postado em 21/06/2010 07:58
;Aqui quem manda sou eu.; O autor da frase é um homem de fala mansa, que anda devagar e, segundo aqueles que o conhecem, perigoso. Apelidado de ;Sacolinha;, é ele quem coordena um dos maiores pontos de transporte pirata de passageiros no Distrito Federal, a Rodoviária de Taguatinga. Sob sua batuta, estão cerca de 30 motoristas, que, segundo eles dizem, são obrigados a pagar de R$ 5 a R$ 10 por viagem a Sacolinha pelo uso do espaço. O ;empresário; da pirataria não é o único a lucrar com a atividade. Segundo o Correio apurou, nas Rodoviárias do Plano Piloto e do Gama, o esquema também conta com líderes, responsáveis por organizar a atividade clandestina. Só este ano, 614 motoristas foram flagrados cometendo a infração. Em 2009, foram 1.306.Em Taguatinga, como ocorre nos terminais de ônibus e táxis, Sacolinha todos os dias elabora uma lista em que controla a ordem de saída e chegada de cada condutor. A lista fica afixada em uma pilastra, em frente a traillers localizados ao lado oposto da rodoviária. Quem sai, risca o nome e, ao voltar, passa a ocupar a última posição. A maioria das corridas é para Goiânia e Anápolis (GO), onde os loteiros, como são chamados esses motoristas, cobram entre R$ 35 e R$ 40 por cabeça. Em véspera de feriado, o valor pode subir para R$ 50.
Sacolinha há muitos anos deixou de fazer o trecho Taguatinga/Goiânia. Agora, ele se dedica à explorar a atividade ilegal. O esquema gerido por ele é respeitado por quem trabalha à margem da lei. Aqueles que se recusam a quitar as taxas impostas por Sacolinha podem ser expulsos do lugar. ;Já aconteceu de ele (Sacolinha) sair no braço com um rapaz que não quis pagar. Ele nunca mais voltou aqui, foi expulso;, contou um homem que trabalha na rodoviária e não quis revelar a identidade.
Se não fosse pelo fato de estar praticando uma contravenção (veja O que diz a lei), o esquema comandado por Sacolinha poderia muito bem ser comparado a uma empresa, com cargos bem definidos. Sacolinha é uma espécie de gerente, que distribui os serviços. Os motoristas mais antigos também ajudam nessa tarefa. O trabalho mais duro fica por conta dos flanelinhas, que têm a missão de aliciar os passageiros. Basta alguém estacionar que as ofertas para cidades goianas são anunciadas aos montes. ;Goiânia, Anápolis, mais barato aqui, comigo. Quem vai?;, gritam.
Os guardadores de carros ganham entre R$ 0,50 e R$ 1 para cada passageiro que conseguem tirar das empresas de ônibus ou dos táxis. Aliás, a vida dos taxistas ficou bem mais difícil depois que os piratas da Rodoviária de Taguatinga começaram a circular pelo DF. Até bem pouco tempo, as viagens eram restritas aos municípios dos estados de Goiás e Minas Gerais, agora, eles passaram a rodar por todas as cidades do DF. ;Eles chegam para os passageiros, na maior cara dura, e oferecem o serviço pela metade do preço que nós cobramos. É uma concorrência muito desleal. Está cada dia mais complicado trabalhar aqui. Eles tomaram conta de tudo;, reclamou um taxista, que pediu para não ser identificado por temer represálias.
Ousadia
Ainda em Taguatinga, outro grupo que faz transporte pirata parece não se preocupar com a fiscalização. A ousadia chama atenção. Eles aliciam passageiros ao lado do Departamento de Trânsito (Detran), que fica em frente à estação de metrô. Alguns carros usados no transporte clandestino ficam estacionados na rua que dá acesso à entrada principal do prédio. Uma ambulante que vende milho em frente à estação também faz o papel de indicar candidatos à viagem, principalmente para Goiânia.
O problema de transporte clandestino em Taguatinga é do conhecimento das autoridades do trânsito, mas elas admitem que é bastante difícil resolver. O chefe de fiscalização do Transporte Urbano do DF (DFTrans), Pedro Jorge Brasil, afirma que o local é alvo constante de operações, mas os infratores sempre voltam a atuar depois que os agentes vão embora. ;Não podemos ficar o dia todo lá. Como o lucro com a pirataria é alto, eles têm o carro apreendido, mas logo arranjam dinheiro para retirá-lo do depósito. É um trabalho difícil, de gato e rato, mas que tem de ser feito;, lamentou.
