postado em 19/07/2010 08:08
Defender interesses corporativos ou as aspirações da sociedade? Atualmente, 70% dos deputados distritais vivem esse dilema. Um levantamento do Instituto de Pesquisa Soma Opinião e Mercado mostra que 17 dos 24 distritais representam grupos específicos, que possuem pautas bem definidas. Dez deputados são de bases corporativas, como policiais, médicos, professores; quatro representam fiéis de diferentes igrejas; e três são empresários. Apenas sete foram eleitos por votos distribuídos no Distrito Federal ou por regiões específicas.O levantamento mostra que essa é uma tendência política. Na primeira formação da Câmara Legislativa, em 1990, a conta era inversamente proporcional, ou seja, apenas 30% dos deputados representavam interesses restritos. Os números mudaram aos poucos no decorrer dos últimos 20 anos e devem continuar nesse ritmo.
Segundo o professor de Ciência Política da Universidade de Brasília David Fleischer, a organização de um grupo social, sindical ou religioso facilita a mobilização em torno de uma pessoa. Para ajudar na identificação com o grupo, muitos candidatos adotam a categoria no nome. São doutores, pastores, professores, coronéis, entre diversos outros.
O deputado distrital Dr. Charles (PTB) tem base eleitoral na área da Saúde. ;Exerço a profissão há 20 anos e fui o médico mais votado na eleição passada para deputado distrital;, explica. Ele recebeu 11.591 votos, mas garante que também teve eleitores de fora da base. Para disputar com ele uma vaga na próxima eleição, outros 23 candidatos acrescentaram o ;doutor; na alcunha.
A tática é muita utilizada entre os evangélicos. São seis bispos e 11 pastores declarados. Peniel Pacheco (PDT) já foi deputado distrital, é pastor da Assembleia de Deus, mas não adotou a função no nome. Aliás, ele se diz contra essa postura. ;Acho isso uma falha, porque você é pastor quando está atuando na comunidade, mas não pode pastorear na Câmara;, diz. Segundo Peniel, há um grande risco de transformar a atuação religiosa em radicalismo ideológico ao se misturar o púlpito da igreja com a tribuna parlamentar. ;Não se pode fazer pregação na propaganda eleitoral e nem campanha entre os fiéis;, destaca.
David Fleischer diz que o maior problema surge quando o político precisa se posicionar no parlamento sobre questões ligadas à própria base. ;Ele representa os interesses do grupo que o elegeu e deixa a população a ver navios. Isso é ruim para a Câmara e para a sociedade, visto que cada vez menos deputados defendem os interesses gerais;, afirma o professor. Para ele, a única solução é a adoção do sistema de lista fechada. ;É importante fortalecer os partidos para que as linhas ideológicas sejam mais bem definidas e as atuações parlamentares mais abrangentes.;
Bases eleitorais
Outros grupos também se destacam na lista de candidatos. A segurança tem 15 postulantes com a patente estampada no nome que vai para a urna na eleição de outubro. São cabos, coronéis, subtenentes, sargentos, majores, além de bombeiro e delegado. A educação é a mais representada. São 28 professores disputando a indicação dos colegas.
Mas nem todos estão identificados. Na última legislatura, apenas os deputados Batista das Cooperativas (PRP), Pastor Aguinaldo de Jesus (PRB) e Dr. Charles (PTB) foram eleitos estampando nos nomes as origens. Apesar disso, todos contam com base eleitoral em segmentos ou regiões específicas (veja o quadro).
A vida política da deputada distrital Érika Kokay (PT) nasceu no movimento sindical. Ela foi presidente do Sindicato dos Bancários e da Central Única dos Trabalhadores no DF. Para a deputada, não há problema em se eleger alguém que represente um segmento, desde que os interesses desse grupo não se sobreponham às necessidades da população. ;Sempre defendi os direitos dos trabalhadores, que são harmonizados com as lutas da sociedade;, afirma.
Érika chama a atenção para os casos em que os interesses privados se sobrepõem aos coletivos. Segundo a distrital, essa pode ser a origem para os casos de corrupção, como aconteceu na Caixa de Pandora. ;As pessoas se sentem donas dos recursos públicos e os utilizam para o benefício próprio, além de receberem cargos para distribuir livremente para os membros do seu grupo;, analisa a petista.
Sobrenomes conhecidos
Quando o assunto é criar identificação com o eleitor, a criatividade nem sempre é essencial. A opção de muitos candidatos é seguir o óbvio e deixar a própria marca no nome político. Elisabete Gomes (PTB) não teve dúvidas. Ela trabalha no sistema público de saúde há 24 anos. ;As pessoas me identificam com a minha profissão, por isso fica mais fácil ser reconhecida como Enfermeira Bete;, justifica.
Suas propostas são centradas nas questões relativas à Saúde, inclusive para o servidor da área. ;Quero lutar pela qualidade de vida das pessoas, mas também pela valorização dos profissionais;, diz. A sua base de eleitores é formada por pessoas envolvidas com o setor, sejam os pacientes atendidos ou os colegas de trabalho.
Para o publicitário e professor de Marketing e Comunicação da Fundação Getulio Vargas Jorge Leite, a estratégia de adotar um ;sobrenome; conhecido é eficiente. ;As pessoas, de um modo geral, são identificadas por alguma referência. É o José da Feira, a Maria de Ceilândia ou o Padre Jorge. Isso é natural e pode ser levado para a política;, diz. ;A questão fundamental é que o candidato será marcado para sempre com a identidade escolhida;, destaca.
Na lista de aspirantes a uma vaga na Câmara Legislativa, não faltam exemplos. Simone Hip-Hop (PRB), Vicente dos Inquilinos (PTC), Moyses dos Correios (PCdoB), Jane da 3; Idade (PR). Todos fazem questão de deixar claro para os eleitores de onde vêm ou quais são suas bandeiras.
Segundo Jorge Leite, isso faz com que o eleitor sempre faça a ligação exclusiva entre o político e a determinada área. Para a Câmara Legislativa, o candidato pode se eleger com os votos de apenas um segmento, mas o mesmo não ocorre para quem deseja disputar outro cargo político, como governador ou senador.
Dia de campanha
; O candidato a governador do Distrito Federal Joaquim Roriz (PSC) aproveitou o domingo de sol para se reunir com dois grupos que podem lhe render uma boa quantia de votos nestas eleições: evangélicos e integrantes de cooperativas de transporte. Já Agnelo Queiroz (PT) reuniu-se com lideranças comunitárias do Paranoá e ouviu os apelos da população por mais segurança, saúde e pela regularização dos terrenos da cidade. Ele percorreu as ruas da cidade, acompanhado de aproximadamente 100 simpatizantes munidos de bandeiras, adesivos e faixas com propaganda eleitoral.
Força do partido
Em um sistema de lista fechada, os líderes partidários estipulam a ordem dos candidatos a serem eleitos pela chapa. Em vez de escolher um nome, o eleitor só pode votar na lista. As vagas conquistadas são distribuídas na ordem definida antes das eleições.