Cidades

Nos colégios públicos do Plano Piloto, a frequência caiu até 50% com greve geral de ônibus

As lojas também são prejudicadas pela falta de funcionários e pelo pouco movimento. A Justiça endureceu ontem com os trabalhadores, mas a paralisação continua hoje

postado em 23/06/2010 06:05
Fábio, Geisy e Gildsa aderiram à carona solidária para chegar ao trabalhoA greve dos rodoviários, que tumultua a vida de um milhão de usuários do sistema coletivo de transporte desde segunda-feira, atinge também o comércio e escolas. O difícil acesso dos funcionários ao local de trabalho se reflete na queda das vendas e na frequência escolar. Quem depende do transporte público e mora nas cidades mais afastadas do Plano Piloto está chegando atrasado ou nem sequer está conseguindo se apresentar para cumprir a jornada de trabalho. Algumas empresas fretam carros particulares para garantir a presença dos profissionais ou organizam o transporte solidário.

A Universidade de Brasília (UnB) informa que o Restaurante Universitário ficará fechado até que os motoristas e cobradores voltem ao trabalho. Além disso, o hospital universitário está com o funcionamento prejudicado, segundo a própria instituição de ensino. Ontem, em assembleia, os rodoviários decidiram manter o movimento nesta quarta-feira. Além disso, a Justiça Trabalhista endureceu com a categoria. Dobrou a multa (1) diária ; de R$ 100 mil para R$ 200 mil ; para o Sindicato dos Rodoviários, caso os cobradores e motoristas não coloquem 60% da frota nas ruas.

Afetados pela paralisação dos ônibus, donos de estabelecimentos comerciais na área central de Brasília precisaram recorrer à ajuda de parentes e amigos para atender a clientela. No Setor de Indústrias Gráficas (SIG), dos 12 funcionários do restaurante Sapore, apenas sete conseguiram bater o ponto ontem. A situação da empresária Mila Correia Gomes, 43 anos, dona do restaurante Minas, da 105 Norte, é ainda pior. Da equipe composta por cinco pessoas, apenas a cozinheira está trabalhando, assim mesmo porque a patroa foi buscá-la, em Planaltina, nos dois dias de paralisação geral de motoristas e cobradores. ;Meu marido e minha filha estão ajudando a servir os clientes;, frisa. Uma de suas contratadas, a ajudante de cozinha Helena de Oliveira, 31 anos, tentou uma carona, ontem de manhã, no terminal de Samambaia. Na véspera, ela esperou por um ônibus durante mais de duas horas, em vão. ;Nem os piratas passam por aqui;, lamentou.

Com a greve, o metrô trafega lotado em um período maior pela manhãPara não ficar na mão, a construtora Vertical de Taguatinga criou uma rede solidária para buscar os funcionários em casa. A ideia surgiu após a paralisação-relâmpago feita pelos rodoviários na semana passada. Na segunda-feira, depois que a greve se confirmou e apenas quatro dos 12 funcionários do escritório chegaram ao trabalho, a gerente administrativa Geisy Fidélis Albernaz, 26 anos, ligou para a equipe, anotou os endereços e organizou o serviço de caronas. ;Uma coisa é ficar sem o funcionário por um dia. Outro problema é perdê-lo a semana inteira;, avalia. Ela mesma buscou uma colega no Park Way.

Ontem, o motorista da empresa, Fábio Gomes, 29 anos, foi buscar a auxiliar de serviços gerais Gildsa Novaes, 39, no Riacho Fundo II. Os custos com combustível ficarão por conta da própria empresa. ;No fim do dia, a Geisy repassa a quilometragem feita pelos funcionários e ressarcimos, por estimativa;, explica o diretor comercial, Marcos Vieira. Segundo ele, a tendência é manter o arranjo enquanto durar a greve. Gildsa, que normalmente pega no batente pouco depois de 7h, chegou depois de 11h. ;A medida é muito boa. Precisamos trabalhar e a culpa pela falta de ônibus não é nossa;, diz.

