postado em 26/07/2010 08:09
De repente, o mundo cresceu diante dos olhos atentos de Bianca Aranha de Lima, 17 anos, e Larrisa Chrys Pereira, 15. As meninas sonhavam conhecer a paisagem e os costumes de outros países. ;Como seriam as pessoas lá fora? A comida? O comportamento?;, perguntavam-se. As duas moram no Gama e estudam espanhol no Centro Interescolar de Línguas (CIL) da cidade, escola da Secretaria de Educação. O mais longe do Gama a que Bianca havia chegado, até este mês, era o Mato Grosso do Sul. Larissa só tinha saído do DF para ir à Bahia, de carro. Nenhuma das duas sabia como era viajar de avião. Muito menos a sensação de estar em solo estrangeiro.Até que ganharam um passeio com tudo pago para a Espanha, depois de vencerem um concurso idealizado pelo jornal El País. Durante um ano, as duas meninas e outros colegas de sala, com o apoio dos professores, produziram um periódico semelhante ao impresso patrocinador da iniciativa. Concorreram com estudantes do mesmo colégio na primeira etapa e depois com meninos e meninas de CILs e de duas escolas públicas de todo o Distrito Federal. Fizeram um projeto em papel A3, bem diagramado e pensado com cuidado, com notícias locais e nacionais.
O talento das meninas caiu no gosto da banca avaliadora espanhola. O intuito da iniciativa é estimular a leitura e o aprendizado da língua estrangeira, além de dispertar interesse cultural. A mesma iniciativa será repetida em São Paulo e no Rio de Janeiro, bem como em grandes cidades de outros países. Bianca e Larissa foram as únicas escolhidas para experimentar a sensação de pisar em solo estrangeiro. E mergulharam em uma nova cultura, saborearam novos ares, novos rostos e sensações.
Colaborações
Como as duas estudantes do 2; ano do segundo grau não vêm de famílias ricas, foi preciso fazer uma ;vaquinha; entre os professores dos colégios onde elas estudam ; o Centro de Ensino Médio 1 e o Centro de Ensino Médio 2 do Gama ; para arrecadar os reais que foram convertidos em euros para a viagem. Também colaboraram os funcionários do CIL. ;O El País custeou as despesas. Mas é sempre bom levar uma quantia razoável, por segurança, no bolso. Queríamos proporcionar uma experiência completa a elas;, explicou a vice-diretora do CIL Gama, Cibele Almeida.
Depois de enfrentar quase 16 horas de voo, elas dizem que a experiência valeu a pena. Foram sete dias em mundo novo. Estiveram em museus, degustaram comidas típicas e apreciaram a beleza de duas cidades ; Madri e Toledo. ;A comida era diferente, um pouco gordurosa. A paella (arroz com frutos-do-mar) e as sobremesas eram deliciosas. E só tem carro novo na rua;, elogiou Bianca, que estuda espanhol há cinco anos.
Ao andar pelas ruas de Madri, as meninas escutavam elogios. ;Cariño mio;, exclamavam os espanhóis. Faltou pouco para a viagem ser perfeita. As meninas não assistiram, por exemplo, a um show de flamenco. Elas também tiveram de conviver com pontos menos agradáveis das diferenças culturais entre brasileiros e espanhóis. ;Lá o povo fuma demais, em todos os lugares. Muito mais do que aqui. E fumam na cara da gente, sem preocupação, um cigarro ainda mais fedido;, disse Bianca. As reclamações, porém, são poucas. As jovens se encantaram com as peculiaridades da Espanha. ;A cidade é linda, linda. Nunca vou esquecer as praças. É tudo muito histórico, muito diferente de Brasília, que é moderna.;
Dormir era complicado por conta do fuso horário. Quando no Brasil era noite, lá era dia. Mesmo assim, ter as tardes mais longas agradou as meninas. ;O sol ficava raiando até 22h. Dava para fazer muita coisa;, relatou Larissa. No último dia de viagem elas conheceram a redação do El País. Ganharam de presente cada uma uma caixa com 30 filmes clássicos em espanhol.
A volta
Estar em um continente diferente pela primeira vez mudou a vida das duas garotas. Na terça-feira última, as amigas desembarcaram de volta em Brasília, com ares de cidadãs do mundo. Larissa, uma adolescente de pele negra, cabelos escuros e sorriso tímido, agora mostra-se mais desinibida. Bianca é só sorrisos, parece uma crinça com brinquedo novo. Trouxe leques, um chapéu cor-de-rosa e chocolates na bagagem. Mas voltou segura, com ainda mais vontade de desbravar o mundo. As mães perceberam a diferença. As duas meninas são de famílias trabalhadoras. Bianca é filha da comerciante Marina Aranha, 45 anos. A mãe de Larissa, Sebastiana Pereira, 45, é diarista.
Quando souberam do prêmio dado às filhas, as duas mulheres humildes, que não conseguiram completar o segundo grau por dificuldades em encontrar tempo entre o sustento da família e o próprio bem-estar, ficaram preocupadas. ;Ela nunca tinha viajado de avião. Fiquei sem dormir pensando nisso. Pensei até em não deixar ela ir, mas as professoras conversaram comigo e eu percebi que seria muito injusto privar a Bianca dessa oportunidade;, disse Marina. ;Eu tive medo do tráfico de mulheres na Espanha, a gente ouve tanta notícia disso;, afirmou Sebastiana.
Oportunidade
A preocupação ficou esquecida diante da possibilidade de ver o olhar das meninas enriquecido, a mente aberta a novas possibilidades. ;Eu jamais conseguiria dar essa viagem à Bianca. Ela é uma menina inteligente, toca violino. Sabe aproveitar as chances;, disse Marina. ;Projetos assim incentivam os jovens menos privilegiados financeiramente a estudarem, acreditarem no futuro e saírem das ruas. Tenho certeza que a Larissa vai ter mais chances do que eu;, emocionou-se Sebastiana.
Os corações das mães ficaram mais calmos com o convite feito pelo El País à professora de espanhol do CIL Gama Marisa do Carmo Silva, 28 anos, para companhar as adolescentes, que ainda não alcançaram a maioridade. Foi Marisa quem traçou um roteiro de viagem para as meninas e as conduziu por um universo de cultura nunca antes imaginado pelas adolescentes. ;Isso tudo vai melhorar muito o meu currículo, minha pronúncia do espanhol;, acredita Larissa. Mas sete dias são pouco para caber um sonho desse tamanho. As duas agora esperam por uma oportunidade de fazer intercâmbio e conhecer outros países. ;Uma chance como essas é principalmente uma esperança de melhorar de vida;, concluiu Sebastiana.
"A cidade é linda, linda. Nunca vou esquecer as praças. É tudo muito histórico, muito diferente de Brasília, que é moderna"
Bianca Aranha (E)
"Isso tudo vai melhorar muito o meu currículo, minha pronúncia do espanhol"
Larissa Pereira (D)