postado em 04/07/2010 19:16
"A cidade não para, a cidade só cresce". O trecho da música A Cidade, do falecido músico pernambucano Chico Science descreve bem o momento vivido por Natal, capital do Rio Grande do Norte, nas últimas décadas. Crescimento urbano, expansão do comércio mobiliário e investimentos de capital estrangeiro são a marca da Natal do novo século. Como todo progresso, o fenômeno também tem efeitos colaterais. Cortinas de concreto escondem do natalense a bela visão antes tida das praias do litoral. As veias do trânsito da capital já não mais suportam a quantidade de pessoas que as usam todos os dias. Segundo o último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2000, o Rio Grande do Norte abrigava 233.579 pessoas não naturais do estado. Essas pessoas vêm a Natal sobretudo em busca de empregos, tranquilidade e uma melhor qualidade de vida. O empresário pernambucano Sérgio Moura conheceu Natal através do seu trabalho. Ele vinha quinzenalmente para comercializar produtos de limpeza industrial, quando sentiu a necessidade da implantação de uma filial de sua aqui. Ele conta que tinha uma visão diferente da cidade, antes de passar a conviver aqui. "Eu via Natal como uma cidade muito pequena. Pra quem está de fora, parece ser uma coisa bem menor", conta.
Sérgio diz que já se adaptou à cidade e que observa nos dias de hoje, com relação ao período de sua chegada, a expansão do turismo na capital potiguar. "A principal diferença é abertura de novos postos de trabalho, novas empresas. A maioria delas está ligada ao turismo", completou.
O administrador Elias Júnior, 27, veio para Natal há 10 anos em função da transferência de emprego de seu pai, que trabalhava em uma fábrica de bebidas. "A maior diferença é a questão habitacional. Na época que eu cheguei não tinha tantas casas e tantos condomínios", disse. Uma deficiência apontada por ele é o sistema de transporte público do município que, segundo ele, não comporta a quantidade de pessoas que andam pela cidade.
Junior acredita que o custo de vida em Natal é alto, fato que pode ser explicado devido à presença de muitas pessoas de outros estados e países. O administrador lembra que a capital potiguar ainda não alcançou um nível de desenvolvimento como o de outras capitais nordestinas, mas que Natal está em um ritmo acelerado de crescimento. "Não há como comparar Natal com Recife ou Fortaleza, que são grandes centros. Mas Natal vem numa crescente e deve crescer ainda mais nos próximos anos", explica.
Capital de muitos trunfos
São esses os fatores apontados pelo secretário municipal de turismo de Natal, Soares Júnior, como principais motivos da vinda de pessoas de outros estados para cá. "Já conversei com várias pessoas de fora e o que elas me dizem é que a primeira razão da procura pela cidade é o clima. Depois a hospitalidade do povo e por fim a tranquilidade", disse.
O secretário lembra que Natal, apesar da forte incidência de raios solares durante a maior parte do ano, possui um clima estável, ao contrário de cidades como São Paulo, onde a variação climática é mais intensa, provocando transtornos às pessoas. O segundo fator apontado por ele, a hospitalidade, também é decisivo para a preferência dos migrantes. "O povo se sente à vontade com a maneira que o natalense trata os visitantes", explica.
A segurança também é um grande diferencial da capital. Tranquila, comparada com algumas outras capitais, "Natal oferece tudo que uma grande cidade tem, como shopping, praia, mas não tem a insegurança vista nessas outras cidades", comodestaca Soares Junior.
Estudo superior
Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) e Ministério da Educação (MEC), a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) só está atrás da federal de Pernambuco na região Nordeste, em um ranking das melhores universidades do país eleito no ano passado. O prestígio da universidade atrai cada vez mais estudantes de outros estados. Jaques Noronha de Araújo, 18 anos, é natural de Tabuleiro do Norte, Ceará. Ele veio a Natal prestar o vestibular para o curso de jornalismo na UFRN. Jaques considera o ensino da capital potiguar superior ao de Fortaleza, capital do seu estado.
Jaques diz não ter sofrido tanto impacto ao chegar a Natal, visto que morou em uma cidade pequena do interior cearense, mas ressalta várias diferenças com relação a Fortaleza. "Natal é muito acolhedora", explica. Ele lembra que, pelo fato de ser uma cidade menor, Natal oferece um sentimento de praticidade e acolhimento. Ele também critica o sistema de transportes da cidade e salienta que o custo de vida aqui é maior que o de Fortaleza.
Moradores sentem impacto do crescimento
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada em 2008, a taxa de urbanização em todo o estado era de 72%, trazendo, junto ao crescimento, problemas sociais e segregação espacial. O potiguar Ronaldo Malaquias tem 51 anos, é funcionário público federal e morou a vida toda no bairro de Petrópolis. Ele conta que ao longo de sua vida, morando em frente à Praia de Areia Preta, percebeu muitas mudanças no cenário local.
Ele reclama que as construções feitas nas últimas cinco décadas, impulsionadas pela expansão urbana. O servidor público diz que hoje em dia só consegue ver uma parte da praia. "Dá pra ver uma brechinha ainda, mas acho que daqui a uns dois anos não vou ver mais nada", disse. Ronaldo considera essa expansão é boa para a cidade, mas maléfica para quem vive e tem suas raízes fincadas em bairros tradicionais. "Daqui eu via até o Forte dos Reis Magos, agora não vejo mais", continua, referindo-se aos inúmeros prédios que ocupam o litoral de Natal.
A secretária escolar Luciana Xavier reclama que os serviços da cidade têm piorado ao longo dos últimos anos. Ela remete à verticalização da cidade a razão por essa piora. "Todo mundo mora no mesmo lugar, trafega pela mesma rua, usa os mesmos serviços e a cidade não comporta", explica. Ela diz que não acredita que a "invasão" de pessoas de outros estados seja fator responsável do crescimento desordenado da cidade. "A culpa é da falta de planejamento mesmo", disse. Ela cita a falta de infraestrutura da cidade como resultante dos problemas vistos hoje com relação à moradia, transporte e segurança pública.