Cidades

Lei seca na Estrutural divide opiniões

Decreto determina que bares fechem mais cedo na cidade. Administrador local acredita em redução da violência com a medida; comerciantes temem desemprego. Moradores divergem

Naira Trindade
postado em 23/07/2010 07:15
A diversão noturna nos bares da Estrutural vai acabar mais cedo. Um decreto publicado no Diário Oficial do Distrito Federal de quarta-feira promete interromper às 22h a curtição de quem consome bebidas alcoólicas nos estabelecimentos da cidade de segunda a sexta-feira e, à 0h, para quem frequenta esses locais aos sábados, domingos e feriados. O objetivo da lei seca ; como foi apelidado o decreto ; é reduzir os índices de violência da Estrutural, onde uma pessoa é morta a cada 15 dias. A proibição, no entanto, divide opiniões de moradores, frequentadores e donos de estabelecimentos. A Associação dos Comerciantes teme desemprego de pelo menos 500 pessoas.

Quem não cumprir os horários definidos estará sujeito a penalidades que vão desde multa a fechamento do estabelecimento. A fiscalização ficará a cargo da Agência de Fiscalização do Distrito Federal (Agefis) e da Polícia Militar. ;A intenção é reduzir o alto índice de violência da cidade. Se conseguirmos salvar uma vida, já temos a confirmação de que fizemos a coisa certa;, declara administrador da Estrutural, Maurizon Alves. ;As ocorrências de violências são registradas após as 23h. A população clamava por segurança e o horário vai estabelecer isso a eles;, esclarece.

Sociólogo da Universidade de Brasília, Arthur Trindade defende que a medida pode surtir efeito nos índices de criminalidade da região. ;A violência pode ser reduzida. Boa parte dos homicídios registrados no Distrito Federal são resultados de brigas de bares, por motivos fúteis;, acredita. No entanto, o professor pondera que uma ação extremista de intolerância não é a única medida para salvar vidas. ;Existe uma distância entre fechar os bares e evitar os homicídios, mesmo que eles aconteçam próximos dos bares. Pode acontecer de fechar o estabelecimento e o pessoal beber em outro lugar;, contou.

Queda
Os números de assaltos e homicídios registrados na Estrutural já estão em queda se comparados com o mesmo período do ano passado. De janeiro a junho de 2009, a 8; Delegacia de Polícia (Setor de Indústria e Abastecimento) contabilizou 98 homicídios (culposos e dolosos) contra 26 registrados de janeiro a junho deste ano. A quantidade de assaltos a comércios também caiu de 116, em 2009, para 95, em 2010. Em média, a cada dois dias, uma loja é roubada na região. A delegada Deborah Menezes associa a redução às políticas na comunidade e ao policialmento ostensivo.

Depois de perder as contas de quantas vezes teve seu suado dinheiro levados por bandidos, Rosário Brito, 35 anos, cercou de grades toda a mercearia. De dia ou de noite, os produtos são comercializados por um buraco pelas grades de segurança. O local também é vigiado por câmeras. ;Os assaltos só diminuíram depois que investi em proteção. Mesmo assim, uma vez eles aproveitaram que abrimos a porta para um cliente e entraram para nos roubar;, conta a moradora da Estrutural.

Cansado de vivenciar cenas de perigo na região, o serralheiro Edvaldo Marcolino dos Santos, 33 anos, acredita que a redução do horário de funcionamento vai ajudar, mas não resolver completamente o problema que traz medo aos moradores. ;Acabar mesmo não vai. Os roubos são feitos por malandros, que não respeitam a lei;, aponta. ;Minha mulher estava grávida de nove meses e saiu para pagar uma conta de água. No ônibus, dois meninos anunciaram um assalto. Ela ficou tão apavorada que teve de ser levada às pressas ao hospital e nosso bebê nasceu antes do tempo. Tomara que implantem alguma medida que resolva, pois não dá mais para viver em meio a tanta insegurança.;

ÁREAS DE RISCO SANITÁRIO
; Os moradores das quadras 8 e 12 da Vila Estrutural não poderão ser transferidos para a quadra 16 do Programa Integrado Vila Estrutural (PIVE). A decisão é do Tribunal de Justiça do DF e Territórios e atende parecer do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) em ação civil pública da Prefeitura Regional Comunitária Cidade Estrutural (Preces/DF). Laudos do MPDFT apontam que o local para o qual os moradores seriam transferidos é área de risco sanitário, ambiental e urbanístico. Eles tinham sido notificados a desocupar a área imediatamente. Segundo liminar judicial, enquanto não houver laudo ambiental favorável à transferência, os moradores deverão permanecer nas quadras 8 e 12. Caso a determinação não seja cumprida, será aplicada multa no valor de R$ 5 mil por ação irregular.

O número
95
Número de assaltos a comércios registrados na Estrutural de janeiro a junho deste ano. A cada dois dias, uma loja é roubada


O que diz a lei

O decreto publicado no Diário Oficial do Distrito Federal de quarta-feira leva em consideração o interesse da comunidade, a preservação do sossego e a segurança pública da cidade. O texto determina que todos os estabelecimentos comerciais (bares e similares) que vendem bebidas alcoólicas devem passar a obedecer, imediatamente, após a publicação, aos horários de funcionamento: das 8h às 22h, de segunda a sexta-feira, e das 8h à 0h, aos sábados, domingos e feriados. O artigo 2; acrescenta que quiosques, bares ambulantes e similares ficam proibidos da utilização de música: mecânica, automotiva ou ao vivo, sendo permitida apenas música ambiente, além de estarem proibidos de vender bebidas alcoólicas. Os comerciantes que não cumprirem os horários definidos ficam sujeitos a penalidades como multa e interdição.


O povo fala
Você apoia o decreto de lei seca na Estrutural?

Aldenor Gomes de Oliveira, 44 anos, comerciante

;Não. Fechar bares mais cedo não reduz a violência. Para diminuir os números, deve-se melhorar a educação, investir em lazer e outros meios de diversão. O fechamento dos bares vai interferir muito pouco, pois uma das principais razões de criminalidade na Estrutural é o envolvimento com drogas.;


Roberto Rezende, 41 anos, autônomo

;Aprovo e apoio. A noitada de uns incomoda o sono de outros. Moro próximo a um bar e o som alto perdura até altas horas da madrugada. Enquanto a polícia não vem pedir para fechar, os clientes do bar não vão embora. Agora teremos mais sossego à noite.;


Sebastião Fernandes Lima, 36 anos, comerciante

;Tenho dúvida se o decreto vai realmente funcionar. Vai ser preciso uma fiscalização constante. A polícia (militar) já fazia o trabalho de ronda durante a noite pedindo aos bares que baixassem as portas mais cedo. Agora, tenho medo que eles parem de percorrer a cidade e nos deixe mais inseguros sem a vigilância deles.;


Maria Aparecida Francisco Cruzeiro, 40 anos, alfabetizadora

;Aqui na Estrutural não existe separação de residência e comércios. Então, como moro ao lado de um bar movimentado, sofro com o barulho até altas horas da madrugada. A polícia é que controlava os horários e, depois que o bar era fechado, as pessoas ainda permaneciam fazendo barulho por mais meia hora na rua até se dispersarem. A mudança será ótima.;

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