Cidades

Renda alta faz Brasília bater recordes de consumo

Dona da maior renda per capita do país, a cidade se transformou em um verdadeiro paraíso para as grandes redes de lojas. As unidades instaladas por aqui costumam ter desempenho acima da média

postado em 11/07/2010 09:29
Executivos das principais redes de varejo do país têm na ponta na língua os motivos que os levam a apostar em Brasília: maior renda per capita do país, altos salários e a tal estabilidade do funcionalismo público, clientes exigentes, sofisticados, viajados e carentes de novidades. Amparada nesses pilares, a terra prometida vislumbrada por Dom Bosco quase 130 anos atrás se consolidou na última década como destino certo para grandes marcas. Filiais instaladas na capital do país não cansam de surpreender as matrizes. Quando não são as unidades que mais faturam, registram crescimento acima da média.

Por questão de estratégia, a maioria das empresas não divulga os desempenhos regionais. O Correio, no entanto, conseguiu informações privilegiadas que comprovam o potencial econômico de um dos mercados emergentes mais visados do país. Especialistas ouvidos pela reportagem encaram os bons resultados com uma certa precaução (veja Palavra de especialistas). Na avaliação deles, o cenário atual do consumo na cidade nada mais é do que um reflexo da euforia provocada pelo boom do serviço público nos últimos anos. ;Eu não apostaria tanto;, diz Alexandre Ayres, professor de marketing e varejo da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Exemplos de sucesso, por enquanto, não faltam. As unidades de Brasília viram case dos grupos com uma facilidade surpreendente. Às margens da Estrada Parque Indústria e Abastecimento (Epia), próximo ao ParkShopping, a concessionária Saga é a que mais vende carros da Volkswagen em todo o país ; informação divulgada pela loja e confirmada pelo escritório da marca no Brasil. ;O mercado de automóveis é muito associado a financiamento. Em Brasília, terra de servidores públicos, percebemos que os clientes têm mais facilidade para ter o cadastro aprovado pelos bancos;, avalia André Fabiani, gerente de marketing do grupo.

Em 2003, três anos após a inauguração, o hipermercado Extra localizado no fim da Asa Norte alcançou o topo do ranking de faturamento da rede, que tem 105 unidades espalhadas pelo país, seis no DF. Desde então, mesmo com a chegada do Carrefour, do Walmart e do Atacadão nas proximidades, a loja sustenta a liderança, segundo o diretor do Grupo Pão de Açúcar no Centro-Oeste, Onofre Silva. ;A localização privilegiada ajuda. Mas o tíquete médio (valor gasto por compra feita) em Brasília é bem maior do que o da média nacional. O potencial da cidade é incrível;, comenta. ;Acreditamos tanto no poder do consumo na cidade que ela foi a escolhida para sediar nossa primeira loja ecoeficiente do Centro-Oeste;, acrescenta o diretor do Walmart na região, Fabiano Mussi.

A Fnac de Brasília, no ParkShopping, aberta em 2004, é a terceira que mais vende entre as nove unidades no país. Quando o grupo francês decidiu se instalar no Brasil, na década de 1990, São Paulo e a capital federal foram as duas primeiras cidades a aparecer no projeto. ;A inauguração demorou um pouco porque queríamos uma área grande para instalar a loja. Hoje sabemos que a decisão pela cidade foi acertada;, comenta Fernando Santana, responsável pela comunicação corporativa da empresa. A loja do Park Shopping e a do Barra Shopping, no Rio de Janeiro, são as que mais faturam com produtos de alta tecnologia. As televisões e os computadores mais caros são campeões de venda nessas duas unidades.

Surpresa
O tíquete médio da Livraria Cultura do Casa Park é o maior das 11 unidades espalhadas pelo Brasil. A loja, aberta em 2005 no shopping que não tem como característica um grande fluxo de pessoas, surpreendeu os executivos da empresa. Hoje, o crescimento de 16% ao ano supera a média nacional do grupo, que investiu R$ 5 milhões na segunda loja, inaugurada há três meses no Shopping Iguatemi. Fora do estado de São Paulo, Brasília é a primeira região a receber uma segunda unidade. ;A cidade nos surpreende. Percebemos um público ávido por conhecimento e leitura. E os livros técnicos, voltados para concurso, administração e direito, se destacam;, diz o diretor comercial da Livraria Cultura, Fabio Herz.

A Tok abriu a primeira loja em Brasília em 2000, no Casa Park. Hoje, a unidade tem a segunda melhor venda por metro quadrado do grupo. Em faturamento, Brasília é a terceira melhor praça. ;Desde a abertura, o resultado é muito bom;, afirma o diretor de novos negócios da empresa, Paul Edouard Dubrule. Com exceção de Rio e São Paulo, a capital do país é a que mais tem metros quadrados construídos: são 7 mil, contando com a segunda loja, que começou a funcionar em maio no Iguatemi. ;Esperamos crescer 50% em Brasília com mais essa unidade. E ainda percebemos que há mais espaço para expansão;, reforça Dubrule.

