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Lar dos Velhinhos Maria Madalena abriga uma bela história de amor

postado em 16/07/2010 08:11
A caminho dos 70 anos, eles se conheceram, apaixonaram-se e, em pouco tempo, resolveram oficializar a relação. O detalhe é que o casamento ocorreu no Lar dos Velhinhos Maria Madalena, onde tanto ele quanto ela residem há algum tempo e um dia se deram conta um da existência do outroOs dias passam devagar para Glória Nere Cruz, 66 anos, e Jorge da Silva Lara, 65, desde 17 de abril deste ano. Nessa data, os dois se casaram. Ela, de vestido branco, véu, bem-maquiada e penteada, carregava nas mãos um buquê de rosas salmão naturais. Ele, de terno engomado, gravata e sapatos novos, mal podia acreditar na beleza da noiva. A cerimônia teve ares de realeza. Tapete vermelho, comida e bebida da melhor qualidade com fartura. A celebração foi onde o casal mora e se conheceu: no Lar dos Velhinhos Maria Madalena, no Núcleo Bandeirante.

Desde então, não é raro ver o pescoço e o rosto de Jorge carimbados de batom vermelho, marcas de um amor ardente, recém-descoberto. Glória é vaidosa, adora se produzir. Contorna os lábios com a maquiagem cor de paixão, cobre as unhas longas, redondas e benfeitas com o mesmo tom, realça os olhos verdes e pequenos com sombra clara e penteia com cuidado os fios de cabelo loiros e brancos. Usa colares chamativos, brincos, pulseira de coração brilhante. Tudo para ser a única dona dos olhares do marido.

Jorge é só carinhos com a companheira. Beija a esposa com jeito de adolescente. Os olhos dele parecem mais claros quando encontram Glória. Em retribuição, ela beija os cabelos dele. ;Como é cheiroso!”, elogia. Glória é auxiliar de enfermagem aposentada, nasceu no Rio de Janeiro. Jorge é goiano e trabalhava como caminhoneiro.

Antes da união, ele morava na ala masculina do Lar dos Velhinhos e Glória, na feminina. Hoje, os dois dividem uma casa separada dos outros habitantes da entidade. Afinal, um casal precisa de privacidade e há outros 130 moradores na casa principal ; o mais vivido tem 107 anos. São dois cômodos: quarto e banheiro. No primeiro, uma cama de casal ocupa todo o espaço. Em cima do colchão coberto com lençol branco e esticado repousa uma boneca. Há também uma televisão grande e um sofá no dormitório. Ali, Glória e Jorge criaram o ;cantinho do amor.; Assistem a filmes, conversam. Ela dá banho nele, passa creme para hidratar sua pele e penteia seus cabelos. Também lava as roupas do amado, passa-as e guarda-as com todo cuidado no armário.

Glória vive na instituição há 18 anos. Jorge chegou há 12 meses, depois de sofrer dois acidentes vasculares cerebrais (AVCs). Nos primeiros dias, ele começou a cortejar com olhares a senhora vistosa e bem-humorada que via passear no jardim sempre sorrindo. Glória adora flores. Tem o hábito de usá-las até no chapéu. Também gosta muito de misturar várias cores. O colorido dela chamou a atenção de Jorge. ;Tudo nela é lindo;, derrete-se o apaixonado. Ela também reparou nele, um senhor de cabelos grisalhos e sorriso largo: ;Achei ele tão bonito;. E o jeitinho dele me conquistou. É tão carinhoso, bem-humorado.;

O pedido
Certo dia, uma moça desconhecida pelos moradores do local foi visitar o Lar dos Velhinhos. Queria apenas conhecer a realidade daquele lugar. Ela começou a conversar com Jorge e ele abriu o coração. Queria se casar com Glória, mas não sabia como dizer isso a ela. Pediu conselhos à estranha. A tal mulher procurou Glória e contou o segredo de Jorge a ela. ;Fiquei muito feliz quando ela me disse: ;Ele quer se casar com você;. No mesmo dia, fui até onde o Jorge estava e perguntei se era verdade esse papo de casar. Ele disse que sim. Aí eu respondi: ;É pra já. Não temos tempo a perder;;, lembrou Glória.

Os dois começaram a namorar, na semana seguinte noivaram e um mês depois já estavam casados. ;Comigo não tem chove e não molha;, disse a noiva. Durante 30 dias, ela planejou o casamento. Parecia uma moça inexperiente. Mas não era. Jorge é o sétimo marido de Glória. ;Dessa vez vai ser para sempre;, assegurou a recém-casada.

Os funcionários do Lar dos Velhinhos Maria Madalena se empolgaram com a ideia de fazer o primeiro matrimônio na instituição. Ana Paula Soares, uma das coordenadoras do local e também designer de moda, fez o vestido de noiva. ;Era lindo demais, estilo roupa de grego, sabe? Eu era a noiva mais linda do mundo;, orgulhou-se Glória, sem falsa modéstia.

