postado em 31/07/2010 07:00
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) denunciou na tarde de ontem o médico Dagmar João Maester por homicídio doloso qualificado pela morte da funcionária do Ministério das Cidades Kelma Macedo Ferreira Gomes, 33 anos. Ela morreu em 2 de abril deste ano após ser submetida a uma cirurgia plástica em Goiânia (GO). A denúncia qualifica o crime por motivo torpe, já que o médico teria assumido o risco ;de produzir o resultado morte;, tendo como objetivo ;obter lucro;. Caso condenado, Dagmar pode pegar de 12 a 30 anos de prisão, além de ter que pagar uma indenização total no valor de aproximadamente R$ 1,2 milhão por danos materiais e morais aos dois filhos da vítima, uma menina de 9 anos e um menino de 3.Para o promotor de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde (Pró-Vida), Diaulas Costa Ribeiro, o crime foi caracterizado por uma sucessão de omissões por parte do médico. ;Ele utiliza a prática de captar pacientes aqui para operar em Goiânia, sem oferecer qualquer tipo de referência médica para as pessoas procurarem na capital. Além disso, ele aceitou realizar o procedimento na paciente mesmo após ela ter recebido, de outros cirurgiões plásticos, contraindicação para a cirurgia;, explica Diaulas. O cirurgião Dagmar Maester é investigado pela morte de mais duas pacientes e também por causar mutilações em pelo menos outras oito mulheres ; todos os procedimentos realizados no estado de Goiás. Para o promotor, a atuação profissional do cirurgião pode ser comparada à do ex-médico Marcelo Caron (1). ;A diferença é que o Dagmar é habilitado para realizar as cirurgias, diferentemente do Caron;, analisa Diaulas.
Kelma Macedo realizou a cirurgia ; implante de próteses de silicone nos seios, abdominoplastia e lipoaspiração ; em 26 de março no Hospital Goiânia Leste e retornou para Brasília no dia seguinte, quando começou a se sentir mal e teve várias crises de tosse e falta de ar. ;Quando chegamos aqui e percebi que ela não estava bem, comecei a ligar para o médico e procurar alguma orientação. Mas não conseguimos falar diretamente com ele nunca. Ele sempre mandou recados e nem chegou a falar com a Kelma para saber o que ela estava sentindo;, indigna-se o marido da vítima, Fredson Ferreira Gomes.
De acordo com o MPDFT, apesar de usar a designação ;hospital;, o local onde foi realizado o procedimento cirúrgico de Kelma é, na verdade, um estabelecimento de ;porte médio;, que não dispõe de serviço de emergência nem de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Além disso, diferentemente do que determina o Conselho Federal de Medicina, a intervenção cirúrgica foi realizada sem o acompanhamento de um cirurgião auxiliar. Justamente para tentar coibir práticas como essa, entrou em vigor na última quinta-feira um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ; assinado entre o MPDFT, o Conselho Regional de Medicina (CRM) e a Vigilância Sanitária ; com uma série de novas regras a serem seguidas pelo setor de cirurgia plástica no DF. As clínicas foram divididas em quatro classificações, de acordo com a complexidade do procedimento que pode ser realizado no local.
1 - Em liberdade
O ex-médico Denísio Marcelo Caron foi acusado pela morte de cinco mulheres em decorrência de cirurgias plásticas. Descobriu-se que ele usava um diploma falso de especialização em operações estéticas. Em maio de 2003, a Justiça do DF decidiu levar Caron a júri popular sob acusação de homicídio doloso (por assumir o risco de matar). Em julho de 2009, ele foi condenado a 30 anos de prisão, mas recorre da sentença em liberdade.
A agonia de Kelma
11 de março ; Kelma Macêdo Ferreira Gomes faz uma consulta com o médico Dagmar João Maester em uma clínica no Guará I. Mesmo após vários profissionais contraindicarem a cirurgia, Maester aceita realizar os seguintes procedimentos: implante de silicone, lipoescultura e abdominoplastia.
25 de março ; Kelma vai para Goiânia (GO) realizar a cirurgia no Hospital Goiânia Leste.
