Naira Trindade
postado em 09/07/2010 07:00
As brincadeiras do pequeno Matheus Gomes Lucena, 8 anos, estão suspensas em plenas férias. A bola e a bicicleta vão ficar encostadas até que a Secretaria de Saúde do Distrito Federal consiga reabastecer o banco de unidades de fator recombinante 8, que está vazio há pelo menos dois meses. Um lote do medicamento ; usado para controlar a coagulação do sangue de portadores de hemofilia ; está parado na alfândega do Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek há 23 dias aguardando um parecer da Procuradoria-Geral do Distrito Federal para ser liberado. O remédio garante uma vida sem limitações físicas a pelo menos 50 crianças e adultos do DF. Enquanto continua retido, quem precisa da medicação redobra os cuidados para evitar se machucar.A falta do medicamento pode levar os pacientes à morte, já que os hemofílicos sofrem com freqüentes episódios de sangramento, que começam na primeira infância e atingem geralmente as articulações e os músculos e podem acarretar lesões incapacitantes e deformidades. ;Quando as hemorragias acontecem de forma grave em órgãos nobres, como o estômago, o paciente pode não resistir. Uma pancada na cabeça pode resultar num coágulo no cérebro e, se o paciente não estiver tomando o medicamento, pode morrer;, explica Mariana Sayago, fisioterapeuta e coordenadora do Centro de Tratamento de Coagulopatias do DF.
O Distrito Federal é exemplo(1) no tratamento desses doentes, sendo a única unidade da federação a fornecer gratuitamente o fator recombinante 8 a todos os pacientes cadastrados. Dos 500 portadores de hemofilia registrados, 50 fazem a profilaxia primária, ou seja, a prevenção à doença, dependem exclusivamente desse remédio. O restante pode fazer o tratamento com fatores plasmáticos 8 e 9. A diferença entre eles é que o recombimante é produzido em laboratório, é completamente sintético, e o outro é feito a partir de sangue humano. Por isso, para evitar riscos de contaminações, os médicos recomendam o uso do produto sintético em crianças que fazem o tratamento desde bebês.
Todos os estados fornecem gratuitamente aos dependentes o medicamento plasmático. A compra e distribuição é realizada pelo Ministério da Saúde, que os repassa às secretarias regionais para que elas atendam os portadores.
Importado
Por ainda ser considerado um tratamento novo, o produto sintético só é disponibilizado gratuitamente nos outros estados por meio de ações judiciais. A Secretaria de Saúde do DF providenciou a compra do lote que está parado em 8 de junho. A empresa Bayer ganhou a licitação para o fornecimento do produto, que vem dos Estados Unidos. A carga saiu dos EUA três dias depois da solicitação, chegando ao Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, em 13 de junho. Segundo a assessoria de imprensa da Bayer, os pacotes com os remédios chegaram em Brasília em 16 de junho. ;A responsabilidade da Bayer restringe-se à entrega do produto no aeroporto de Brasília, à analise de controle de qualidade pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade e Saúde e, posteriormente, à inspeção da Anvisa. Ações essas já realizadas;, respondeu, por e-mail, o gerente de produto da área de hematologia da Bayer, José Otávio Corrêa.
O impasse para que a carga deixe o aeroporto de Brasília, siga para o Hospital de Apoio e, em seguida, seja distribuída aos pacientes que precisam dela para sobreviver depende apenas de um parecer técnico da Procuradoria Geral do Distrito Federal. A assessoria de imprensa do órgão, porém, informou que não conseguiria encontrar o processo sem que a reportagem repassasse a numeração do mesmo devido ao grande número de ações em andamento. ;Alguns trâmites internos ; sob a responsabilidade da Secretaria de Saúde do Distrito Federal ; necessitam ser realizados para a liberação da carga do aeroporto;, completou Corrêa. Por nota, a Secretaria de Saúde informa que: ;a compra dos medicamentos Fator 8 e Fator 9 recombinante está em fase final e aguarda parecer técnico da Procuradoria do DF. Como se tratam de medicamentos não padronizados, a compra é feita mediante solicitação;.
Há oito anos, a servidora pública Roberta Lucena, 39 anos, convive com o drama de, a cada mês, torcer para que Hospital de Apoio tenha o medicamento para o tratamento do seu filho. Matheus, 8, faz a prevenção da doença e, três vezes por semana, recebe o medicamento, que é injetado pela própria mãe. Mensalmente, o garoto precisa de pelo menos 12 mil unidades, o que atinge um custo de cerca de R$ 15 mil. De acordo com a Constituição Federal, o produto só pode ser fornecido pelo Estado. ;Mesmo que eu fosse podre de rica, não poderia comprá-lo;, lamenta Roberta. A cada aplicação, se vão 750 unidades. Caso Matheus se machuque, situação natural para uma criança de 8 anos, o menino precisa de doses extras e o estoque de casa pode não durar até o fim do mês. ;O tratamento dá uma vida normal ao meu filho, mas sem ele, eu vivo uma loteria. Você não pode ficar sem nenhuma dose, porque se ele tiver um sangramento na cabeça, pode morrer;, desabafa a moradora do Gama. ;A situação é como se vivêssemos petrificados. Me sinto impotente e ao mesmo tempo vivo com uma aflição sem fim;, desabafa.
1 - Diminuição de danos
A garantia foi estabelecida pela Lei n; 3.801,de 2006, que dispõe ainda sobre a instalação de alas na rede hospitalar pública do Distrito Federal e a garantia de atendimento adequado aos portadores de coagulatórias congênitas. Além disso, a norma determina que sejam desenvolvidas ações para minimizar os danos e as incapacidades às pessoas portadoras de hemofilia. O artigo sexto obriga o orçamento anual do Distrito Federal a garantir os recursos financeiros necessários ao fiel cumprimento da lei.