Cidades

Estrutura precária e vagas em cidades distantes afastam médicos da rede pública

Esses são alguns dos obstáculos que impedem o reforço do quadro de pessoal da rede pública. No último concurso, menos da metade dos aprovados tomou posse

postado em 16/06/2010 07:00
A servidora pública Maiara Raquel Durães reclama da dificuldade em conseguir marcar uma consulta ginecológica na rede públicaUm dos principais desafios da nova equipe(1) que vai comandar a área da saúde é atrair médicos para trabalhar na rede pública. Mesmo com interesse em ampliar o quadro de pessoal e com recursos de sobra para contratar novos profissionais, o governo não consegue preencher as vagas disponíveis. No último concurso, realizado em abril, mais da metade dos profissionais aprovados não teve interesse em assumir os postos. O GDF convocou 588 médicos, mas apenas 292 tomaram posse. No caso dos anestesistas, por exemplo, a Secretaria de Saúde chamou 90 profissionais da área, mas apenas 43 aceitaram o desafio. Sem conseguir contratar funcionários, o governo tem dificuldades para implantar projetos importantes, como o fortalecimento da atenção básica.

São várias as causas do desinteresse dos médicos pelos hospitais e centros de saúde do sistema público. Alguns deles resistem em trabalhar em unidades distantes da área central de Brasília, como Brazlândia, Gama e Samambaia ; que são justamente as que mais necessitam de reforço no quadro de pessoal. A falta de condições de trabalho também é apontada como uma das justificativas, assim como os salários, considerados baixos por boa parte dos novos profissionais.

O vencimento inicial de um médico que ingressa na rede pública é de R$ 1.309,55 para 20 horas semanais de trabalho. Com a incorporação da Gratificação da Atividade Médica, a remuneração mensal para quem cumpre essa carga horária é de R$ 3.726. No caso dos médicos com 40 horas semanais de trabalho, a remuneração total é de R$ 7.393. Os valores são superiores aos salários pagos a médicos que trabalham para os governos de outros estados. No Rio de Janeiro, por exemplo, o vencimento básico é de R$ 1,5 mil para carga horária de 12 horas. Em São Paulo, um médico que trabalha 24 horas por semana recebe R$ 1.559, mas, com a gratificação por produção, pode aumentar em até um terço esse valor.

Particulares
Esses são alguns dos obstáculos que impedem o reforço do quadro de pessoal da rede pública. No último concurso, menos da metade dos aprovados tomou posseMesmo com salário acima da média paga em outras cidades, a rede pública de Brasília perde profissionais para o sistema privado de saúde, que oferece melhores condições de trabalho e valores superiores aos oferecidos pelo governo. O presidente do Sindicato dos Médicos do DF, Gutemberg Fialho, nega que a dificuldade em contratar médicos tenha relação com a resistência dos profissionais em trabalhar em regiões distantes. ;Se o salário fosse decente, o médico iria trabalhar onde o governo quisesse. Mas como ele paga pouco, não consegue contratar;, afirma Gutemberg. ;Além da questão do salário, as péssimas condições de trabalho também reduzem o interesse dos profissionais em atuar nos hospitais públicos. Ninguém quer trabalhar sem esparadrapo ou atadura;, acrescenta o presidente do sindicato.

Os anestesistas são os profissionais mais difíceis de serem contratados pelo GDF. Hoje, a rede tem 219 médicos dessa especialidade, mas seria preciso dobrar esse número para acabar com o deficit e atender corretamente a população. No último concurso, apenas 47% dos aprovados assumiram o posto. Com as novas contratações da rede pública, o número de médicos em atuação chegou a 4,6 mil profissionais.

O presidente da Sociedade Brasiliense de Anestesiologia, José Tadeu Palmieri, explica que faltam profissionais no mercado e a maioria deles prefere ir para a iniciativa privada. ;Há muitas opções de trabalho hoje para um anestesista, que pode atuar em clínicas de radiologia, em consultórios de dentistas ou em hospitais particulares. Hoje, a rede privada paga muito bem e por isso há esse desinteresse em assumir as vagas na Secretaria de Saúde;, explica Pamieri. ;Os problemas da rede pública também desestimulam. Durante mais de dois anos, ficamos sem agulha para (anestesia) peridural nos estoques;, justifica o presidente da entidade.

