Naira Trindade
postado em 01/08/2010 09:26
Apesar do clima seco, o capim cresce ao redor dos túmulos dos seis cemitérios do Distrito Federal. A altura do mato e o lixo acumulado revelam o descaso. A poda, que deveria ser sistemática, não acontece com frequência. Além desse abandono, a insegurança preocupa funcionários e familiares. Uma semana após ser roubado dentro da administração do Cemitério de Taguatinga, na manhã do último dia 24, o vigilante diurno do local ainda apresenta um roxo no olho direito devido à agressão dos ladrões. Ele teve o colete e o revólver calibre .38 roubados. Algumas pessoas tiveram celulares levados e a administração amargou um prejuízo de R$ 3.780. Apesar de tantos problemas, um parecer da Procuradoria- Geral do Distrito Federal aponta para a impossibilidade imediata de quebra de contrato com a empresa que administra os cemitérios do DF, a Campo da Esperança.
Em 13 de maio deste ano, a procuradoria respondeu ao pedido de avaliação da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania do Distrito Federal (Sejus) sobre quais medidas deveriam ser tomadas para cancelar o contrato de concessão da empresa com o GDF. Um termo assinado em 2002 garante direito à Campo da Esperança de administrar os seis cemitérios durante 30 anos, prorrogáveis por 30. As reclamações de familiares começaram a surgir após aquele ano, quando os cemitérios ficaram sob nova direção. Falta de vigilância, roubos de crucifixos, descaso com áreas comuns e problema na limpeza lideram o relatório de apuração de irregularidades, feito pela própria secretaria. O Correio identificou as falhas no Plano Piloto, em Taguatinga e no Gama.
"Medida excepcional"
O parecer da procuradora do Distrito Federal Dina Oliveira de Castro Alves considera a intervenção governamental inadequada. "É uma medida excepcional e de natureza acautelatória do interesse público. Deve ser adotada em situações de emergência, em que a gravidade dos defeitos na prestação do serviço colocará em risco a integridade de pessoas e (ou) seu patrimônio. Haverá ameaça de danos irreparáveis ou de difícil reparação", descreve, no documento.
A alternativa apontada para o cancelamento dos serviços seria a extinção do contrato por caducidade, desde que respeitados os direitos de defesa da empresa. A procuradora alega que a Campo da Esperança não teve chance de se defender. "A caducidade assemelha-se a uma forma de rescisão unilateral do contrato de concessão, pelo poder concedente, em virtude do descumprimento de obrigações fundamentais por parte do concessionário", destaca o texto. No entanto, o parecer deixa claro que a decisão da rescisão do contrato não é da procuradoria, mas, sim, do GDF. Desde maio, o documento está nas mãos dos responsáveis pela Sejus. O Correio procurou o secretário de Justiça Geraldo Martins, que, por meio de assessoria de imprensa, alegou estar impossibilitado de dar entrevista por motivos de doença. O Ministério Público do Distrito Federal não quis se pronunciar sobre o assunto.
Pesa no bolso
Uma das irregularidades que incentivaram a Comissão Parlamentar de Inquérito dos Cemitérios da Câmara Legislativa a iniciar, em 2008, uma investigação sobre os cemitérios eram os altos custos dos serviços. O caso também foi apurado pelo Tribunal de Contas do DF. Ambos apontaram falhas na gestão. Em março deste ano, uma comissão do GDF comprovou as irregularidades e recomendou a rescisão contratual com a empresa. O secretário de Justiça da época, Flávio Lemos, estudava acertar os detalhes de como o governo iria gerir essa estrutura. Ele pensava em abrir concursos, terceirizar os serviços de segurança e manutenção e comprar equipamentos. Porém, no mesmo mês da iniciativa, ele deixou o governo.
O coordenador da Comissão de Assuntos Funerários da Secretaria de Justiça, Edson Lima, defende que todas as medidas devem ser pensadas com cautela para não piorar a qualidade dos serviços. "Assumir a administração de todos os cemitérios requer muito esforço. Temos a obrigação de fiscalizar e acompanhar os serviços. Recebemos muitas reclamações sobre falta de vigilantes, mas o contrato não prevê uma quantidade de funcionários. Na minha avaliação, o efetivo realmente é insuficiente", avalia.
A maneira de abordagem na hora da morte também merece atenção. "Os preços foram reajustados em 2003, 2004 e 2005. Depois, os aumentos acabaram vetados. Porém, durante a abordagem, as pessoas acabam contratando mais serviços que o necessário e o preço fica maior", esclarece Lima.
