postado em 27/07/2010 08:13
Ao colocar o pé no centro histórico de cidades como Ouro Preto, Olinda ou Salvador, o visitante logo sabe que está em solo considerado Patrimônio Mundial. Não faltam placas com a informação nem guias que, antes de qualquer coisa, fazem questão de tocar no assunto. No Brasil, 17 localidades possuem o título concedido pela Unesco de maneira criteriosa. Brasília entrou para o seleto grupo em 1987, eleita Patrimônio Cultural da Humanidade. Mas, desde então, governo algum valorizou esse privilégio. Nunca se explorou turisticamente o fato de a capital do país compor a lista de lugares que despertam interesse universal e cujo desaparecimento seria encarado como uma enorme perda.O Correio esteve em alguns dos principais pontos de visitação da cidade. De 30 turistas abordados, nove afirmaram saber ou ter ouvido falar que Brasília obteve esse reconhecimento da Unesco. As outras 21 pessoas confessaram desconhecer o tema. Também pudera. Não existe, na capital federal, nada que exalte o título de tamanha relevância. Pesquisadores de turismo, representantes da iniciativa privada e do Governo do Distrito Federal são unânimes em reconhecer que a cidade não faz o básico para divulgar e se orgulhar da marca que possui.
A informação de que Brasília detém um título especial foi novidade para os irmãos Giovanny, 16 anos, e Sâmela da Silva, 12, e para a tia deles Francisca Cardoso, 30, os três de Tocantins. ;Estou gostando de conhecer os lugares que só via nos livros, mas não me lembrava disso, não;, disse ele, enquanto posava ao lado da irmã e da Estátua da Justiça, em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF). Na entrada do Palácio da Alvorada, a recifense Roberta Albuquerque, 29, também se surpreendeu com a notícia. ;Ah, é? Sabia de Olinda. Mas lá tem uma placa bem grande na entrada da cidade. Aqui, não vi nada;, comparou.
Desinformação
O superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no DF, Alfredo Gastal, considera vergonhoso Brasília não explorar o título de Patrimônio Mundial. ;Você anda pela cidade, vê 500 placas do Detran (Departamento de Trânsito), mas nada de indicações turísticas. Os governos nunca souberam utilizar essa marca para o desenvolvimento do turismo da cidade;, critica. ;Falta seriedade. Qualquer governo sério trataria isso como prioridade;, completou o vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis no DF (Abih), Plínio Rabello.
Brasília foi a cidade escolhida pelos primos João Vítor de Paula, 18 anos, e Heloísa Batista, 21, ambos estudantes e moradores de Manaus, para as férias de julho. Não porque a cidade é Patrimônio Cultural da Humanidade, até porque eles não sabiam disso. ;Sei que a cidade é planejada;, ponderou ela. ;Patrimônio Cultural? Não sei o que é;, confessou ele. Os dois tiravam fotos na Praça dos Três Poderes, onde as informações turísticas se limitam a escritos quase apagados em placas enferrujadas.
As eleições batem à porta e o incentivo ao turismo não aparece na lista de prioridades da maioria dos candidatos. A secretária adjunta da pasta, Jackeyline Mapurunga, ocupou o cargo há três meses. Com larga experiência na iniciativa privada, ela não sabe como os próximos governos vão tratar a pasta, mas tem na ponta da língua o que precisaria ser feito. ;É simples: precisamos ;vender; Brasília, algo que nunca foi feito;, comentou.
Para transformar o título da Unesco em marca registrada da cidade, o promotor de Defesa do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) Roberto Carlos Batista reforça que é necessário começar pelo básico: divulgar a capital com esse enfoque. ;No exterior, as pessoas já têm essa referência de Brasília. Mas no âmbito do território nacional, não. Simplesmente porque falta informação;, avalia.
Coordenadora do mestrado em patrimônio cultural do Centro de Excelência em Turismo (CET) da Universidade de Brasília (UnB), a professora Cléria Botêlho acrescenta que, ao não explorar o título concedido a tão poucos lugares, a capital do país perde turistas e deixa de movimentar muito dinheiro. ;Sem contar que poderia melhorar uma imagem desgastada, quase sempre associada às roubalheiras;, completa. ;Nossos governantes se esquecem de que turismo é investimento econômico e cultural;.
"Brasília é a expressão de um determinado conceito urbanístico, tem filiação certa, não é uma cidade bastarda. O seu facies urbano é o de uma cidade inventada que se assumiu na sua singularidade e adquiriu personalidade própria graças à arquitetura de Oscar Niemeyer e à sua gente"
Brasília revisitada ; Lucio Costa
Brasília revisitada ; Lucio Costa
Encontro
Brasília sedia até 3 de agosto a reunião anual do Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco, a primeira realizada no país. Mais informações pelo site: www.34whc.brasilia2010.org.br
Para saber mais
A diferença das comendas
Tombamento é uma coisa; o título de Patrimônio Mundial é outra. O primeiro trata-se de um ato administrativo emitido pelo poder público para preservar efetivamente, por intermédio de uma legislação específica, bens com valor material e cultural para a população. Significa que o bem em questão deve ser conservado, protegido e restaurado, permanecendo preservado para as futuras gerações.
