Cidades

Agressão contra jovem faz ressurgir a questão: internar ou educar?

O espancamento de um estudante de 15 anos do Caseb e a posterior internação provisória de quatro dos acusados levantam a questão, que divide até mesmo familiares dos supostos agressores

postado em 15/07/2010 07:00
Reprimir com a privação da liberdade ou educar no ambiente familiar? Após a Vara da Infância e da Juventude (VIJ) decretar a internação provisória dos seis adolescentes acusados de espancar um aluno de 15 anos do Caseb, em 1; de julho último, na 710 Sul, surgiram dúvidas sobre a aplicação da medida. Para uma ala de especialistas, passar 45 dias em uma instituição degradada (1) como o Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje) não ajuda na ressocialização dos menores, partindo do princípio que eles nunca se envolveram em confusão antes. Já o grupo que defende a punição aplicada pelo juiz alega que o corretivo contribui para que os suspeitos reflitam sobre o ato praticado e mudem de postura. O assunto divide até mesmo os pais.

Na tarde de ontem, o Correio conversou com os parentes de quatro dos seis acusados na VIJ. Eles participaram de uma audiência de apresentação com o juiz da Vara. As mães de dois deles consideraram a agressão grave e concordam que os filhos devem pagar pelo erro, desde que hajam provas irrefutáveis da participação deles no episódio de violência. ;Meu filho diz que só assistiu aos colegas batendo. Eu acredito no que ele está me dizendo. Agora, se a polícia me convencer de que ele espancou esse aluno, vou ficar muito triste, mas terei que me conformar em vê-lo atrás das grades;, disse a mãe de um adolescente de 14 anos, que mora no Riacho Fundo.

O tio de outro menor suspeito de envolvimento na pancadaria compartilha da mesma opinião. Para ele, a dor de Ana Lúcia das Chagas Lessa, 41 anos, mãe do garoto internado, é muito maior. ;Nós estamos sem chão e sentindo muito por um parente ter que ficar no Caje, mas tenho certeza de que a mãe desse rapaz está sofrendo muito mais. Não é fácil assimilar duas cirurgias no filho. A família toda acha que, se meu sobrinho participou da agressão, deve pagar por isso;, desabafou.

Já o pai de um adolescente de 15 anos atribuiu a rápida decisão da Justiça ao ;sensacionalismo promovido pela imprensa;. ;A Justiça no nosso país é sempre lenta. Engraçado é que em casos muito mais graves, o juiz, além demorar para tomar uma decisão, ainda não aplica punição nenhuma. Agora, neste caso, por conta do sensacionalismo da imprensa, ele decidiu mostrar serviço. Esses meninos agiram errado, sim, mas não devem ser jogados no Caje como se fossem membros de gangues , ladrões e assassinos;, reclamou.

Estado incapaz
Para a socióloga Miriam Abramovae, autora de livros e de projetos voltados para a promoção da cultura de paz entre os jovens, o estado mostrou-se incapaz de dar uma outra resposta a não ser a repressiva. ;O fato é que hoje não vivemos numa sociedade educadora. A tendência é quase sempre marginalizar a juventude. Estão colocando esses meninos com outros que cometeram atos infracionais graves. O que eles fizeram foi bárbaro, mas um diálogo entre família (2), escola e sociedade surtiria muito mais efeito do ponto da ressocialização;, argumentou Abramovay.

O promotor de infância Renato Varalda discorda. Para ele, o juiz da VIJ acertou ao acatar o pedido de internação provisória movido pelo Ministério Público. ;O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) não pode ser interpretado pela sociedade como uma lei que abraça a impunidade. A internação provisória e as medidas socioeducativas aplicadas têm dois aspectos: o pedagógico e o da repressão. A intenção com a aplicação de medida assim é que o jovem reflita com relação ao seu comportamento, o que vale também para os pais, que têm o dever de acompanhar o que os filhos estão fazendo;, ressaltou Varalda.

O especialista em segurança pública e professor da Universidade de Brasília (UnB) Antônio Testa é cauteloso ao falar sobre o assunto. De acordo com ele, a internação provisória pode ter um efeito positivo no sentido de alertar outros jovens, mas acha que dificilmente uma punição dessa natureza vai mudar o comportamento agressivo dos jovens. ;Não creio que 45 dias vão deixá-los mais ou menos violentos, mas percebemos que a Justiça começa a ser mais eficiente e não podemos deixar de considerar esse fator um avanço para a sociedade;, ponderou Testa.

1 - Programa socioeducativo
O GDF tem menos de 30 dias para criar um programa socioeducativo de internação cautelar com projeto pedagógico no Caje. A determinação foi assinada pelo juiz titular da 1; Vara da Infância e da Juventude, Renato Rodovalho Scussel, atendendo a um pedido do Ministério Público. O DF deverá fornecer aos adolescentes escolarização, profissionalização, atividades de esporte, cultura e lazer, banho de sol e alojamentos em condições adequadas de higiene e salubridade, sob pena de aplicação de multa diária no valor de R$ 5 mil.

2 - Punição aos pais
O artigo 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) também prevê punição aos familiares que ;descumprirem, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao pátrio poder ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar;. A pena é multa de três a vinte salários, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.

Jovem relembra a agressão

O aluno do Caseb alvo da fúria de seis estudantes da mesma escola permanece internado no Hospital de Base do DF. Após passar por duas cirurgias para a retirada de coágulos no cérebro, ele ainda sente dores. Por telefone, o adolescente relembrou como tudo ocorreu. ;Eles me bateram muito. Estava na parada e um deles falou: ;aqui não tem diretor;. Como estava acuado, tentei reagir, mas levei uma paulada na cabeça. Ainda tentei ajudar meu primo, que também apanhava. Consegui tirar três de cima dele, mas aí eles voltaram a me bater;, relatou.

A confusão que quase culminou com a morte dele começou depois que dois dos agressores insultaram sua prima ainda dentro do Caseb. Ele e o seu primo, também de 15 anos, foram ameaçados pela dupla ao defenderem a menina. Ao chegarem ao ponto de ônibus da 710 Sul, a cerca de 300 metros do colégio, os dois desafetos apareceram acompanhados de mais quatro companheiros. Armados com paus e pedras, iniciaram o linchamento. O primo do rapaz internado sofreu apenas um corte na cabeça. Já a menina de 12 anos, pivô da briga, assistiu, desesperada, às cenas de selvageria.

O adolescente comemorou ao saber que seus algozes estão no Caje. ;Sempre soube que eles tinham fama de brigões. Todo dia estavam na direção (da escola). Achei bom eles terem ido para a cadeia. Têm que pagar pelo que fizeram;, comentou o rapaz.

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