Nada de restaurantes. A ideia é degustar delícias no sossego de casa, de preferência na companhia de amigos. O mercado de gastronomia para mestres-cucas amadores e para apreciadores de bons vinhos, chocolates e outros quitutes teve um boom nesta década na capital federal. Mercearias de luxo, adegas e chocolaterias proliferaram. De 2000 para cá, pelo menos 10 novos estabelecimentos do tipo abriram as portas, o que significa um por ano. Alto poder aquisitivo e elevado nível cultural da população ajudam a explicar a boa aceitação desse filão de produtos em Brasília. A presença em peso de diplomatas na cidade e um leque de opções de entretenimento mais restrito do que em outras capitais do país também são fatores contribuintes.
Expand Wine Store, Vintage Vinhos, Grand Cru, Mistral, Zahil e Empório do Vinho estão entre as importadoras e revendedoras da bebida feita a partir de uva que vieram para Brasília nos últimos 10 anos. As chocolaterias Kaebisch, Cacahuá e Stans se instalaram no mesmo período. O Mercado Municipal de Brasília, que vende queijos, condimentos, vinhos, azeites e peixes, está de portas abertas há quatro anos. Os estabelecimentos chegaram para atender a uma demanda por produtos de alto padrão verificada na cidade e, hoje, compartilham o mercado brasiliense com outros mais antigos, como o pioneiro empório La Palma, que tem 46 anos de existência, e a importadora Casa Ouro, fundada há 27 anos.
;A origem desse tipo de atividade são os países mais ricos. Esses lugares se especializam em produtos especiais, para pessoas entendidas no assunto. São itens que não teriam viabilidade em um supermercado convencional, já que o consumidor típico não compreende a importância e o valor agregado deles;, explica o consultor de varejo Alexandre Ayres, proprietário da empresa de consultoria Neocom.
Combinações
Para ele, Brasília tem características peculiares que garantiram o êxito desse tipo de oferta. ;Trata-se de uma cidade com população de alta renda e sofisticada. Aquele que não tem o entendimento necessário, mesmo que tenha renda, não comprará esse tipo de varejo. Viagens aos exterior, tempo para estudar e se dedicar a um hobby, tudo isso ajuda a formar essa espécie de consumidor. Como a capital não tem uma programação cultural muito dinâmica, uma das opções é degustar, cozinhar, receber os amigos;, analisa Ayres. ;A presença do corpo diplomático de muitos países também favorece. Essas pessoas vieram de lugares onde estavam acostumadas a consumir determinados produtos;, acrescenta o consultor.
Aposentado e com formação em administração de empresas e sociologia, Luiz Fernando Victor, 72 anos, enquadra-se perfeitamente no perfil de consumidor exigente traçado por Alexandre Ayres. Ele tem uma coleção de mais de 100 livros sobre culinária e gastronomia. Anos atrás, durante uma viagem de trabalho à França, aproveitou para fazer um curso rápido(1) sobre vinhos. Hoje, um de seus prazeres é percorrer sem pressa empórios, casas de vinho e delicatessens da cidade. Gosta de cozinhar e, auxiliado por seus livros, foi descobrindo as combinações certas entre os diversos temperos, alimentos e bebidas.
;Não sou um conhecedor profundo. Me guio um pouco pelo que aprendi, um pouco pelo meu paladar;, conta o aposentado. Ele ensina que nem sempre o produto trazido do exterior, ou o mais caro, é o de melhor qualidade. Quando se trata de vinhos, por exemplo, Luiz Fernando prefere os espanhóis. Mas o melhor queijo para colocar em massas, segundo ele, é um vindo da cidadezinha de Sacramento, interior de Minas Gerais, que não custa tão caro.
Para ele, que vive na capital federal desde 1962, atualmente o mercado de produtos diferenciados local nada deixa a dever a centros como São Paulo e Rio de Janeiro. ;Já foi muito difícil encontrar as coisas aqui, mas tem ficado cada vez mais fácil;, opina.
