postado em 26/07/2010 08:22
Um mês após a publicação da nota técnica (1)do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), do Ministério da Justiça, que considera o celular um produto essencial, os consumidores continuam enfrentando dificuldade para realizar a troca imediata do aparelho com defeito ou para receber a devolução dos valores pagos. Os grandes fabricantes ; representados pela Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) ; garantem que estão abertos ao diálogo, mas o tom da conversa não é nada conciliatório. Afirmam que a decisão não possui fundamento jurídico e que, portanto, não tem validade legal. E avisam que estão dispostos a recorrer a outras medidas cabíveis, incluindo a Justiça, para resguardar seus direitos. Do outro lado está o Procon-DF, que tem tentado aplicar a determinação. Mas, diante de resistência, alega não ter competência técnica para garantir se o defeito é mesmo de fábrica ou provocado pelo usuário. Em caso de impasse, o caminho continua o de sempre: a assistência técnica.;Nós entendemos o celular como um produto essencial. No entanto, em casos de divergência, em que há alguma incerteza sobre se o defeito é de fábrica ou ocasionado pelo consumidor, será necessário levar o aparelho para uma assistência técnica, que tem profissionais capacitados para dissipar essa dúvida. Então, vamos trabalhar como antes. É necessário que o consumidor apresente um laudo;, explica o diretor do Procon-DF, Oswaldo Morais. O prazo para a emissão do laudo não é estabelecido pelo órgão.
Dessa forma, no Distrito Federal, a briga para que se cumpra a determinação do DPDC por meio da via administrativa pode levar, na melhor das hipóteses, cerca de 30 dias ; exatamente o tempo máximo previsto no Código de Defesa do Consumidor (CDC) para o conserto de qualquer produto em garantia, e não de um bem essencial. Isso porque a tramitação do processo é diferenciada por se tratar de um produto considerado essencial. Caso contrário, uma definição poderia levar até quatro meses.
Conciliação
Ao receber a reclamação, o órgão tenta a conciliação por meio de contato telefônico com a empresa. Se o problema não for resolvido, uma notificação é gerada e a empresa terá até cinco dias, a contar da data de recebimento, para se posicionar. ;Não havendo acordo, o consumidor terá que apresentar laudo da assistência técnica. Caso fique comprovado pelo laudo que o defeito é de fábrica e a loja se recuse a trocar o produto, a reclamação segue direto para o setor de conciliação, onde será emitido um termo de notificação ao fornecedor. A empresa terá prazo de 10 dias para apresentar defesa escrita. Todo esse processo pode levar até 30 dias;, admite Oswaldo Morais.
Obrigar o consumidor a esperar tanto tempo para ter a troca de um bem essencial com defeito, contudo, pode não ter resultados muito amenos. ;Se o laudo constatar que o problema é de fábrica e a loja se recusar a trocar, ela será multada entre R$ 212 e R$ 3,19 milhões. ;Esses valores variam de acordo com a gravidade da infração, a reincidência e o potencial econômico da empresa;, explica Oswaldo. ;Por isso, é importante o consumidor reclamar ao órgão porque as penalidades vão aumentando gradativamente;, acrescenta o diretor.
O servidor público Valmir Pereira de Assunção Júnior, 23 anos, já está há mais de 30 dias tentando trocar o seu aparelho. Ele comprou um Motorola Quench por cerca de R$ 1.100 no quiosque da Tim, em 15 de junho. ;No mesmo dia, logo após realizar a compra, fui à loja da Tim, também no ParkShopping, e verifiquei que o celular do mesmo modelo e que se encontrava no mostruário, ou seja, teoricamente com mais tempo de uso que o meu, estava em melhores condições. O aparelho que adquiri apresenta falha na montagem, com folga entre os botões e a capa;, conta Valmir. ;Tentei trocar o produto no quiosque três vezes. Também fui à loja da Tim, mas nada adiantou.;
Sem alternativa, ele recorreu ao Procon. ;Como ainda não havia a nota técnica do DPDC, mandaram-me procurar o Juizado Especial Cível;, lembra Valmir, que, dias depois, após a divulgação da decisão do Ministério da Justiça, retornou ao órgão. ;Então, registraram minha queixa. Mas até agora não tive notícia;, afirma. O Procon-DF informou que o processo do leitor está no setor de conciliação para gerar o termo de notificação.
Ao Correio, a TIM respondeu que ;já adota o prazo de sete dias corridos para troca imediata, nos casos de compra de aparelhos com defeitos de fabricação, nas lojas da operadora. Reitera ainda que está analisando os impactos envolvidos na recomendação proposta pela nota técnica, expedida pelo DPDC, para se posicionar sobre o assunto;. A operadora acrescentou que não recebeu nenhuma notificação referente ao caso do consumidor.
