postado em 17/07/2010 07:00
Ao entrar nas quadras residenciais do Plano Piloto, o morador ou visitante pode ser recepcionado por um colorido inesperado e um aroma especial no ar. O cheiro doce e a beleza das frutas levam o olfato e o olhar direto para as barracas improvisadas para venda de vegetais e de outros produtos logo na entrada de alguns blocos. Maçãs, bananas, laranjas, tomates, abóboras, queijos, temperos e biscoitos caseiros estão entre as opções de alimentos oferecidos na porta de casa. Há vendedores que ocupam o mesmo ponto há mais de uma década. Eles são queridos pela comunidade e ganharam a confiança dos moradores. A vizinhança agradece o privilégio de ter sempre por perto essas delícias, a um preço acessível.![Luis dos Santos, conhecido como Piauí, todos os dias está na 210 Sul com sua feira ambulante. O destaque são as folhagens, muito procuradas pela freguesia. Com esse trabalho, ele criou e formou três filhos na universidade](https://imgsapp2.correiobraziliense.com.br/app/noticia_127983242361/2010/07/17/202928/20100717010838603129a.jpg)
Uma das clientes fiéis da banca de frutas é a dona de casa Francisca Cruz, 60 anos. ;É uma tentação passar por aqui. Eu saio para passear com o cachorro e acabo comprando alguma fruta. Só compro com ele porque é tudo fresquinho;, elogiou. O sistema de compra e venda muitas vezes lembra o de uma cidade de interior. ;Até quando eu não tenho dinheiro, levo e depois pago. Ele anota tudo no caderninho. É uma relação de confiança que não se vê em muitos lugares;, disse Francisca.
Esse tipo de comércio é comum nas asas Sul e Norte. A maior entre as ;feiras; é a de Luis dos Santos, 54 anos, também conhecido como Piauí. Diariamente, ele arma sua lona azul na 210 Sul e só sai dali quando o sol começa a queimar forte, por volta das 13h. Tem de tudo. Abóbora, batata, cebola, jiló, pimentão, tomate e frutas, muitas frutas. O quilo sai a R$ 1 ou R$ 2, a depender da época e do produto. Mas a especialidade são as folhagens.
Piauí também passa pela 206 Sul, há mais de 30 anos. Criou e formou na universidade três filhos vendendo vegetais para os moradores da Asa Sul. ;Compro na Ceasa (Centrais de Abastecimento do DF) e trago para cá. Ainda vendo para a minha primeira cliente, a dona Glória, lá da 206;, orgulha-se Piauí. Muitos fregueses compram por mês e anotam tudo no caderninho. ;Tem quem gaste até R$ 500 todo mês na banca.; Quando acaba de vender, Piauí desmonta a banca e deixa tudo limpo.
Variedade
Na 312 Sul, é difícil escolher o que comprar quando se passa em frente à Kombi de José Inácio Souza, 42 anos. Por ali circulam mulheres maquiadas, homens engravatados, generais, ministros, donas de casa, funcionários das residências. Todos com a mesma vontade de descobrir o que há dentro da Kombi. Ao se aproximar, descobrem que o vendedor traz queijos, feijão verde, biscoitos mineiros, chá verde, mel, castanhas, manteiga de garrafa, doces e dois principais atrativos: um bolo de mandioca vindo de Recife (PE) e goma de tapioca feita em casa pelo próprio José. ;Atendo ministro e morador, tudo do mesmo jeito. O segredo do negócio é o atendimento;, acredita o feirante. José trabalha na 312 Sul desde 1986.
Os moradores da quadra apoiam a presença de José. ;Sou freguesa há cinco anos. Ele (José) já faz parte da comunidade, viu minhas filhas crescerem. Quando ele não vem eu brigo com ele. Confio nas coisas vendidas aqui, é tudo limpinho;, relatou a mineira Ana Rita Porto, 57 anos. Ela aproveita os queijos frescos de José para matar a saudade de sua terra natal. ;Nunca compro uma coisa só. Levo até peixe quando ele traz. É bom porque não preciso ir ao mercado;, afirmou a médica Izaura Emídio, 35 anos. A feira de José é itinerante e também passa pela 204 e pela 408 da Asa Sul e por Ceilândia.
;Drive-thru;
A Asa Norte também tem suas vantagens. Logo na entrada da 310 Norte, está a venda improvisada de Edigleide Braga, 41 anos, morador de Ceilândia. Os moradores da quadra e da vizinhança muitas vezes nem descem dos carros e motos para comprar. Gritam de dentro do veículo do que precisam, pegam diretamente das mãos dela e às vezes só voltam para pagar depois, quando tiverem tempo. Tem sido assim há 15 anos. ;Não tenho carro e pago frete de R$ 20 todos os dias para trazer as coisas bem frescas da Ceasa. A qualidade é o mais importante;, destacou a comerciante.
Além da camaradagem, o preço baixo é um atrativo. Uma porção com cinco cajus vistosos ou um cacho de bananas saem a R$ 3. ;É barato e muito bom. Quando ele não está aqui, eu pego e depois venho pagar, sem nenhum problema. O atendimento é diferenciado. Nem preciso descer da moto para comprar;, disse o funcionário público Rogério Albanezi, 43 anos. O serviço parece ter conquistado quem vive na 310 Norte. ;A frutaria mais perto de casa fica na outra quadra, teria de pegar o carro para ir até lá. Facilita muito. E compro aqui também pensando em ajudá-lo. É um trabalho duro ficar no sol o dia todo;, concluiu o cientista político Alexandre Sousa, 32 anos.