam carros de som e até recrutam pessoas para engrossar a multidão.Os gastos são bancados pelas entidades de representação das classes. Se a pauta de reivindicações é nacional, confederações intimam militantes de outros Estados, que costumam desembarcar na capital do país com reserva no hotel garantida e diárias para almoço e jantar confirmadas. Os pacotes sindicais chegam a incluir traslado do aeroporto ao local da hospedagem e mesmo city tour. O tratamento, claro, varia de acordo com o tamanho da arrecadação da entidade. De qualquer forma, protestos e reuniões movimentam ao longo de todo o ano uma indústria peculiar em Brasília.
A rede hoteleira fica sufocada nas semanas em que há grandes protestos. Com o fechamento das pousadas na W3 Sul, os sindicatos menos abastados recorrem a pensões em cidades como o Núcleo Bandeirante. No mês passado, 80 manifestantes de Santa Catarina lotaram os 67 quartos do hotel gerenciado por Alessandro Soares. ;Alguns vêm todos os anos. Os hotéis aqui da região contam com essa demanda;, comenta o gerente. As diárias variam entre R$ 90 e R$ 160. Para atrair grupos inteiros, as pensões oferecem aos sindicatos descontos que podem chegar a R$ 20 em cada diária.
Para economizar com hospedagem, o Sindicato dos Trabalhadores de Empresas Públicas e Privadas de Informática do Distrito Federal (Sindpd-DF) comprou uma casa na Asa Sul, que abriga até nove pessoas. ;Mesmo assim, é sempre um investimento grande e às vezes nem conseguimos nosso objetivo;, comenta o presidente da entidade, Djalma Araújo Ferreira. A Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect) está em busca de um imóvel no Núcleo Bandeirante. ;Precisamos reduzir despesas. Quando há encontros aqui, gastamos, só com hotel, cerca de
R$ 10 mil;, conta o secretário-geral José Rivaldo da Silva.
Alta temporada
O ano de eleição agita ainda mais a programação das centrais sindicais. Encontrar auditórios e salas disponíveis tem sido um desafio. Eventos estão sendo adiados porque simplesmente não há espaço para alugar. ;Estamos no centro do poder. Essa demanda só existe aqui;, diz Carlos Vieira, dono de agência de turismo em que 40% do faturamento vêm da prestação de serviços para sindicatos e associações. Quando contratado, ele cuida de toda a logística: desde carros e vans para transportar a companheirada até a contratação de banda de forró para conduzir a manifestação e o convite ao padre ou pastor para abençoar a plenária.
As malharias e as gráficas que confeccionam brindes também comemoram a intensa atividade sindical em Brasília. Em manifestações de tamanho razoável, são encomendadas, por baixo, 5 mil camisetas, cada uma a R$ 10. São R$ 50 mil no caixa de uma vez só. Quando a demanda é muito grande, no entanto, os sindicatos costumam contratar mais de uma empresa. ;Além das manifestações, eventos como congresso de prefeitos, por exemplo, trazem bons negócios para a cidade e ajudam muito a movimentar nosso mercado;, afirma o empresário Gilberto Rodrigues, no ramo de malharias há 12 anos.
Brasília, na avaliação do presidente da Central Única dos Trabalhadores no Distrito Federal (CUT), José Eudes, é privilegiada por ser palco dos atos promovidos pelos trabalhadores. ;É uma coisa muito boa para a cidade o que fazemos. Mexemos com a economia local. Tem tanta gente pra hospedar, tanta comida pra comprar. E os carros? Às vezes alugamos mais de 50;, conta ele, antes de pedir para deixar claro que é comum o pessoal de fora gostar da cidade e querer ficar mais dias após a manifestação. ;Ajudamos a divulgar Brasília e a trazer investimentos para ela;, sustenta Eudes.
O presidente do Sindicato de Restaurantes, Hotéis, Bares e Similares do Distrito Federal (Sindhobar), Clayton Machado, questiona os benefícios para a cidade defendidos pela militância sindical. ;O que é que índios acampados na Esplanada agregam ao setor? Estamos cansados de ver gente dormindo em barracas naquele gramado, fazendo comida embaixo de árvores. Isso, ao meu ver, não agrega valor algum;, ponderou. Desde janeiro, cerca de 70 índios estão instalados em frente ao Palácio da Justiça. Eles cobram a anulação de um decreto que acaba com unidades regionais da Fundação Nacional do Índio (Funai) em alguns estados.
Hospedagem
Até o início de 2008, o mercado de hospedagem nas quadras 700 da Asa Sul estava em alta. Naquele ano, moradores incomodados com os transtornos causados pelo comércio resolveram reagir. O Conselho Comunitário da Asa Sul acionou a Justiça para exigir o fechamento dos estabelecimentos. O juiz da 7; Vara de Fazenda Pública do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), José Eustáquio de Castro Teixeira, acolheu o pedido e determinou o fechamento das pousadas, ordem que continua em vigor.
Balanço
Desde o início deste ano, a Secretaria de Segurança do DF já registrou 157 atos populares, o que envolve, além de manifestações, eventos como partidas de futebol. Na Esplanada, o número oficial de grandes passeatas chega a oito. A última, apelidada de Grito da Terra, reuniu cerca de 5 mil pessoas, que chegaram à cidade em 120 ônibus. Teoricamente, toda manifestação precisa de autorização da secretaria
para ocorrer.