1 - Formação diversificada
Os cursos sobre vinhos podem resultar na formação de enólogos, enófilos ou sommeliers. A diferença entre as três categorias é muito grande. O enólogo estuda detalhes da produção da bebida, tipos de solo e técnicas de agricultura. O enófilo é simplesmente um amante de vinhos, que aprende um pouco sobre degustação e qualidade. O sommelier é treinado para comprar bons rótulos e administrar uma adega. Os cursos para leigos como o aposentado Luiz Fernando Victor dão noções e pinceladas sobre o assunto destinadas a formar enófilos, e estão disponíveis em várias casas de vinhos do Distrito Federal.<--
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Procedência garantida
Os empresários que se aventuraram a formar um mercado de artigos de alta procedência em Brasília enxergaram na capital a demanda reprimida por opções do tipo. Foi o caso da chocolati;re Eliane Valladão, que comanda a loja Cacahuá, na 207 Sul. O local é abastecido com centenas de bombons e barrinhas de chocolate combinado aos ingredientes mais variados. Todas as receitas são criação dela. Eliane, que é formada em psicologia e teve clínica por muitos anos, costumava ser uma degustadora de delícias e organizadora entusiasta de reuniões gastronômicas com amigos.
;Cada um fazia uma coisa, e eu sempre ficava com a sobremesa. Como era apaixonada por chocolate, sempre o utilizada como ingrediente. Fui estudando, me interessando cada vez mais, e percebi a carência em Brasília de uma casa com a nossa proposta, que é de bombons finos, artesanais, de alta qualidade;, conta ela, que trabalha somente com chocolate belga, e sempre com teor de cacau acima de 50%.
Enquanto Eliane se preparava com cursos e encomendava pesquisa de mercado para abrir as portas, há cerca de dois anos e meio, dois estabelecimentos com perfil semelhante despontaram na capital: as chocolaterias Stans, na 407 Sul, e Kaebisch, com filiais na Asa Norte e no Sudoeste. Isso não desanimou a empresária. Ela diz que a loja tem clientes cativos e movimento satisfatório hoje em dia, e que o investimento feito no negócio está quase recuperado.
Secos e molhados
Uma visão do potencial do consumidor brasiliense também foi a mola por trás da criação do Mercado Municipal de Brasília, inspirado em empreendimentos semelhantes no Rio de Janeiro e em São Paulo. ;Nossa aposta são produtos que não são achados em qualquer lugar. Também investimos no atendimento personalizado. Há funcionários para orientar os clientes, que degustam e compram com calma;, diz Luiz Gustavo Ferreira, gerente-geral do estabelecimento, que fica na 509 Sul.
O Mercado Municipal, uma espécie de empório de secos e molhados, tem um catálogo de produtos similares ao do mais antigo La Palma que pertence a Rogério Muniz Netto. Graduado em geologia e doutor em gastronomia, Netto presenciou o nascimento do mercado de produtos de alto padrão na capital. ;A gente era uma banquinha de frutas e verduras, e tínhamos fama de ser os melhores da cidade. No fim da década de 1980, começamos a trazer coisas que não existiam no mercado. Fomos escutando sugestões e pedidos de diplomatas e clientes mais abastados;, relata. Atualmente, o La Palma possui lojas na 404 e 413 Norte e vende vinhos, azeites, condimentos, queijos e outros produtos de vários países.
Fabrício Costa é gerente da Expand Wine Store, importadora sediada em São Paulo que tem adega do restaurante Piantella, na 202 Sul, e loja própria na 403 Sul. A marca aportou em terras brasilienses em 2001 ocupando espaço no restaurante. E em 2007, ampliou as atividades. ;O consumidor brasiliense foi aprendendo e se interessando mais. Temos vinhos de R$ 20 a R$ 5 mil, todos selecionados. Cerca de 90% do que é vendido está na faixa de preço entre R$ 30 e R$ 150;, relata.