Enquanto alguns contam com o apoio dos patrões, outros são obrigados a se virar para garantir o emprego e não ter o ponto cortado. Já passavam das 10h de ontem quando o barmam Rodrigo Dias, 26 anos, morador de São Sebastião, ligou para os patrões, no Lago Sul, contando do problema na condução. ;Não teve jeito. Eles precisam de mim lá;, disse, sem saber o que fazer.

Tolerância
O presidente do Sindicato do Comércio Varejista do Distrito Federal (Sindivarejista), Antonio Augusto de Moraes, disse ontem que os empresários devem tolerar algumas ausências de trabalhadores que moram em regiões onde o ônibus é a única alternativa. ;Deve haver uma tolerância nos primeiros dias, mas cada caso é um caso e essa análise vai ficar a cargo dos empresários;, explicou. Não é só a falta de funcionários que afeta o comércio. Sem ônibus, os consumidores também sumiram das lojas e a previsão é de queda no faturamento mensal. ;É esperada uma queda nas vendas se comparado ao mês anterior ou ao mesmo período do ano passado, mas ainda não é possível estimar de quanto será esse reflexo negativo;, ressaltou.

Assim como ocorreu na segunda-feira, nas paradas de ônibus ontem, houve apenas a oferta de veículos que faziam o transporte irregularJá o Sindicato dos Comerciários do Distrito Federal (Sindicom-DF) informa que qualquer punição a empregado em função de atrasos ou não comparecimento ao local de trabalho ocasionado pela greve dos rodoviários é ilegal. ;A falta de transporte coletivo é considerada motivo de força maior e, em função disso, não pode o empregado ser responsabilizado por não conseguir chegar ao local de trabalho;, esclareceu a entidade.

Os alunos das escolas públicas também estão sendo prejudicados. A cidade mais afetada é o Plano Piloto, onde 50% dos estudantes não assistem às aulas desde quinta-feira. ;Não deixo meu filho ir ao colégio com medo de dar alguma confusão e apedrejarem o veículo com ele dentro;, destacou a dona de casa Rosângela Alves, 32 anos, moradora de Itapoã. As frequências dos colégios públicos de Taguatinga também caíram entre 20% e 30%. E as outras regiões, segundo a secretaria, só estão menos afetadas porque o GDF disponibiliza ônibus fretados para transportar os alunos.

Paradas vazias
Já ciente da greve, muita gente está dando o seu jeito. Prova disso foram as paradas de ônibus mais vazias na manhã de ontem. Caronas, ônibus do Entorno e veículos piratas foram as opções. O metrô, que costuma registrar movimento intenso entre 6h30 e 8h30, circulou com vagões lotados até depois de 9h30. Segundo o presidente do Sindicato dos Rodoviários, João Osório da Silva, menos de 10% da frota, composta por 2.396 veículos, está circulando. Os carros que estão nas ruas pertencem às empresas que já haviam fechado acordo com os patrões: a TCB e as cooperativas Cootarde, Coopatran e Alternativa. Os micro-ônibus também não estão rodando.

1 - Ilegalidade negada
O sindicato patronal havia pedido uma multa diária R$ 500 mil, mas a Justiça Trabalhista negou esse valor. O juiz Paulo Blair, que analisa o assunto, diz esperar que as negociações pelo fim da greve sejam retomadas. Quanto ao pedido do sindicato para decretar a ilegalidade da greve, Blair disse que o julgamento do assunto deve ser feito em processo próprio ; dissídio coletivo.