Período de transição
O DPDC garante que não recuará na decisão que considera o celular um bem essencial. No entanto, reconhece que, para a boa aplicação do procedimento, é necessário um período de transição. ;O grande objetivo da nota técnica é modificar a vida do consumidor, livrando-o da peregrinação às assistências técnicas, da demora no reparo do aparelho, das idas aos Procons para reclamar e para as audiências de conciliação. Todo o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor tem por objetivo que a nota seja cumprida em sua plenitude. Para tanto, é necessário haver uma compreensão nesse período de transição, que representa uma mudança de paradigma, de mudança de hábito;, explica a diretora substituta do DPDC, Juliana Pereira.
;Alguns fornecedores sinalizaram que estão se preparando para se adequarem à nota e nos procuraram para apresentar as etapas de transição porque é necessário ajustar rotinas e procedimentos de devolução de dinheiro, por exemplo;, conta Juliana. Entre os que demonstraram boa disposição em cumprir a nova determinação está a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) e a operadora Claro. Já os fabricantes estão irredutíveis. ;Com a Abinee não existe diálogo porque não há disposição para negociar. Eles entendem que a nota é ilegal;, afirma Juliana.
Voltar à estaca zero significa, por exemplo, ser obrigado a recorrer à Justiça para ter o direito garantido assim como o engenheiro de telecomunicações Filipe Andrei Lima de Andrade Moura, 29 anos. Ele comprou um celular da Nokia em outubro de 2008 por R$ 2.399. Em fevereiro do ano seguinte, quatro meses depois e ainda dentro do prazo de garantia, o aparelho apresentou problema. Ele o levou a uma assistência técnica. Alguns dias depois, o produto foi entregue com o mesmo problema e ele se recusou a retirá-lo da loja.
;Um mês após a abertura da segunda nota de serviço na autorizada, a Nokia entrou em contato comigo informando que iria trocar o aparelho. Mas eu disse que queria o dinheiro de volta, pois devido à demora no reparo, tive que comprar outro celular. O fabricante, no entanto, falou que não trabalhava com devolução de dinheiro, apenas com troca de produto. Reclamei ao Procon e não resolveu. Então, tive que entrar na Justiça. Pedi a restituição do valor pago e danos morais, mas só ganhei a devolução dos R$ 2.399;, conta Filipe.
1 - Nota técnica do DPDC
A decisão enriquece a interpretação ao Código de Defesa do Consumidor (CDC). Ao considerar o celular um bem essencial, os usuários desses produtos poderão, em caso de defeitos no aparelho, exigir de forma imediata a substituição do produto, a restituição dos valores pagos ou o abatimento do preço em um outro aparelho com base no parágrafo 3;, do artigo 18 do CDC.
Resposta
O parecer da Nokia
;A Nokia do Brasil lamenta os transtornos causados a Filipe Andrei e esclarece que adotou todos os procedimentos de pós-venda previstos na legislação brasileira e em seu programa Nokia Care. O procedimento de reparo do aparelho foi realizado pela Nokia do Brasil em prazo inferior ao determinado por lei. Ainda assim, oferecemos a ele outro telefone celular em substituição àquele que estava sendo reparado. Infelizmente, nossa oferta foi rejeitada, gerando uma demanda no Procon e prontamente atendida pela empresa. Reforçamos que, por meio de uma sofisticada estrutura de atendimento chamada Nokia Care, temos promovido um grande esforço para atender e solucionar as demandas trazidas por nossos clientes. Reafirmamos nosso compromisso com os consumidores.;
Para saber mais
Apoio dos 27 Procons
A nota técnica foi assinada pelo Departamento de Defesa do Consumidor (DPDC) do Ministério da Justiça e apoiada por todo o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDE) ; composto pelos 27 Procons dos estados e do Distrito Federal, Ministérios Públicos, Defensorias Púbicas e entidades civis que atuam na área. O parecer tomou como base a essencialidade do aparelho celular, o número significativo de queixas registradas no Cadastro de Reclamações Fundamentadas de 2009 e os poucos avanços obtidos na tentativa de negociação com o setor.
Hoje, segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), 92% dos domicílios brasileiros utilizam telefonia móvel, sendo que desse total 37% usam somente esse serviço. As regras mais duras, no entanto, não são resultado apenas da democratização da telefonia móvel. São também respostas às crescentes queixas recebidas pelos Procons de todo o país e das propostas insuficientes apresentadas pelo setor para resolver os problemas dos clientes. Entre todas as queixas registradas no Cadastro Nacional de Reclamações Fundamentadas, 24,87% dizem respeito aos aparelhos celulares. Desse percentual, em 37,46% dos casos o principal problema está relacionado ao cumprimento da garantia.