Helena Mader
postado em 18/07/2010 08:17
Apesar de velhos problemas como ocupações de áreas públicas, puxadinhos e construções irregulares dentro da área tombada, a conservação do projeto urbanístico de Brasília é satisfatória. A opinião é da coordenadora de Cultura da Unesco no Brasil, Jurema Machado, que analisa e monitora as cidades brasileiras inscritas na lista do patrimônio mundial. Ela critica a falta de fiscalização na capital federal, mas elogia a preservação do Plano Piloto. ;Quando chega a Brasília, você percebe a integridade do conceito da cidade, você vê a ideia do Lucio Costa, o zoneamento, a altura limitada dos prédios e a amplitude das áreas verdes;, destaca.A reunião da equipe de patrimônio da Unesco é anual e, nesta edição, está prevista a análise dos bens tombados na Ásia e no Pacífico. Mas como Brasília recentemente foi tema de um relatório de especialistas ligados à entidade, a situação da capital brasileira deve entrar em pauta. Mesmo com agressões pontuais ao tombamento, a avaliação é de que não há riscos de a cidade perder o título, concedido em 1987, apenas 27 anos depois de sua inauguração.
Para a coordenadora de Cultura da Unesco, os brasilienses e os turistas que visitam a cidade desconhecem a importância do projeto urbanístico traçado por Lucio Costa. Ela também critica a falta de divulgações relativas ao título de patrimônio mundial. ;Na Muralha da China, por exemplo, toda a sinalização, todas as placas têm o logotipo do Patrimônio Mundial. Na Europa, o tíquete de vários museus também têm esse símbolo estampado. As cidades brasileiras não valorizam, não sabem tirar benefício do patrimônio;, diz Jurema Machado.
Como é a reunião do Comitê do Patrimônio Mundial?
As reuniões são realizadas desde a aprovação da convenção (sobre a Proteção do Patrimônio Cultural e Natural), em 1972. Ao contrário do que muita gente pensa, não é um fórum de discussões aberto a participações, são encontros fechados. É como se fosse uma Casa Legislativa, onde há votações e debates internos. Discutimos sobre os informes periódicos e sobre temas relativos à implantação da convenção. Hoje, existem 890 sítios (monumentos, locais ou cidades inteiras) tombados e a escolha dos assuntos para debate é feita por rodízio. Este ano, serão analisados os sítios da Ásia e do Pacífico. Como acontece em todos os encontros, também será feita a análise dos sítios em perigo para a solução de problemas emergenciais e dos pedidos de novas inscrições.
Como é formada a lista dos bens tombados em perigo?
A lista dos sítios em perigo sempre esteve relacionada com questões como conflitos armados, desastres naturais e terremotos. Mas, hoje, isso está muito ligado à gestão do patrimônio. O Parque Nacional do Iguaçu, por exemplo, já esteve nessa lista por conta da construção de uma estrada que cruzaria a unidade; muitos ambientalistas eram contra a medida. Os representantes do Comitê do Patrimônio discutem a lista dos sítios em perigo e também avaliam os pedidos de inscrições de novos sítios.
Os problemas de Brasília vão entrar na pauta de discussões da reunião do Comitê do Patrimônio?
É importante dizer que a Unesco não faz monitoramento à revelia dos países. A situação de Brasília foi tema de um relatório do Icomos em 2001. O Comitê do Patrimônio solicitou informações ao Itamaraty, que nos respondeu. Não há previsão de novas visitas, mas o assunto pode entrar em pauta por conta da resposta enviada pelo governo brasileiro.
Durante uma semana, Brasília vai receber alguns dos maiores
especialistas do mundo na área de patrimônio. Isso não pode atrair as atenções para as agressões ao tombamento da cidade?
Na minha opinião, os visitantes vão se impressionar muito bem com Brasília. Ninguém espera encontrar uma cidade como essa, com a lógica do Plano Piloto e em um estado de conservação satisfatório. A reação de quem chega a Brasília é sempre muito positiva. E essa reunião é especialmente importante porque marca a aproximação do Brasil com o tema do patrimônio mundial. A realização desse encontro aqui é uma estratégia de retorno do Brasil para as discussões na área de cultura e patrimônio e o início de um protagonismo do país.
Brasília vai receber a reunião do Comitê do Patrimônio Mundial no ano em que comemora seus 50 anos. Mas o governo local ainda não cumpriu todas as exigências feitas no relatório de 2001 e
muitas irregularidades ainda persistem. A cidade não corre
o risco de entrar na lista do patrimônio em perigo?
A conservação do projeto urbanístico é satisfatória. Quando chega a Brasília, você percebe a integridade do conceito da cidade, você vê a ideia do Lucio Costa, o zoneamento, a altura limitada dos prédios, a amplitude das áreas verdes. Um aspecto positivo que eu destacaria é o início da elaboração do Plano de Preservação da Área Tombada. É um passo importante e que vai impedir que se façam decretos aqui e ali isoladamente. É preciso ter uma visão de todo o conjunto para garantir a preservação. A maioria das cidades que são classificadas como patrimônio mundial não tem esse plano de preservação e o de Brasília está sendo feito com critérios técnicos.
Quais são hoje os principais problemas de Brasília que afetam a preservação do patrimônio?
Na minha opinião, Brasília tem um problema seríssimo de fiscalização. Isso é inaceitável porque a cidade é toda setorizada, é fácil de ser fiscalizada. Qualquer cidadão comum sabe o que pode e o que não pode ser feito em cada região, mas a fiscalização não consegue controlar. Também acho que falta esclarecer melhor quais são as atribuições do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e do GDF. A atuação conjunta dos governos federal e local funciona bem em outros estados.
O que poderia ser feito para garantir a preservação do
patrimônio em Brasília?
A primeira coisa a ser feita seria divulgar melhor o fato de que a cidade faz parte da lista de patrimônio mundial. Eu acho que falta muita informação para a população e para os turistas. Em várias cidades que são patrimônio mundial, os governos exploram esse fato para atrair turistas. Na Muralha da China, por exemplo, toda a sinalização, todas as placas têm o logotipo do patrimônio mundial. Na Europa, o tíquete de vários museus também têm esse símbolo estampado. As cidades brasileiras não valorizam, não sabem tirar benefício do patrimônio para desenvolver a economia e o turismo. Brasília esnoba isso. As pessoas lotam os hotéis da cidade sem saber o que é Brasília, o que ela representa.