O número
1 milhão
Total de passageiros prejudicados pela paralisação de cobradores e motoristas


Opinião do internauta

Leitores comentaram no site do Correio sobre os transtornos que estão enfrentando com a greve dos rodoviários. Veja algumas opiniões:

Cícero P. Ribeiro
;Como morador de Taguatinga e trabalhador da Esplanada, todos os dias, estou enfrentando muita dificuldade para chegar ao trabalho. Quarenta e oito horas é tempo suficiente para ser resolvido essa questão da greve dos rodoviários. Espero que resolva logo para o bem de todos.;

Marcos Nunes
;Caos. Essa sempre foi a melhor definição para o transporte público no DF. É em dias de greve como nesta segunda e terça que percebemos o quanto o nosso transporte publico é defasado.;

Valtenir R. de Souza
;Não estou gostando nada do que está acontecendo. Os rodoviários e os empresários estão forçando a barra para ter aumento de passagens. O GDF não pode ceder. Nós, a população usuária do transporte coletivo, não temos que pagar mais essa conta. Chega! Não aguentamos mais abusos.;

Albertina Mariano Araújo
;O pior não foi a greve. Foram as crianças de Santa Maria que estudam no Caic Albert Einstein ficarem sem aulas. Além de eu ficar sem ônibus, meus filhos ficam sem escolas.;

Cláudio Magalhães Polônia
;Essa greve é irresponsável e mostra a ineficiência da máquina pública em fazer a gestão de uma concessão publica.;

Marcos Nunes
;Estamos nas mãos de empresários exploradores que não ligam nem um pouco para o trabalhador.;

Sandra Lopes
;Já temos a passagem mais cara do país e é só os rodoviários cobrarem o que é direito deles que os empresários já querem o aumento das passagens. Nós é que acabamos sendo mais prejudicados.;

Patrícia Duarte
;Todos os veículos de imprensa da cidade só estão se preocupando com o caos no trânsito e o transtorno na vida dos motoristas. Mas e os cidadãos? O que fazem? As paradas estão lotadas ainda às 9h, e só temos acesso a transporte escolar e vans caindo aos pedaços.;


GDF analisa pedido de reajuste de passagens
Para tentar resolver o impasse da greve dos rodoviários, o governador Rogério Rosso (PMDB) criou ontem um comitê gestor que acompanhará, de forma permanente, as questões relativas ao transporte público no DF. Os empresários protocolaram, na noite da última segunda-feira, na Secretaria de Transportes, um pedido de reajuste da tarifa cobrada pelos coletivos. De acordo com o Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo do DF (Setransp), uma planilha mostrando um deficit de 28% nas contas do setor foi apresentada na ocasião. ;A minha postura é de não dar aumento de tarifa;, reafirmou Rosso.

Ainda não há data definida para um encontro entre o novo comitê e os empresários do setor de transportes. O Setransp afirma que os patrões nem sequer foram procurados pelo GDF. Caberá ao novo grupo analisar a prestação de contas das empresas solicitada pelo governador no primeiro dia da greve geral. A equipe será coordenada pelo próprio chefe do Executivo local e contará com especialistas e auditores.

Durante evento de entrega de 35 novos carros para a Secretaria de Saúde do DF, o governador cogitou, ainda, a possibilidade de novas licitações de linhas e empresas de transporte coletivo para o DF, caso seja necessário. ;Se precisar, nós vamos licitar novas linhas e empresas. Estamos tranquilos no sentido de que a população está sofrendo, mas vai sofrer muito mais se tiver que pegar uma parcela ainda maior do seu salário para o transporte;, afirmou Rosso.

Assembleia
Sem conseguir uma intermediação do governo ontem nas negociações, os rodoviários fizeram uma assembleia no fim da tarde e decidiram manter a greve geral. Segundo a Polícia Militar, 800 trabalhadores votaram ; no domingo, foram 4,5 mil. De acordo com João Osório, presidente do sindicato da categoria, quem não está cumprindo a determinação do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) são os empresários. ;Eles têm de disponibilizar um ônibus para apanhar os rodoviários em casa. Mas se recusam a fazer isso;, garante. Hoje, João Osório vai ser reunir com Rosso, em Águas Claras, para tratar da greve.

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