A grife francesa Louis Vuitton desembarcou em Brasília há cinco meses, no Iguatemi. Logo surgiram boatos entre empresários do mercado de luxo de que as vendas na loja já a colocavam em posição de destaque internacionalmente. O diretor-geral da marca, Marc Sjostedt, não confirma a informação, mas afirma que a unidade já é uma das primeiras do Brasil, onde há outras cinco lojas, todas no eixo Rio-São Paulo. ;O resultado está acima do que esperávamos. O perfil sofisticado e cosmopolita dos moradores da capital federal possui grande afinidade com a marca;, comenta Sjostedt.

A Rimowa, loja de malas sofisticadas, também abriu as portas com o Iguatemi. O presidente da empresa no Brasil, André Von Ah, conta que as vendas no primeiro mês superaram em 20% a expectativa do grupo, que tem outras quatro unidades em terras brasileiras. ;Brasília é uma cidade peculiar: encontramos poucos, mas bons clientes. O tíquete médio é o segundo maior do grupo. Fica atrás apenas de uma loja em São Paulo;, conta Von Ah. O preço das malas da Rimowa varia entre R$ 1,8 mil e R$ 6 mil.

Na área da gastronomia, a churrascaria Fogo de Chão comemora os bons resultados em Brasília, desde a inauguração em 2007. A loja no Setor Hoteleiro Sul é a que apresenta o maior crescimento da rede. Enquanto o faturamento na capital do país avança em média 25% ao ano, nas unidades de São Paulo, Salvador e Belo Horizonte esse percentual não passa de 12%. ;A loja é nova e vive um momento interessante. As refeições de negócio e o movimento provocado por grandes convenções e encontros políticos aquecem as vendas;, comenta o diretor operacional da rede, Jandir Dalberto.

Negócios
Empresários, diplomatas, políticos e lobistas movimentam os restaurantes de Brasília durante a semana, quando o faturamento é maior que aos sábados e domingos. Reportagem publicada pelo Correio em maio mostrou que não é raro a conta de uma mesa com duas pessoas chegar a R$ 12 mil.

Luxo
O Iguatemi abriu as portas em março deste ano, quase dois anos e meio após o lançamento. O centro comercial se transformou em referência para o mercado de luxo. Localizado no início do Lago Norte, tem dois andares e 160 lojas. A previsão é faturar R$ 250 milhões somente no primeiro ano de funcionamento.

Números da ;terra prometida;
; A concessionária Saga perto do Park Shopping é a que mais vende carros Volkswagen em todo o Brasil
; Brasília e São Paulo foram as duas cidades eleitas pela Fnac para servirem de referência no Brasil. Hoje a loja do Park Shopping é, com a do Barra Shopping, no Rio, a que mais vende produtos de alta tecnologia
; Na Livraria Cultura, o tíquete médio (valor gasto por compra feita) da loja do Casa Park é o maior do país. Brasília é a única cidade fora de São Paulo a receber a segunda unidade
; O Extra do fim da Asa Norte é há sete anos a loja do grupo que mais vende no país
; O Fogo de Chão em Brasília cresce 25% ao ano, mais que o dobro do registrado nas outras unidades
; A Tok do Casa Park é a segunda loja do grupo em vendas por metro quadrado



Palavra de especialista
Crescimento acelerado

;Quando comparada a outras regiões do país, Brasília tem apresentado um crescimento mais acelerado, o que chama a atenção do comércio varejista. Os números têm de ser comemorados. Por outro lado, há uma armadilha. Há o risco de estarmos montando uma estrutura varejista que cresce de maneira extremamente veloz, mas que pode vir a minguar, porque vai depender da política salarial do governo. Existem indícios de uma euforia irracional. Eu não apostaria tanto. A atividade varejista movimenta dinheiro, mas não gera dinheiro. Deveríamos aproveitar esse momento interessante da economia local para pensar em estruturas mais sustentáveis, como a implantação da Cidade Digital e o desenvolvimento de áreas do Entorno;.

Alexandre Ayres, professor de marketing e varejo da Fundação Getulio Vargas (FGV) em Brasília e diretor da Neocom, consultoria especializada em varejo


Palavra de especialista
Reflexo do poder aquisitivo
;O bom resultado das grandes empresas em Brasília nada mais é do que o reflexo do fato de a cidade ter a maior renda per capita do país. O alto poder aquisitivo da população acaba fazendo com que esses recordes aconteçam. Além disso, o fenômeno de consumo de Brasília está muito atrelado ao setor público, que passou a pagar melhor e aumentou o número de vagas oferecidas nos últimos anos. Quando a gente tem acesso a dados como esses, isso nos causa espanto, mas, de certa forma, é algo esperado. Esses números se devem em grande parte ao funcionalismo público, que possibilita um rendimento médio mais alto que o do setor privado e uma estabilidade, o que favorece o consumo;.

Tiago Oliveira, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) em Brasília

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