Jorge concorda com a mulher: ;Nunca vi uma noiva tão linda;. As alianças ficaram por conta de uma das diretoras, Michele. Outros empregados e administradores do local deram salgadinhos e refrigerantes. Providenciaram até um espumante sem álcool para o brinde dos noivos. A antiga colega de quarto de Glória entrou como dama de honra. Um dos psicólogos, que também é pianista, tocou a marcha nupcial. O Sol já de despedia quando Glória deu os primeiros passos no tapete vermelho, com coroa de princesa, flores nas mãos e pose de rainha. ;Foi a maior emoção da minha vida;, lembrou.

Depois de dançar e comer muitos doces, o casal seguiu para a lua de mel. Eles ganharam de presente o direito a passar três noites na melhor suíte do Instituto Gerontológico de Brasília (IGB), que fica no mesmo terreno do Lar dos Velhinhos. As duas instituições e uma creche compõem o Parque Assistencial Jorge Cauhy Júnior, que ocupa um grande terreno no Núcleo Bandeirante. ;Foram três noites inesquecíveis. Fomos muito bem-tratados, não faltou nada;, afirmou Glória. ;Eles não podiam ir para longe sozinhos porque precisam de cuidados e medicação o tempo todo. Então providenciamos esse momento especial aqui mesmo;, explicou a coordenadora pedagógica e de integração e lazer do Lar dos Velhinhos Maria Madalena, Adriana Helena Diniz.

Antídoto
Quando chegou ao Lar dos Velhinhos, Jorge não conseguia andar. Os dois derrames que ele teve deixaram sequelas. Tempos depois de iniciar o namoro, ele começou a se locomover com a ajuda de um andador. Antes do casamento, já estava caminhando. Glória passou a se maquiar com esmero e a usar roupas cada vez mais elegantes. Foi aí que todos perceberam o envolvimento dos dois. ;O amor rejuvenesce. A melhora do Jorge foi impressionante. Existe uma diferença muito grande entre idosos e velhos. Os idosos, muitas vezes, são jovens. A vida só acaba quando a gente quer;, afirmou Maria Edilene Cardozo, técnica em enfermagem do Lar dos Velhinhos.

Por conta dos problemas de saúde, a fala de Jorge ficou comprometida. Mas isso não é problema para Glória. Ela entende cada palavra dita com esforço pelo marido. ;A gente bate papo o tempo todo, sobre todos os assuntos. É a coisa mais gostosa do mundo. Melhor que isso só a glória de Deus;, disse. O namoro vai além do bom papo. Tem muito beijo na boca e carinho. ;A gente tem que bater na porta antes de entrar para não tomar nenhum susto;, brincou uma das funcionárias.

A vida de casados anda mais movimentada que nunca. Os dois vão ao cinema, ao forró, ao Parque da Cidade. Tudo isso só quando tem passeio, e sempre acompanhados pelos funcionários e por amigos que também moram na instituição. ;Eu amo dançar forró. O Jorge só não dança mais por conta de um problema no joelho;, contou a esposa. Jorge e Glória não são o único casal do Lar dos Velhinhos.

Outros dois pares já assumiram um relacionamento sério ali dentro. Wilmar, 70 anos, um senhor de acolhedores olhos azuis, e Maria das Graças, 60, uma jovem senhora de cabelos loiros e modernos, pensam em seguir o mesmo caminho. Eles estão juntos há dois anos e, depois de assistirem ao casamento dos colegas, se empolgaram com a ideia. Talvez oficializem a união em 25 de dezembro próximo. Mas ele ainda precisa conhecer a família dela. São tradicionais. Enquanto isso, todos os dias Wilmar deixa Maria das Graças na porta do dormitório feminino. Despede-se da amada com um beijo. ;Beijar é a melhor coisa do mundo;, ensina Wilmar. No Lar dos Velhinhos Maria Madalena, o tempo é amigo. Arrasta-se para que cada minuto possa ser saboreado sem pressa.

Para saber mais

Casa dos mais vividos

O Lar dos Velhinhos Maria Madalena foi fundado em 7 de março de 1980. Suas instalações parecem as de uma casa de campo, com piscina e muito verde. Ocupa uma área de 35 mil metros quadrados e divide espaço com o IGB e com a Creche Irmã Elvira. Os idosos ficam alojados em três pavilhões distintos ; um só para homens, outro para as mulheres e um terceiro para aqueles que não têm mais condições de se locomover. O lar dispõe de uma sala equipada para fisioterapia onde quem é encaminhado pelo médico recebe massagens e faz ginástica. Durante todo o dia há atividades como pintura, filmes e crochê. Parte das vagas são de caridade, mas a maioria dos moradores paga 50% da aposentadoria para ter acesso a esses cuidados.

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