Cidades

Entrevista - Juca Ferreira

Atual presidente do Comitê de Patrimônio da Unesco, o ministro da Cultura afirma que a capital federal precisa corrigir as distorções entre a área tombada e as demais cidades do DF

Helena Mader
postado em 31/07/2010 07:00
Na comemoração de seu cinquentenário, Brasília recebeu mais de 800 convidados de 180 países. A reunião do Comitê de Patrimônio da Unesco, que começou no último domingo e segue até terça-feira, transformou a cidade na capital mundial das discussões sobre o tema. O destino de monumentos, cidades ou parques nacionais relevantes para toda a humanidade está sendo debatido aqui. À frente desse trabalho está o ministro da Cultura, Juca Ferreira, que, em julho do ano passado, foi eleito para presidir o Comitê da Unesco por um ano. Nesta 34; reunião da entidade, o Brasil teve papel relevante. E não foi apenas pelo fato de sediar o evento. O país atuou diretamente em negociações para incluir e retirar novos sítios da lista de bens classificados como patrimônio mundial da humanidade e até mesmo para buscar a conciliação entre países vizinhos que discordavam sobre a gestão de sítios localizados em suas fronteira ; caso da Tailândia e do Camboja. O protagonismo brasileiro no setor rendeu outros benefícios, como a instalação de um centro de formação de gestores em patrimônio no Rio de Janeiro, o sexto certificado pela Unesco em todo o mundo. Confira trechos da entrevista com o ministro Jucá Ferreira sobre a reunião do Comitê de Patrimônio da Unesco e sobre o tombamento de Brasília O ministro da Cultura reconhece que a realização do evento em Brasília chamou a atenção para algumas dificuldades decorrentes da expansão da cidade, como o trânsito cada vez mais caótico e a especulação imobiliária. ;Esses são problemas universais, principalmente nos países em desenvolvimento que buscam atender as necessidades básicas e gerar qualidade de vida para a sua população;, explica Juca Ferreira. ;Mas não adianta virar um país rico povoado de boçais. Queremos ser um país rico, mas que seja responsável com o patrimônio natural e que garanta a preservação do patrimônio cultural para as gerações futuras;, acrescenta o ministro. Juca Ferreira critica as diferenças urbanísticas entre o Plano Piloto, a área tombada, e as outras cidades mais distantes do centro de Brasília. Para ele, o GDF deveria focar os esforços na correção dessas distorções. ;Há formas de resolver isso e acho que o governo local deveria empenhar toda a atenção para isso. Não existe a justificativa de que o título de patrimônio significa um congelamento, a cidade é um organismo vivo, dinâmico;, finaliza. Duas Brasílias Segundo o ministro, o Brasil vem conquistando um importante espaço nas discussões sobre a preservação do patrimônio mundial Qual a importância de sediar a reunião anual da Unesco? De que forma isso contribui para melhorar a preservação do patrimônio brasileiro? O Brasil sempre foi muito presente na Unesco, sempre deu contribuições importantes para aprovar as convenções. Mas organizar, pela segunda vez, esta que é a reunião mais importante da entidade é um prestígio, um reconhecimento e amplia a nossa presença. Além disso, estamos organizando o evento em Brasília, cidade que foi o primeiro sítio moderno reconhecido pela Unesco em uma ousadia do Brasil. Estamos assumindo uma posição importante no cenário mundial, o país tem liderado movimentos no sentido de superar os processos de hegemonia, de unilateralidade nas decisões mundiais. Durante o trabalho do senhor à frente do Comitê do Patrimônio Mundial, quais foram as principais ações? O Brasil tem a imagem de um país que busca negociações, que procura sempre soluções pela via pacífica. Além disso, defendemos a diversidade cultural do mundo. Trabalhamos para reiterar a importância da Unesco, mas para lembrar a todos que a Europa e os Estados Unidos têm a maioria dos sítios classificados como patrimônio mundial, muito acima dos países árabes, por exemplo, que só têm 7% do total dos sítios. É preciso trabalhar para superar o eurocentrismo e para que se reconheça que a história da humanidade é feita de uma diversidade que exige da Unesco um olhar generoso para todos. O Brasil não tem nenhum sítio na lista do patrimônio em risco. Mas muitos monumentos, cidades e parques nacionais são pressionados pelo crescimento urbano ou pelo turismo predatório. Como evitar a degradação? Tanto o governo como a Unesco têm um sistema de avaliação permanente do estado de conservação de nossos sítios do patrimônio mundial. Atualmente, não temos nenhum sítio em risco, mas isso não significa que vamos reduzir a vigilância. Estamos fazendo o dever de casa, reduzimos o desmatamento em 47%, o que é um dado significativo. Com a realização do evento em Brasília, as irregularidades da cidade ficaram em evidência. Na avaliação do senhor, qual a gravidade dos problemas da capital federal? As pessoas me perguntaram muito sobre a situação de Brasília, mas a cidade tem problemas como qualquer outra. E nenhum deles é suficientemente grave para colocar em perigo o patrimônio. Aqui na cidade, temos automóveis demais, temos já uma especulação imobiliária razoável, observamos a desfiguração de fachadas, mas até agora estamos nos movendo dentro do padrão do projeto inicial do Lucio Costa. Existe algum risco a curto ou médio prazo de a cidade perder o título? É evidente que tudo isso tem solução. O assunto sequer foi discutido nas reuniões porque está dentro de um padrão aceitável. Mas o que mais me choca em Brasília é a diferença de padrão urbanístico entre o Plano Piloto, a área tombada, e o entorno da cidade. Há formas de resolver isso e acho que o governo local deveria empenhar toda a atenção para isso. Não existe a justificativa de que o título de patrimônio significa um congelamento, a cidade é um organismo vivo, dinâmico. Qual o problema mais recorrente tanto em Brasília como nas outras cidades que têm sítios classificados como patrimônio mundial? Os países em desenvolvimento têm problemas comuns, mas é preciso pensar em conciliar desenvolvimento e preservação. A demanda por energia e as necessidades da agricultura, da indústria e da população, isso tudo gera um acirramento desse conflito. Muitas vezes, acabamos ultrapassando os limites do sustentável. Esse é um problema universal. Mas não adianta virar um país rico povoado de boçais. Queremos ser um país rico, mas que seja responsável com o patrimônio natural e que garanta a preservação do patrimônio cultural para as gerações futuras. Quais foram as principais vitórias do Brasil nesta edição da reunião do Comitê do Patrimônio Mundial? Trabalhamos bastante para tirar as Ilhas Galápagos da lista do patrimônio em risco. O relatório técnico realizado previamente indicava a necessidade de o arquipélago permanecer na lista. Mas estive lá pessoalmente e percebi o esforço do governo para equacionar os problemas. Defendemos a retirada das ilhas da lista e, por fim, a decisão final foi nesse sentido. Foi uma vitória significativa. Também estamos na expectativa da aprovação da inscrição da Praça de São Francisco, em São Cristóvão (Sergipe). A região tem valor universal excepcional porque é uma amostra única da influência espanhola no nosso território. Quais são os próximos projetos do governo brasileiro para incluir outros sítios na lista da Unesco? Temos um trabalho para que a capoeira seja considerada um patrimônio imaterial mundial. O Rio de Janeiro também concorre para ser o primeiro sítio de uma nova categoria, o de paisagem cultural. Além disso, temos a candidatura de Paraty (no Rio de Janeiro), como sítio misto, ou seja, cultural e natural.

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