Cidades

Como no tempo das quitandas

Moradores de algumas quadras do Plano Piloto ainda podem contar com o privilégio de ter, à porta de casa, vendedores de hortifrutigranjeiros. É o sabor de cidade do interior em plena capital

postado em 17/07/2010 07:00
Ao entrar nas quadras residenciais do Plano Piloto, o morador ou visitante pode ser recepcionado por um colorido inesperado e um aroma especial no ar. O cheiro doce e a beleza das frutas levam o olfato e o olhar direto para as barracas improvisadas para venda de vegetais e de outros produtos logo na entrada de alguns blocos. Maçãs, bananas, laranjas, tomates, abóboras, queijos, temperos e biscoitos caseiros estão entre as opções de alimentos oferecidos na porta de casa. Há vendedores que ocupam o mesmo ponto há mais de uma década. Eles são queridos pela comunidade e ganharam a confiança dos moradores. A vizinhança agradece o privilégio de ter sempre por perto essas delícias, a um preço acessível.

Luis dos Santos, conhecido como Piauí, todos os dias está na 210 Sul com sua feira ambulante. O destaque são as folhagens, muito procuradas pela freguesia. Com esse trabalho, ele criou e formou três filhos na universidadeO dia mal amanheceu e Vilmar da Silva Moreira, 36 anos, já montou sua tenda na entrada da 112 Sul. Todos os dias, ele sai de casa, em Brazlândia, rumo ao Plano Piloto. Essa rotina se repete há 10 anos. Não há quem passe por ali sem dar uma olhada na exposição de frutas. Ele começou vendendo morangos, especialidade da região onde mora. Duas bandejas deles saem por R$ 5. Em um dia bom, Vilmar consegue vender até R$ 100. A hora do almoço é a mais movimentada. ;O pessoal aproveita esse horário para encher a geladeira;, contou.

Uma das clientes fiéis da banca de frutas é a dona de casa Francisca Cruz, 60 anos. ;É uma tentação passar por aqui. Eu saio para passear com o cachorro e acabo comprando alguma fruta. Só compro com ele porque é tudo fresquinho;, elogiou. O sistema de compra e venda muitas vezes lembra o de uma cidade de interior. ;Até quando eu não tenho dinheiro, levo e depois pago. Ele anota tudo no caderninho. É uma relação de confiança que não se vê em muitos lugares;, disse Francisca.

Esse tipo de comércio é comum nas asas Sul e Norte. A maior entre as ;feiras; é a de Luis dos Santos, 54 anos, também conhecido como Piauí. Diariamente, ele arma sua lona azul na 210 Sul e só sai dali quando o sol começa a queimar forte, por volta das 13h. Tem de tudo. Abóbora, batata, cebola, jiló, pimentão, tomate e frutas, muitas frutas. O quilo sai a R$ 1 ou R$ 2, a depender da época e do produto. Mas a especialidade são as folhagens.

Piauí também passa pela 206 Sul, há mais de 30 anos. Criou e formou na universidade três filhos vendendo vegetais para os moradores da Asa Sul. ;Compro na Ceasa (Centrais de Abastecimento do DF) e trago para cá. Ainda vendo para a minha primeira cliente, a dona Glória, lá da 206;, orgulha-se Piauí. Muitos fregueses compram por mês e anotam tudo no caderninho. ;Tem quem gaste até R$ 500 todo mês na banca.; Quando acaba de vender, Piauí desmonta a banca e deixa tudo limpo.

Variedade
Na 312 Sul, é difícil escolher o que comprar quando se passa em frente à Kombi de José Inácio Souza, 42 anos. Por ali circulam mulheres maquiadas, homens engravatados, generais, ministros, donas de casa, funcionários das residências. Todos com a mesma vontade de descobrir o que há dentro da Kombi. Ao se aproximar, descobrem que o vendedor traz queijos, feijão verde, biscoitos mineiros, chá verde, mel, castanhas, manteiga de garrafa, doces e dois principais atrativos: um bolo de mandioca vindo de Recife (PE) e goma de tapioca feita em casa pelo próprio José. ;Atendo ministro e morador, tudo do mesmo jeito. O segredo do negócio é o atendimento;, acredita o feirante. José trabalha na 312 Sul desde 1986.

Os moradores da quadra apoiam a presença de José. ;Sou freguesa há cinco anos. Ele (José) já faz parte da comunidade, viu minhas filhas crescerem. Quando ele não vem eu brigo com ele. Confio nas coisas vendidas aqui, é tudo limpinho;, relatou a mineira Ana Rita Porto, 57 anos. Ela aproveita os queijos frescos de José para matar a saudade de sua terra natal. ;Nunca compro uma coisa só. Levo até peixe quando ele traz. É bom porque não preciso ir ao mercado;, afirmou a médica Izaura Emídio, 35 anos. A feira de José é itinerante e também passa pela 204 e pela 408 da Asa Sul e por Ceilândia.

;Drive-thru;
A Asa Norte também tem suas vantagens. Logo na entrada da 310 Norte, está a venda improvisada de Edigleide Braga, 41 anos, morador de Ceilândia. Os moradores da quadra e da vizinhança muitas vezes nem descem dos carros e motos para comprar. Gritam de dentro do veículo do que precisam, pegam diretamente das mãos dela e às vezes só voltam para pagar depois, quando tiverem tempo. Tem sido assim há 15 anos. ;Não tenho carro e pago frete de R$ 20 todos os dias para trazer as coisas bem frescas da Ceasa. A qualidade é o mais importante;, destacou a comerciante.

Além da camaradagem, o preço baixo é um atrativo. Uma porção com cinco cajus vistosos ou um cacho de bananas saem a R$ 3. ;É barato e muito bom. Quando ele não está aqui, eu pego e depois venho pagar, sem nenhum problema. O atendimento é diferenciado. Nem preciso descer da moto para comprar;, disse o funcionário público Rogério Albanezi, 43 anos. O serviço parece ter conquistado quem vive na 310 Norte. ;A frutaria mais perto de casa fica na outra quadra, teria de pegar o carro para ir até lá. Facilita muito. E compro aqui também pensando em ajudá-lo. É um trabalho duro ficar no sol o dia todo;, concluiu o cientista político Alexandre Sousa, 32 anos.

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