Cidades

Um repórter no canteiro de obras

Paulo Manhães, auxiliar de fotógrafo de O Cruzeiro, veio para Brasília, sozinho, aos 20 anos, para, um ano depois, participar do primeiro jornal diário da nova capital, o DC Brasília

postado em 24/07/2010 07:05
Um dos primeiros repórteres de jornal diário em Brasília decidiu vir para a nova capital depois de ter se encantado com uma grande maquete do Plano Piloto exposta no Copacabana Palace Hotel, no Rio de Janeiro, no primeiro semestre de 1959. O carioca Paulo Manhães era auxiliar de fotógrafo da revista O Cruzeiro quando veio conhecer as obras da nova capital. Fez parte de uma comitiva que incluía o produtor de cinema Luís Carlos Barreto, então repórter, e o caricaturista Borjalo. Veio para a inauguração do Palácio da Alvorada, em junho de 1958, e acabou ouvindo a transmissão radiofônica do histórico jogo Brasil x Suécia, final da Copa do Mundo, ao lado de Juscelino Kubitschek, no hall do Brasília Palace Hotel.

Noticiário da época: o jornalista participou do movimento de início da imprensa localEra apenas uma viagem de trabalho, mas passou a ser a encruzilhada que mudou a vida do jovem fotógrafo que, por conta do bom humor, ganhou em O Cruzeiro o apelido de Risadinha. Depois de dois dias cobrindo solenidades e de assistir ao jogo ao lado do presidente da República, Paulo Manhães decidiu conhecer a Cidade Livre. Quando chegou ao aeroporto, para o embarque de volta ao Rio de Janeiro, o avião já havia decolado. Soube que, horas mais tarde, haveria outro voo. Era tempo demais para ficar num barracão de madeira plantado no meio do cerrado. Voltou para o Núcleo Bandeirante e, mais uma vez, perdeu a hora. Somente à noite, conseguiu embarque para São Paulo e, de lá, pegou um ônibus para o Rio.

Não havia mais o que avaliar. Viria para Brasília. Não se sentia prestigiado profissionalmente na revista e nem o salário era estimulante. Um mês e muitas exclamações mais tarde (;Você é louco? O que é que vai fazer naquele fim de mundo?;), Paulo Manhães desembarcou definitivamente na nova capital. O primeiro emprego foi burocrático, no escritório da Coenge, uma das empresas construtoras da cidade. Passado algum tempo, o jovem carioca teve vontade de voltar para o Rio. ;Eu morava num acampamento e achava meio estranho. Tinha regalias, até banho de água quente eu tinha, mas quando saía de lá não havia nada pra fazer. Era tudo vazio;, relembra. Uma de suas diversões era assistir ao desmatamento do leito do Lago Paranoá ou, claro, visitar a Cidade Livre.

Tédio
Manhães quase desistiu de viver aqui: A monotonia do cerrado quase levou o fotógrafo de volta às praias e às montanhas cariocas. Até que um amigo ofereceu a ele um emprego de radiotelegrafista da Novacap, atividade bem mais movimentada. O radiotransmissor era o único meio de comunicação entre o canteiro de obras e o resto do mundo. Foi nessa atividade que Manhães conheceu Elias de Oliveira Júnior, que chegava à cidade para fundar o DC Brasília ; na verdade, a edição do Diário Carioca com a capa e contracapa destinados às notícias da nova capital.

A primeira sede do primeiro jornal diário de Brasília (o Correio Braziliense passou a circular em 21 de abril de 1960) foi instalada na Cidade Livre e mais tarde na sobreloja do Chez Willy, célebre restaurante da nova capital. Em 12 de setembro de 1959, dia do aniversário de Juscelino, o DC Brasília começou a circular nos canteiros com notícias sobre o andamento das obras, histórias dos primeiros candangos que aqui chegaram, registros policiais e o Broto do Dia, fotos de moças bonitas filhas de pioneiros ilustres.

;Às sete horas da manhã, já estávamos na rua e íamos até de madrugada;, conta Manhães. Ao final do dia, os textos iam para a redação do Diário Carioca, primeiro via telégrafo, depois via telex ou telefone. As fotos seguiam no último voo para o Rio. A edição era impressa durante a madrugada e, por volta das 9h do dia seguinte, o jornal chegava a Brasília e era posto à venda no aeroporto e no Brasília Palace Hotel. Quando, por alguma razão, havia longos atrasos, a edição era levada para ser vendida nos postos de gasolina.

Testemunha ocular
Como fotógrafo do DC Brasília, Paulo Manhães guarda a glória de ter fotografado os rebeldes de Aragarças na Base Aérea de Brasília, em dezembro de 1959. O movimento militar e civil pretendeu derrubar o governo de Juscelino. Dominada a tentativa, os revoltosos foram trazidos para a cidade. ;Eles estavam machucados, chorando;, conta o fotógrafo, que chegou a ser preso e foi obrigado a entregar o filme aos militares. ;Mas eu dei um jeito e dei ao coronel que me prendeu um filme virgem.; A foto foi manchete do Diário Carioca de 6 e 7 de dezembro de 1959.

No mesmo ano, em fevereiro, o DC Brasília deixou de noticiar o suposto massacre da Pacheco Fernandes, segundo informa Manhães. As notícias policiais rotineiramente divulgadas tratavam de conflitos entre militares, da Aeronáutica, da Marinha e do Exército, algo muito comum àquele tempo em Brasília; de assuntos familiares, de violência praticada pela Guarda Especial de Brasília, a temida GEB, e de brigas em bares e prostíbulos.

O Diário Carioca modernizou o formato da imprensa brasileira. Como disse Paulo Francis, o DC ;foi um jornal tecnicamente revolucionário, que terminou com o lero-lero das reportagens intermináveis em que a estrela era o repórter, e não o assunto;. Foi Pompeu de Souza, no Diário Carioca, quem tirou o nariz de cera da imprensa brasileira e introduziu o lead. O jornal criou a figura do copidesque e lançou o primeiro Manual de Redação. O golpe de 1964 asfixiou as finanças do jornal, que acabou fechando.

O colunista, repórter e fotógrafo Paulo Manhães veio trabalhar no Correio Braziliense, depois migrou para assessorias de imprensa do Governo do Distrito Federal. Aos 72 anos, casado com Claudete, também uma candanga, tem quatro filhos, nove netos e um bisneto.

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