Cidades

Mulher passa oito meses detida após ser absolvida de acusação

Isso, depois de já ter cumprido um ano e cinco meses de prisão

Renato Alves, Adriana Bernardes
postado em 28/07/2010 06:23
Aos 20 anos, com três filhos, Iara Cristina Silva recebeu uma ordem de prisão quando preparava o banho das crianças. De casa, em Ceilândia, ela seguiu para a Penitenciária Feminina do Gama. Era junho de 2008. Somente quatro meses depois, quando enfim teve acesso ao processo, soube que era acusada de sequestrar um gerente de banco em Formosa (GO), a 70km de Brasília. No fim de dezembro do mesmo ano veio a condenação: 14 anos e meio de cadeia. Apesar da grave acusação, por duas vezes, a Justiça errou com Iara. A primeira, ao sentenciá-la mesmo com falta de provas. A segunda, porque a manteve encarcerada por oito meses após reconhecer a inocência da acusada e mandar soltá-la imediatamente. O documento que colocaria a mulher em liberdade se perdeu em meio à burocracia do Judiciário.

Assim como aconteceu quando foi presa, após dois anos e um mês trancafiada, Iara sequer sabia da absolvição, concedida em 17 de novembro de 2009. Funcionários do presídio comunicaram a decisão dos magistrados goianos somente na última sexta-feira, ao ser informada que deixaria a cela. ;Quando a agente falou para eu juntar todas as minhas coisas, fiquei apavorada. Achei que ia para o seguro (isolamento). Perguntava: o que eu fiz, o que eu fiz? Aí ela disse que eu estava livre. Não acreditei;, lembra a jovem.

O sequestro pelo qual a doméstica acabou condenada ocorreu em 30 de outubro de 2006. O gerente foi abordado pelos bandidos e levado para a própria casa, onde estavam a mulher e os filhos do casal, além de um rapaz que morava com eles. O roubo ao banco acabou frustado pela polícia. Como sempre relatou aos policiais, ao promotor e ao juiz, Iara jura inocência. Afirma nunca ter pisado em Formosa. Reclama que durante todo o andamento do processo, não a colocaram cara a cara com as vítimas do sequestro. ;Eu pedi isso a juíza no dia que prestei depoimento. Mas não atenderam ao meu pedido;, lamenta.

Desde então, Iara e a família não tiveram forças nem dinheiro para lutar por justiça. Nunca puderam pagar por um advogado que se dedicasse integralmente à defesa dela. Nesse tempo, a única solicitação atendida pelo Tribunal de Justiça de Goiás foi permitir o cumprimento da pena no Distrito Federal. Iara queria ficar mais perto dos parentes, principalmente dos filhos pequenos, na época com três meses de vida, dois e quatro anos. ;Numa das visitas, minha mãe reclamou que estava passando necessidade. E que meu filho pedia as coisas e ela não tinha dinheiro para comprar. Foi um dia antes do Natal. Fiquei enlouquecida. Jurei que um dia ia provar minha inocência;, lembra.

Erro e desorganização
Mesmo após a Justiça goiana concluir que Iara era inocente e determinar a soltura dela em 17 de novembro de 2009, a liberdade não veio de imediato. Somente em 5 de fevereiro deste ano, a 1; Vara Criminal de Formosa enviou o alvará de soltura e a sentença dos desembargadores pelos Correios para a Vara de Execuções Penais (Vepema) do TJDFT. Quando os servidores do cartório da 1; Vara Criminal de Formosa receberam o comprovante com a assinatura de uma servidora da Vepema, arquivou o processo.

No entanto, Iara continuou presa em Brasília. Meses depois, descobriram o erro. Escrivão substituto da 1; Vara Criminal de Formosa, Newton Antônio da Silva Filho diz ter recebido ligações de funcionários do TJDFT em 16 de julho passado pedindo informações sobre o processo. ;Estranhei porque me lembrava vagamente de que essa mulher tinha sido absolvida. Peguei os autos no arquivo e constatei as duas coisas: ela tinha sido absolvida e, apesar disso, continuava presa;, relata.

Quando o Cartório de Formosa informou que havia enviado o alvará quatro meses antes, começou uma corrida contra o tempo para libertar a mulher. ;No mesmo dia, enviei os documentos por fax duas vezes a pedido do TJDFT. Na última sexta-feira, um funcionário da penitenciária onde ela estava presa veio buscar o alvará de soltura pessoalmente. Mesmo assim continuaram cobrando a carta precatória para soltá-la;, conta o escrivão.

Diante do problema, Newton relatou os fatos à juíza da 1; Vara Criminal de Formosa, Marina Cardoso Buchdid. Ela fez a carta precatória exigida pelo TJDFT e também um ofício para a Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Goiás. No documento, ela diz que ;mesmo convicta de que tomei todas as diligências cabíveis, por entender que a acusada não pode ser prejudicada pela desorganização do Poder Judiciário do DF, determinei na data de hoje a expedição de carta precatória para cumprimento de Alvará de Soltura;. E conclui: ;Considerando a gravidade da situação, estes são os informes que tenho a prestar para conhecimento e adoção das providências que vossa Excelência entender necessárias para o caso em apreço;. Enfim, na última sexta-feira, Iara foi libertada.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação