postado em 10/07/2010 08:42
Foi num algodoal que o amor floriu. Sebastiana Francisca dos Santos tirava cuidadosamente o algodão do caroço quando conheceu Sebastião Cândido da Silva. Ele era o administrador da fazenda em Santa Anastácia, São Paulo. O homem de 1,72m, cabelos e olhos claros, queixo quadrado e nariz adunco se encantou pela mocinha recém-chegada de Caruaru, Pernambuco. ;Ele me viu e já ficou meio balançado;, conta Sebastiana, 56 anos depois de ter conhecido o primeiro e único homem de sua vida. Amor que começou em vaivém, que teve movimentos dramáticos, fugas, reencontros, despedidas. Que só se realizou plenamente no canteiro de obras de Brasília e que se estende até hoje, dois anos depois da morte de Sebastião.No início da década de 1950, a família de Sebastiana deixou Caruaru e desceu para São Paulo. Encontraram trabalho num algodoal. Não demorou nada e o administrador da fazenda, homem casado, passou a ir com muita frequência à colheita para ajudar a moça bonita a retirar o algodão do caroço. Se não aparecia na plantação, Sebastião inventava uma desculpa para ir à casa dela. Logo estavam trocando beijinhos escondidos ou tocando a mão um do outro como se fosse um contato acidental. ;Só namoro, não tinha outras coisas não, graças a Deus;, conta a recatada Sebastiana na cozinha de sua casa na QNN 7, em Ceilândia. Mas o amor é indiscreto e imprudente. Não demorou muito para que todos ficassem sabendo do namoro clandestino do administrador com a lavradora.
Ela ainda tentou evitar o amor. ;Falei que não queria nada com ele, mas ele dizia que me queria, que não gostava da esposa, mas não acreditei nele. Homem diz isso sempre, né?; Sebastiana tomou suas providências, arrumou um namorado na colheita, o que só aguçou a paixão do administrador. Ele acabou brigando com o subordinado. Vendo que aquela história estava ficando sem controle, a mãe de Sebastiana decidiu que a família voltaria para Caruaru. Havia mais um motivo para fazer a viagem de volta: o que se ganhava na colheita era muito pouco para tanto sacrifício. ;Só dava para comer e vestir e a gente sofria muito, fazia muito frio, a gente acordava muito cedo e trabalhava até a noite;, conta a brava candanga.
Pé na estrada
Três anos depois de muito sofrimento na colheita de algodão e de um namoro clandestino e instável, Sebastiana voltou para Pernambuco com a família. Sebastião até tentou impedir que sua amada fosse embora, mas não tinha nada a oferecer a ela. Mesmo assim, levou-a à rodoviária e prometeu que brevemente iria a seu encontro. ;Não acreditei de jeito nenhum e fui viver minha vidinha.; Pouco tempo depois, ela recebeu uma carta de Sebastião dizendo que não conseguia viver sem ela e avisando que iria buscá-la, mas a incrédula não se deixou convencer. Passados três meses da despedida em São Paulo, um táxi parou na porta da casa da vizinha, em Caruaru. Nele estava um homem apaixonado e disposto a levar sua amada para bem longe, porque sabia que a família dela não aceitaria um romance com um homem casado.
Sebastião teve sorte. Chegou no dia em que uma cunhada de Sebastiana tinha dado à luz e toda a família estava envolvida com o nascimento da criança. ;Quando ele chegou, falei que não ia, mas uma vizinha me aconselhou: ;Vai-te embora, boba!’. Peguei minha mala e fui.; Havia um agravante na fuga dos apaixonados do algodoal: para deixar São Paulo, o baiano Sebastião deu a desculpa de que iria à Bahia pagar uma promessa e levou com ele a filha mais velha, Neusa, então com 6 ou 7 anos. Iria recomeçar a vida com a mulher amada e com a menina sequestrada.
