Juliana Boechat
postado em 26/06/2010 07:00
O perfil do motorista que tem a carteira de habilitação apreendida ou cassada pelos órgãos de trânsito do Distrito Federal mudou nos últimos dois anos. Desde que a Lei federal n;11.705/08, popularmente conhecida como lei seca, entrou em vigor, em 20 de junho de 2008, a mistura de álcool e volante lidera a lista dos principais motivos de apreensão e cassação dos documentos, segundo levantamento realizado pelo Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF). Durante os primeiros quatro meses deste ano, 1.105 CNHs foram recolhidas pelo órgão ; uma média de 276 por mês ou 9 por dia. Dessas, 653, ou 59%, referiam-se ao Artigo 165 do Código de Trânsito, que remete à lei seca. O acúmulo de mais de 20 pontos na carteira por motivos variados também é comum entre os motoristas ; 166 carteiras foram apreendidas por esse motivo. Do total retido em 2010, 17 foram cassadas.
Em 2009, primeiro ano completo sob a vigência da lei seca, os números refletiram a maior fiscalização nas ruas do DF. Naquele ano, 3.919 CNHs foram apreendidas, ou seja, 326 por mês. Desse total, 2.267 motoristas foram flagrados dirigindo alcoolizados. O número representa uma média de 188 apreensões de carteiras por este motivo a cada 30 dias. Até maio deste ano, a média era de 163. Ano passado, 716 pessoas perderam a carteira por acumular mais de 20 pontos. E 119 tiveram o documento cassado. Outros motivos comuns que acabam em suspensão do direito de dirigir e em multa são manobras perigosas (279) e irregularidades cometidas por motociclistas (516) (veja quadro). Até o fim deste ano, a quantidade de carteiras de habilitação cassadas e apreendidas deve ultrapassar as estatísticas dos 12 meses de 2009.
O diretor de controle de veículos e condutores do Detran, Régis Otávio de Lima, acredita que o aumento no número de carteiras de habilitação cassadas e apreendidas se deve ao aperto da fiscalização nas vias do DF, principalmente após a entrada em vigor da lei seca. ;Desde que a lei seca passou a valer, o governo adotou uma política de intensificar as fiscalizações. Com isso, aumentou a quantidade de blitzes. E assim, os agentes acabam pegando também outras irregularidades que, antes, poderiam passar despercebidas. Mais fiscalização, mais carteiras apreendidas e cassadas;, explicou. Segundo Régis Lima, alguns artigos do Código de Trânsito Brasileiro determinam a suspensão imediata da CNH no momento da autuação, como é o caso de beber embriagado. Em outros casos, o motorista tem a oportunidade de se defender antes de ser punido.
Punição
O pesquisador do Centro Interdisciplinar de Estudos em Transporte da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Pavarino defende que o número de infrações no trânsito está diretamente ligado à percepção punitiva da população. E, segundo ele, o motorista brasiliense ainda se sente confortável em desrespeitar as leis por acreditar que não será punido. ;Não é a educação no trânsito que faz as pessoas cumprirem a lei. Essas informações nunca faltaram ao motorista. Mas falta a percepção do sistema e do castigo efetivo;, disse. Para ele, com o aumento da frota de veículos, os órgãos de trânsito devem se equipar com mais funcionários e aparelhos para abranger toda a população. ;Todas essas mudanças demandam um reforço na estrutura. Isso tem faltado em Brasília;, criticou.
Na central de atendimento do Detran, no SIA, grande parte das pessoas que esperam atendimento no Setor de Penalidades da CNH compartilha a mesma experiência: perderam a carteira durante as operações Álcool Zero. Dias depois de receber a punição, elas retornam ao órgão para recuperar o documento e recorrer do processo. Quando a CNH é apreendida, o motorista deve fazer aulas de reciclagem do Detran e responder a um processo administrativo com direito a recurso. Em casos de cassação, é como se o condutor voltasse à estaca zero. Ele deve reconquistar o direito de assumir o volante, como se fosse tirar a carteira pela primeira vez. Dependendo do caso, a pessoa fica até dois anos sem poder dirigir.
O motorista Paulo Sérgio da Visitação, 34 anos, foi ao Detran na última quinta-feira para reaver a CNH. Em 15 de junho do ano passado, por volta de meia-noite, ele foi parado por uma viatura da Polícia Militar. Um PM pediu para ele fazer o teste do bafômetro. Como não tinha ingerido bebida alcoólica, aceitou. ;O policial não sabia manusear o teste. Discutimos e eu perdi minha carteira mais por desacato do que por causa da lei seca. Mas ele recolheu a minha carteira;. Um ano depois, Paulo decidiu solucionar o problema. ;Eu sou de acordo com a lei. Podia ser ainda mais rígida. Falo isso mesmo sendo uma vítima dela;, defendeu. O bancário João Victor (nome fictício), 30 anos, também estava na fila para recuperar o documento. Ele chegou em Brasília na última terça-feira e foi pego em uma blitz. E estava sem documento para voltar a São Paulo. ;Eu tinha bebido duas latas de cerveja. E como tenho 90kg, achei que fosse passar ileso. Mas o bafômetro acusou 0,20 miligrama. Agora, vou recorrer;, contou.