O que diz a lei
A regulamentação para gerenciamento do transporte público no Distrito Federal é feita pela Lei n; 953 de 13 de novembro de 1995. O artigo 28, que trata do transporte irregular de passageiros, define como fraude a prestação de serviço, público ou privado, de transporte coletivo de passageiros, de forma remunerada. Entre as penalidades para os infratores, estão a multa, que varia de R$ 2 mil a R$ 5 mil, e a apreensão do veículo. Além disso, o motorista pode ser obrigado a fazer cursos
de reciclagem indicados pelos órgãos de trânsito.
Oferta ampliada na greve
Após as paralisações-relâmpago feitas pelos rodoviários, a oferta de transporte pirata aumentou em todo o DF. As passagens, que em dias habituais custam de R$ 2 a R$ 5, chegaram a R$ 8 e até mesmo R$ 10 nos dias de caos no transporte coletivo. Na BR-020, os motoristas oferecem o serviço sem qualquer medo de fiscalização. Na quinta-feira pela manhã, com ônibus lotados devido à redução da frota nos horários de pico, as vagas nos piratas eram disputadas pelos passageiros. Duas senhoras chegaram a discutir para ocupar o lugar que restava em um carro com destino ao Sudoeste.
São motoristas que vivem do transporte e outros que aproveitam o trajeto para o trabalho para dividir os gastos com combustível. ;Eu estou desempregado. Sei que existe a chance de me pegarem, mas estou aproveitando esse período para trabalhar. O povo esta precisando de transporte e eu tenho que garantir o meu (dinheiro);, afirma o motorista de um carro que saiu de Planaltina com destino à W3 Sul. No Recanto das Emas e Paranoá, a cena se repete e as paradas são tomadas por carros particulares com uma oferta de destinos. ;Tenho medo, mas sempre vou. É mais rápido e muito mais certo do que o que os ônibus vem fazendo por aí;, ressalta o autônomo Francisco Pilattes, 48 anos, que usa o transporte diariamente em São Sebastião.
Organização no terminal
Na plataforma superior da Rodoviária do Plano Piloto, o problema se repete. Na tarde da última terça-feira, o Correio flagrou três jovens segurando chaves de uma mesma marca de veículo (Fiat). Atrás de cada uma, havia um código. Os itinerários variados são anunciados aos gritos para os passageiros em potencial que passam pelo local. Não há qualquer tentativa de disfarçar o esquema. Os homens conversam enquanto aguardam pelos passageiros. Quatro pessoas são selecionadas por vez.
Sem saber que falava com um jornalista, um deles conta que os carros têm um mesmo dono ; seriam sete veículos ao todo. Os jovens são contratados para dirigir os veículos e ganham porcentagem sobre o total contabilizado pelos proprietários. Uma mulher que usa frequentemente o serviço clandestino revela que a frota pode ser ainda maior. ;Já andei com vários motoristas diferentes aqui e, muitas vezes, percebi que era o mesmo carro. Mas nunca perguntei. Como sei que é ilegal tenho medo deles;, disse a senhora, que mora em Sobradinho. Ela usa o transporte sempre que está atrasada, ou quando existe a ameaça da greve dos motoristas e cobradores de ônibus. ;Na maioria das vezes, eles sobem o preço da passagem quando percebem que são a única opção da gente;, diz.
Itinerários
Os itinerários principais são para Sobradinho, Colorado, Eixo Sul e Norte de Brasília. Os motoristas ficam em grupo de três a sete componentes. Os rostos já são conhecidos dos passageiros, mas alguns trabalham com os próprio carros e se apoiam nos grupos de contratados para oferecer maior segurança ao esquema, temendo a fiscalização. Pelo menos um dos componentes do grupo fica responsável por observar a possível existência de fiscais no local. A maioria dos motoristas faz cerca de três viagens durante o horário de pico no fim do dia ; das 17h às 21h. O faturamento total pode chegar a R$ 100 por dia, sendo que, apenas parte do dinheiro fica com os motoristas. ;Estou trabalhando. Se não tivesse gente que precisasse desse tipo de transporte o meu emprego não existiria;, considera um motorista.