Foram para Ceres, Goiás, em busca de uma fazenda onde pudessem trabalhar. Começaram na colheita do café e depois desceram para uma outra fazenda, em Formoso, até que souberam que, não muito longe dali, a nova capital do Brasil estava começando a ser construída. Não demorou e Sebastiana engravidou da primeira filha, Ivonete. Em1957, Sebastião deixou a nova mulher, a filha e a enteada em Anápolis e veio ser bravo candango em Brasília, trabalhar de tratorista, abrindo estradas que dariam acesso à nova capital.
Reviravolta
Um novo movimento brusco alterou o destino do casal. Sebastião soube, possivelmente ouvindo o noticiário das emissoras de rádio, que a mulher com quem era casado estava procurando a filha. Homem de temperamento reservado, não explicou para Sebastiana o que estava acontecendo. Apenas chegou em casa e disse que iria ali e já voltava. Pegou Neusa e saiu ; chorando. Sebastiana, que tinha ouvido no rádio a notícia de um pai que havia fugido com a filha, desconfiou que Sebastião havia ido embora. ;Corri com uma amiga na rodoviária e quando cheguei lá ele já tinha embarcado.;
Veio uma dor descomunal. ;Se eu tivesse entrado debaixo do chão teria sido melhor;, conta Sebastiana. Mas ela não podia se desfazer em sofrimento, tinha uma filha para criar e nem passava pela sua cabeça a ideia de voltar para Pernambuco. E a vergonha de chegar em casa sem marido e com uma filha? ;Iam dizer que eu havia me perdido.; A vida, então, ficou muito difícil. Quando a dona da pensão onde ela havia ficado, em Anápolis, decidiu vir tentar a vida na nova capital, Sebastiana e a filha vieram com elas. Foi um período de muito trabalho. Quando não estava fazendo serviço doméstico na pensão, lavava roupa nos córregos. ;Achei que ele não voltaria nunca mais.;
Um ano depois, Sebastião reapareceu, mais uma vez e para sempre. Arrependido, chegou dizendo que não sabia viver sem Sebastiana. O que ela não ficou sabendo é que ele havia deixado a mulher grávida em São Paulo. Com a nova mulher, teve oito filhos, todos brasilienses. Moraram na Cidade Livre, depois numa chácara do Incra e finalmente, em Ceilândia, onde Sebastião morreu em 2007, aos 84 anos. Dona Sebastiana passou a vida inteira com medo de que o amado fosse embora novamente. Mas ele repetia que ficaria com ela para sempre.
Novos encontros
O casal nunca revelou aos filhos as aventuras vividas. ;A gente achava que eles eram casados;, conta Sandra, uma das filhas. Só 30 anos depois, quando um dos filhos, Wanderlei, levou a mãe para rever os parentes em Pernambuco, é que eles ficaram sabendo de um pedaço da história. O restante foi contado depois da morte de Sebastião, quando um funcionário do Tribunal Regional Eleitoral fez contato com a família à procura dele. Descobriu-se, então, que era a primeira família do pai à sua procura. A primeira esposa já havia falecido.
Desde então, os filhos de Sebastião, os da primeira e os da segunda família, começam a se conhecer, em contatos telefônicos, até que em 2008 anos, três dos filhos candangos foram a São Paulo encontrar os irmãos paulistas. O encontro se repetiu em 2009. Hoje, três carros saem de Brasília, levando os oito filhos de Sebastião e Sebastiana para reencontrar os quatro irmãos paulistas mais uma vez. (Vão 16 pessoas ao todo, contando noras, genros e crianças). ;É uma festa, parece que a gente se conhece há muito tempo.; No primeiro encontro, houve queima de fogos na chácara de um deles, em Tupã, onde se encontraram. Dona Sebastiana não vai, até hoje se sente envergonhada, no seu recato de mulher antiga. Mas diz que tudo o que tem hoje são seus filhos. E que filhos, dona Sebastiana, que filhos.
"Quando ele chegou, falei que não ia, mas uma vizinha me aconselhou: ;Vai-te embora, boba!’ Peguei minha mala e fui"
Sebastiana Francisca da Silva, lembrando o dia em que fugiu para viver com Sebastião
Sebastiana Francisca da Silva, lembrando o dia em que fugiu para viver com Sebastião