INFORME-SE
Para obter informações sobre a sua Carteira de Habilitação você pode ligar no Disque-Detran, no 154. Ou ainda ir até o centro de atendimento do órgão, no Setor de Indústria e Abastecimento, Trecho 1, Lote 905, das 8h às 17h.
FLAGRANTE EM DIA DE JOGO
No fim da manhã e no início da tarde de ontem, agentes do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF) e do Batalhão de Trânsito da Polícia Militar (BPTran) autuaram 11 pessoas que insistiram em combinar bebida e direção. Em Taguatinga, um homem que apresentou concentração de álcool no organismo de 0,34 miligrama por litro de ar expelido dos pulmões foi encaminhado à delegacia. De acordo com o diretor de Segurança de Trânsito do Detran, Silvain Fonseca, a fiscalização de ontem, quando ocorreu o jogo da Seleção Brasileira, foi mais itinerante. O trabalho dos 80 fiscais do órgão foi reforçado durante à noite. Já, na madrugada desta sexta-feira, 12 pessoas também flagradas infringindo a lei seca.
Depoimento
;Eu caí na blitz no dia 20 de agosto de 2009. O bafômetro deu 0,64 miligrama de álcool por litro de ar. Foi a primeira vez que eu pisei em uma delegacia. Paguei fiança de R$ 700 para ser liberado. Sete meses depois, em fevereiro deste ano, fiquei frente a frente com o juiz. Foi uma audiência conjunta e tinha umas 20 ou 30 pessoas na mesma sala. Desde o flagrante, eu fiquei com uma ressaca moral muito grande. O juiz deu uma bronca de maneira muito sutil. O Ministério Público propôs a suspensão do processo desde que eu cumprisse cinco exigências, uma delas, a prestação de 96 horas de serviço comunitário no Hospital de Base. Fiz triagem de pacientes no pronto-socorro. Esse trabalho foi uma lição de vida. Enquanto estava lá, soube de casos de vítimas de acidentes em que o motorista tinha bebido. Eu agradecia a todo momento por ter sido parado antes de machucar alguém. Continuo tendo meu happy hour, mas agora deixo o carro no trabalho e volto para casa de táxi ou com amigos. Eu gosto de beber e vou continuar bebendo. Mas sei que não preciso me expor e nem expor ninguém em função disso;.
Marcos (nome fictício), 36 anos, bancário, morador do Cruzeiro
Situações graves chegam à Justiça
A fiscalização intensa nas ruas está diretamente relacionada à quantidade de processos abertos contra os condutores. Levantamento realizado pela Polícia Civil, de 20 de junho de 2008 a 17 de junho de 2010, mostra que, em média, três procedimentos criminais foram instaurados por dia durante os cinco primeiros meses deste ano ; o total no período foram 533 inquéritos. Ano passado, foram abertos 1.537 processos, ou quatro por dia. Nos últimos seis meses de 2008, a média se manteve em quatro. Só são levados às delegacias de polícia os casos tratados no Artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, em que o bafômetro registra nível acima de 0,3 miligrama de álcool por litro de ar expelido dos pulmões.
O juiz da Vara de Delitos de Trânsito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios Gilberto Pereira de Oliveira explica que a quantidade de processos que chega à vara aumentou 90% após a entrada em vigor da lei seca. ;Estamos com 700 processos relativos ao Art. 306 e um fluxo de 60 novos casos a cada mês, em razão da lei seca. Levamos, em média, 60 dias entre o fato e o dia da audiência;, ressalta. A solução encontrada por ele é a realização de audiências coletivas, que julga de uma vez até 25 processos. ;Digo que eles (motoristas) põem em risco a vida deles e as de terceiros. Não os proíbo de beber, mas advirto que não devem misturar bebida com a direção de veículo. E que sempre usem o táxi, um amigo ou parente que não tenha bebido para dirigir;, explicou Oliveira.
No levantamento do Detran, em comemoração aos dois anos da lei seca, realizado entre 19 de junho de 2008 a 17 de maio de 2010, 3.591 carteiras de habilitação foram suspensas; 207 foram cassadas; e a Justiça abriu 7.600 processos criminais contra condutores no período. Dos 13.514 autuados nos últimos 12 meses, 3.673 foram presos em flagrante, o que representa 27,2%. Desses, 51 eram reincidentes no crime. (JB)