26 de março ; A funcionária do Ministério das Cidades passa pela intervenção cirúrgica durante o período da manhã. O médico opera sem o acompanhamento de um cirurgião auxiliar, como é determinado pelo Conselho Federal de Medicina.
27 de março ; A paciente recebe alta às 8h e é liberada para retornar ao DF. À noite, Kelma apresenta forte dor de cabeça. O marido telefona para o técnico em enfermagem e para o anestesista responsáveis pelo procedimento, que receita o uso de um analgésico.
28 de março ; Kelma passa a apresentar um quadro de tosses frequentes e acentuada falta de ar.
29 de março ; Com o agravamento da tosse, a vítima começa a expelir sangue. O marido a leva à clínica no Guará I, onde foi realizada a primeira consulta, antecipando o retorno que estava marcado para o dia seguinte. Uma esteticista os recebe e diz que os sintomas são normais. Em seguida, ela realiza a primeira sessão de massagem. Os curativos das feridas são substituídos. A esteticista tenta contato com o médico. Maester orienta a suspensão de todas as medicações. À noite, a vítima passa por uma nova crise de tosse.
30 de março ; Kelma sofre com falta de ar. Sem conseguir falar com o médico, o marido envia uma mensagem de texto para o telefone celular do cirurgião, informando que levaria a mulher à clínica do Guará I e pedindo a presença de um médico no local. O marido suplica por atendimento, afirmando que ;os familiares estão extremamente preocupados;. Kelma vai à clinica. A mãe da paciente liga para o cirurgião, que recomenda a condução de Kelma a um hospital no dia seguinte. Ele promete visitá-la em 1; de abril, quando atenderia no DF. Com o agravamento do quadro da esposa, o marido leva Kelma, às 20h, à emergência do Hospital São Francisco, em Ceilândia. O quadro é diagnosticado como gravíssimo.
31 de março ; O médico Dagmar Maester visita Kelma e tranquiliza a família na sala de espera, dizendo que a paciente está bem, mas que a recuperação é lenta.
2 de abril ; Kelma morre às 11h50. O laudo do IML conclui que a morte ocorreu por pneumonia e embolia pulmonar.
Tragédia anunciada
Antes de conhecer o cirurgião Dagmar Maester, a assessora Kelma Macedo já havia visitado outros três especialistas que se negaram a realizar o procedimento de abdominoplastia. ;Não escolhemos fazer o procedimento em Goiânia porque era mais barato, mas porque ela estava cega para fazer a cirurgia e o médico foi o único que concordou;, relembra, emocionado, o marido da vítima. A paciente pagou R$ 10 mil pela cirurgia.
Com as crises de tosse da mulher ao retornar para casa, o marido tentou contatos constantes com o médico. ;Mandei uma mensagem de texto para ele, um apelo. Ele não me atendeu. O técnico dele dizia que tudo aquilo era normal. Se tivessem me falado desde o início para procurar um hospital, minha esposa não teria morrido;, lamenta Fredson. O cirurgião só visitou Kelma um dia depois de ela ter sido internada no Hospital São Francisco, em Ceilândia, já em estado gravíssimo.
Segundo o laudo do Instituto de Medicina Legal, Kelma morreu em consequência de pneumonia e embolia pulmonar. Procurado pelo Correio, Dagmar não foi encontrado para comentar a denúncia. A reportagem apurou que ele continua atendendo normalmente em Brasília, sempre às quintas-feiras. Ele também atua em uma clínica em Imperatriz, no Maranhão. (NO)
OUTRA VÍTIMA
O juiz da 4; Vara Cível de Brasília determinou que a Clínica Pacini, localizada na Asa Sul, pague pensão mensal de R$ 3,5 mil ao filho da jornalista Lanusse Martins Barbosa, que morreu após fazer uma lipoaspiração em janeiro deste ano. Em caso de descumprimento, o hospital sofrerá multa diária de R$ 1 mil, valor que será revertido à criança. A clínica tem prazo de 15 dias para contestar a decisão.