Outra especialidade cujos médicos não tiveram interesse em assumir as vagas depois da convocação foi a clínica médica. Dos 149 aprovados, apenas 52 tomaram posse. Entre os pediatras, 25 dos 60 chamados não quiseram a vaga. ;A causa desse fenômeno é a baixa remuneração aliada à falta de condições de trabalho. Como há um deficit grande de pessoal, os médicos que estão na escala ficam sobrecarregados;, justifica o presidente da Sociedade Brasiliense de Pediatria, Dennis Alexander. Na psiquiatria, apenas metade dos 20 nomeados tomaram posse.

Salários
A nova secretária de Saúde, Fabíola de Aguiar Nunes, explica que não pode discutir aumento de remuneração este ano por conta das eleições. ;Mas vamos começar a fazer essa discussão para que, na próxima gestão, os médicos possam ter um plano de cargos e salários. Isso seria um fator importante para aumentar a motivação e atrair mais médicos;, explica a secretária.

Fabíola Nunes acredita que os investimentos previstos para melhorar a rede podem representar um novo atrativo para a categoria. ;Nosso objetivo é acabar com o processo de desmonte na rede e melhorar as condições de trabalho para que os profissionais possam dar um atendimento digno à população. A seleção das equipes será feita com base no mérito e em critérios éticos para dar mais motivação aos médicos que querem trabalhar na rede pública;, acrescenta a secretária.

Entre os setores mais prejudicados com a falta de profissionais está a atenção básica. A maioria dos profissionais recém-contratados será deslocada para hospitais com grande deficit de servidores e o projeto de reforçar a saúde primária e o programa Saúde da Família podem ser adiados. Nos centros de saúde, são comuns as reclamações de falta de pessoal. Dos 80 médicos de família nomeados, somente 22 tomaram posse ; menos de 30% do total.

O vigilante Edivani Costa dos Santos, 35 anos, já está acostumado a esperar por atendimento. Na semana passada, ele passou três horas em um posto de saúde de Samambaia na tentativa de antecipar a consulta médica da esposa, a dona de casa Josileide Marques da Silva, 32 anos. Ela sofre com dores de estômago e só conseguiu marcar o atendimento para 23 de julho. ;Eles sempre dizem que não tem médico. Também é muito difícil conseguir fazer os exames. No caso da minha mulher, fizemos em uma clínica particular para tentar adiantar as coisas;, diz Edivani.

A funcionária pública Maiara Raquel Durães, 19 anos, reclama da dificuldade em conseguir consultas ginecológicas na rede pública. ;Se tivesse mais médico, o atendimento seria muito mais rápido;, diz. ;Aqui no posto de Samambaia só tem uma ginecologista para atender todo mundo e as grávidas têm prioridade. Quando alguma chega se sentindo mal, as pacientes que há tempos aguardam pelo dia da consulta são jogadas para o fim da fila;, reclama.
Colaborou Mariana Moreira

Troca de comando
Na última quinta-feira, o governo anunciou a criação da Secretaria Extraordinária de Infraestrutura e Logística de Saúde, que será comandada por Herbert Teixeira Cavalcanti, e também trocou o comando da Secretaria de Saúde. Quem está à frente da pasta agora é a sanitarista Fabíola de Aguiar Nunes.


"Além da questão do salário, as péssimas condições de trabalho também reduzem o interesse dos profissionais em atuar nos hospitais públicos. Ninguém quer trabalhar sem esparadrapo ou atadura"
Gutemberg Fialho, presidente do Sindicato dos Médicos do DF


Números

4,6 mil

médicos trabalham na rede pública

588
foram convocados no mês passado

292
assumiram o cargo

R$7.393
é o salário dos médicos que trabalham 40 horas semanais

R$3.726
é o salário dos médicos que trabalham 20 horas semanais trabalham 40 horas semanais

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