Cidades

Depoimentos de médicos envolvidos em lipoaspiração fazem surgir novas suspeitas da morte

Polícia pede novos exames na tentativa de esclarecer as circunstâncias da morte da tesoureira que perdeu a vida durante um procedimento estético

Naira Trindade
postado em 16/07/2010 08:16
Novos exames solicitados pela Polícia Civil ao Instituto de Medicina Legal (IML) vão apontar detalhes que podem elucidar as circunstâncias da morte da tesoureira Marinalda Araújo Neves Ribeiro, 46 anos, que ocorreu durante uma cirurgia plástica realizada em uma clínica na Asa Norte, há uma semana. A polícia quer saber a quantidade de medicamentos injetada no organismo da moradora do Park Way antes e depois do início do procedimento cirúrgico. As novas suspeitas surgiram durante os depoimentos dos médicos envolvidos. Ontem, o cirurgião Pedro Cárdenas, dois anestesiologistas e um dos donos da clínica prestaram esclarecimentos na 5; Delegacia de Polícia (área central de Brasília). Uma terceira pessoa citada nas declarações será intimada e ouvida pelos investigadores.

Os médicos relataram ao delegado Laércio Rosseto, responsável pelo inquérito, os procedimentos tomados antes, durante e depois da morte de Marinalda Araújo. A tesoureira chegou ao Edifício das Clínicas, na Asa Norte, às 8h, preparada para passar por uma lipoaspiração nos culotes e no abdômen, para a retirada de excesso de pele e para a implantação de próteses nos seios, além de um procedimento de reparação das pálpebras. Segundo a polícia, em seguida, ela teria entrado na sala de cirurgia e recebido uma anestesia geral. As investigações apontam que havia uma terceira anestesiologista ou técnica em enfermagem na sala. A mulher não foi citada nos depoimentos informais tomados na sexta-feira passada. ;Uma terceira pessoa ainda precisa ser intimada para ser ouvida. Mas pretendemos acabar com os esclarecimentos esta semana;, adianta o delegado.

O procedimento de corte da pele das costas teriam começado por volta das 9h. Apesar de não possuir uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) na clínica, a sala tinha todos os equipamentos básicos para monitorar a paciente e prestar socorro em caso de emergência. Somente uma hora depois de iniciado o procedimento estético, os batimentos de Marinalda começaram a desacelerar. A paciente ainda estava deitada de bruços. Assim que percebem a alteração no ritmo cardíaco, os médicos a viraram e começaram o trabalho de reanimação, que durou cerca de uma hora e meia. A perícia do IML encontrou mais de 20 frascos de adrenalina e bicarbonato de sódio no lixo da sala de cirurgia. Eles teriam sido injetados em Marinalda na tentativa de reanimá-la.

Histórico profissional
Rosseto oficializou alguns pedidos ao Conselho Regional de Medicina (CRM) e ao Instituto de Medicina Legal para obter informações sobre o registro, currículo profissional e histórico de cirurgias anteriores de todos os envolvidos na cirurgia. No IML, Rosseto solicitou exames detalhados sobre a quantidade de gordura na corrente sanguínea da mulher e sobre a quantidade de anestesia no organismo da vítima. Uma das possibilidade é que tenha ocorrido um choque anafilático(1). ;Os exames serão comparados com o laudo de histopatologia (das víceras). A perfuração por meio de cânulas está descartada, mas essa não é a única maneira de se apontar um erro. Não podemos esquecer que se trata de uma pessoa saudável, que entrou bem numa sala de cirurgia e saiu morta;, pontua o delegado.

A polícia solicitou também à Divisão de Vigilância Sanitária (Divisa) informações sobre a Clínica Magna, na Asa Norte, e os registros de regularização de funcionamento. ;Não compete a Polícia fazer essas investigações. Solicitamos aos órgãos e aguardamos para adicionar no inquérito.; Os laudos definitivos com a conclusão da morte de Marinalda estão perto de ser finalizados. A previsão é que o exame fique pronto na próxima semana. Um dos dois proprietários da clínica, o anestesiologista Geraldo Guttemberg Junior, preferiu não comentar sobre o assunto até a divulgação do laudo do IML.

1 - Reação alérgica
O choque anafilático é uma reação alérgica aguda que ocorre quando um indivíduo entra em contato com algum agente, como medicamentos, venenos de insetos, determinados alimentos e injeções de imunoterapia alergênica. A anafilaxia ou choque anafilático é fatal a menos que o indivíduo receba o tratamento de emergência imediatamente produzindo convulsões, perda do controle vesical, inconsciência ou acidente vascular cerebral em 1 a 2 minutos. O tratamento inicial para a anafilaxia é uma injeção de adrenalina que pode estar sempre com a pessoa que conhece a gravidade da sua alergia.

Depoimento
Corpo perfeito

;Pensei que ela tivesse desistido de fazer a plástica. Marinalda me ligou no início da manhã de sexta-feira para avisar que faria uma cirurgia pequena nos seios e pediu uma oração, mas não falou do restante. Só quem sabia de tudo eram os filhos, o marido e algumas outras pessoas próximas. Foi um choque saber de tudo depois. Sempre falei que ela estava ótima, tinha o corpo perfeito. Não precisava mudar nada. Quanto ao histórico da clínica, está tudo certo. Para mim, foi mesmo uma fatalidade, coisa de Deus.;

Aguinaldo Araújo Neves, 49 anos, contador, irmão mais velho de Marinalda


Cronologia

8h30
Marinalda Araújo Neves Ribeiro chega ao Edifício das Clínicas, na Asa Norte, para uma lipoaspiração nos culotes e no abdômen, retirada de excesso de pele e implantação de próteses nos seios, e reparação nas pálpebras. Em seguida, ela recebe uma anestesia geral.

9h
Começa o procedimento cirúrgico. Segundo a polícia, um cirurgião plástico, dois anestesistas e um instrumentista cirúrgico conduzem a intervenção. Na sala, ainda segundo os investigadores, há os equipamentos básicos para monitorar pacientes e prestar socorro em caso de emergência. Não existe na clínica, no entanto, uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

10h10
O procedimento de lipoaspiração corre bem, de acordo com o relato dos médicos, até que os batimentos cardíacos de Marinalda sofrem uma desacelaração. A paciente está deitada de bruços. Assim que percebem a alteração no ritmo cardíaco, os médicos dão início ao trabalho de reanimação, que dura uma hora e meia.

11h40
A equipe constata a morte da paciente. Um dos proprietários da clínica, Geraldo Guttemberg Junior, é avisado do problema e vai até a 5; Delegacia de Polícia (área central de Brasília) para informar o ocorrido.

12h
Peritos do Instituto de Criminalística (IC) e do Instituto de Medicina Legal (ML) da Polícia Civil do DF passam a tarde na clínica. Analisam o corpo da vítima, checam os equipamentos da sala de cirurgia e verificam os exames e o prontuário de Marinalda.

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