A área tombada de Brasília é delimitada a leste pela orla do Lago Paranoá, a oeste pela Estrada Parque Indústria e Abastecimento (Epia), ao sul pelo Córrego Vicente Pires e ao norte pelo Córrego Bananal. São 112,250 quilômetros quadrados, sendo o sítio urbano tombado mais extenso do mundo. Abrange quatro regiões administrativas: Brasília, Cruzeiro, Sudoeste/Octogonal e Candangolândia.
O título de patrimônio mundial, por sua vez, é concedido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), após avaliação de um comitê formado por representantes de 21 nações, que se reúne anualmente para votar as proposições feitas pelos países que ratificaram a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, de 1972. O Brasil possui atualmente 17 sítios considerados patrimônio da humanidade, sendo 10 culturais ; entre eles Brasília ; e sete naturais. No mundo, são 890 localidades com esse título: 689 culturais, 176 naturais e 25 mistos.
Pacote pedagógico por R$ 799
Após a extinção da Brasiliatur(1) em maio deste ano, a Secretaria de Turismo do Distrito Federal ressurgiu com uma equipe formada, em grande parte, por representantes do setor na iniciativa privada. Enquanto estão no poder, os empresários que viraram governo repentinamente trabalham para implantar ações desvencilhadas de vontades partidárias. Um dos exemplos foi a retomada do Conselho de Desenvolvimento Turístico de Brasília (Condetur), parado há quase quatro anos. O grupo tem autonomia para tomar decisões, sem a necessidade da bênção do Executivo.
Assim que assumiu a pasta, a nova equipe também decidiu divulgar melhor iniciativas que já existiam, como o projeto O Brasil visita Brasília. Estudantes de todo o país podem visitar a capital federal por um preço muito abaixo do mercado. O pacote promocional, no valor médio de R$ 799 por pessoa, inclui três dias com hospedagem em hotel quatro ou cinco estrelas; café da manhã, almoço e jantar; city tour completo pela cidade, com a presença de guias; além das passagens aéreas de ida e volta. A ideia é incentivar o sentimento cívico-patriótico em relação à capital federal.
No último fim de semana, cerca de 40 estudantes cearenses estiveram em Brasília pelo projeto. Em agosto, está programada a visita de uma turma de São Paulo. Além dos alunos dos ensinos fundamental, médio e superior de qualquer lugar do país, os familiares deles também pagam o valor promocional. ;E os participantes ainda ganham um pen drive com todas as informações sobre a história de Brasília;, acrescenta a secretária adjunta de Turismo,
Jackeyline Mapurunga. Segundo ela, se não for pelo projeto, esses três dias na cidade não saem por menos do que R$ 2,8 mil.
O tour pedagógico envolve passeios guiados aos tradicionais Memorial JK, Congresso Nacional, Torre de TV e Catedral, mas também a pontos turísticos menos habituais, como o Museu de Valores do Banco do Central, o Quartel-General do Exército e o Jardim Botânico. Os grupos precisam ter, no mínimo, quatro pessoas. O projeto durará, pelo menos, até dezembro. Conta com o apoio do Brasília Convention & Visitors Bureau e da Associação Brasiliense de Agências de Turismo Receptivo (Abare).
Outras ações para estimular o turismo no DF estão em andamento. Em duas semanas, segundo Jackeyline, estarão prontos panfletos com informações básicas sobre a cidade. O material será distribuído no Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek. A secretaria também tem se esforçado para, antes da troca do governo, deixar os Centros de Atendimentos ao Turista (CATs) prontos para começar a funcionar. A secretária adjunta defende que os principais pontos turísticos de Brasília precisam ter lugares estruturados para a venda de souvenirs e apoio ao turista. (DA)
1 - Denúncias
A Brasiliatur foi criada, em 2007, para estimular o turismo do DF. Acabou sendo investigada pela Corregedoria e pelo Tribunal de Contas, alvo de denúncias como contratos assinados sem licitação e gastos excessivos com funcionários. A extinção do órgão foi uma das primeiras atitudes do governador Rogério Rosso.
Projeto
Alunos dos ensinos fundamental, médio e superior de qualquer lugar do país podem participar do projeto O Brasil visita Brasília. O preço médio do pacote para três dias é R$ 799 ; o valor varia um pouco para mais ou para menos, a depender do estado de origem. Familiares também pagam o preço promocional. Para participar, basta procurar uma agência credenciada à Tam Viagens. Outras informações na Secretaria de Turismo do DF, pelos telefones 3214-2701 ou 3214-2702, pelo site www.brasilvisitabrasilia.com.br.