Assaltos à luz do dia e furtos de peças
Depois de uma semana do roubo, os traumas que o vigilante do Cemitério do Taguatinga (ele não se identificou e nem quis dar entrevistas) carrega vão muito além das marcas físicas. Pânico e medo traduzem os sentimentos vividos depois do assalto ocorrido por volta das 11h do dia 24 último. Temendo perder o emprego, todos os funcionários preferem desconversar sobre o crime, que está sendo investigado pela 17ª Delegacia de Polícia (Taguatinga). A Campo da Esperança informou, por meio da assessoria de imprensa, que as imagens da câmera de segurança serão cedidas aos policiais para que todos os criminosos sejam encontrados. A assessoria assegurou também que a empresa conta com 50 vigilantes nas seis unidades e que os cemitérios do Plano Piloto e de Taguatinga concentram a maior parte deles.
A vigilância mencionada pela empresa é contestada por familiares de sepultados. Advogado, Hilário Ricardo Oliveira, 75 anos, desistiu de comprar novos crucifixos para repor as peças furtadas. "Eu coloco, os ladrões tiram, eu instalo novamente, eles furtam de novo. Eles se dão ao trabalho de trazer ferramentas para arrancar o objeto, que é colado e parafusado", descreve. Os quatro túmulos de entes queridos do morador do Lago Norte são limpos e conservados por jardineiros contratados por ele. Por ano, Hilário desembolsa R$ 1.680 apenas com a manutenção.
Estragos
Os cuidados não impedem que os túmulos sejam estragados ou tenham peças retiradas. "Não há fiscalização constante. Plantamos uma flor diferente e, em poucos dias, a muda é arrancada", contou o advogado. Outro desrespeito cometido, segundo ele, por funcionários do cemitério danificou a pedra de mármore do jazigo e motivou Hilário a procurar uma loja de materiais de construção, comprar três colunas e colocar em volta ao túmulo. "Depois de podar as árvores, os funcionários insistiram em passar ao lado do jazigo do meu sogro com o caminhão. Porém, o espaço era estreito e parte do veículo enganchou e quebrou o mármore", explicou. "Esperamos que a empresa reconheça e conserte, mas até agora nada foi feito", acrescenta. A assessoria de imprensa da Campo da Esperança informou que o caso será verificado e pediu que familiares prejudicados procurem a administração para registrar uma ocorrência interna para apuração do caso.
Os preços
Custo dos serviços obrigatórios e opcionais
Perpetuidade/adulto ou criança
» Perpetuidade: R$ 716
» Sepultamento e inumação: R$ 36
» Jazigo (uma gaveta): R$ 386
» Aluguel de toldo: R$ 30
» Aluguel de cadeira: R$ 20
» Aluguel de capela de prata: R$ 146
» Castiçal: R$ 93
» Placa de mármore branco com plaqueta: R$ 170
» Manutenção das lápides: R$ 35 (mensal)
» Total: R$ 1.632
Arrendamento/adulto
» Arrendamento (10 anos): R$ 71
» Sepultamento e inumação: R$ 36
» Jazigo (uma gaveta): R$ 386
» Aluguel de toldo: R$ 30
» Aluguel de cadeira: R$ 20
» Aluguel de capela de ouro: R$ 178
» Castiçal: R$ 93
» Placa de mármore branco com plaqueta: R$ 170
» Manutenção das lápides: R$ 35 (mensal)
» Total: 1.019
Arrendamento /criança
» Arrendamento (10 anos): R$ 71
» Sepultamento e inumação: R$ 23
» Jazigo (uma gaveta): R$ 386
» Aluguel de toldo: R$ 30
» Aluguel de cadeira: R$ 20
» Aluguel de capela de
bronze: R$ 56
» Castiçal: R$ 93
» Placa de mármore branco com plaqueta: R$ 170
» Manutenção das lápides:
R$ 35 (mensal)
» Total: R$ 884
Fonte: Sejus
Memória
Terceirização questionada
Em março deste ano, o então secretário de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (Sejus), Flávio Lemos, decidiu rescindir o contrato com a empresa Campo da Esperança, responsável pela administração dos seis cemitérios existentes no Distrito Federal. A decisão foi baseada num relatório elaborado pelo Tribunal de Contas do DF (TCDF) e por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Legislativa, que apontava diversas irregularidades na gestão dos locais onde são enterrados os mortos, entre elas a falta de manutenção dos túmulos, de segurança e preços superfaturados. A ideia do ex-secretário era que o GDF assumisse o controle de tudo. Na época, Lemos montou uma Comissão de Assuntos Funerários em que discutia-se a contratação de pessoal, terceirização de alguns serviços, como vigilância e limpeza, além de aquisição de equipamentos. Flávio Lemos não chegou a implantar o projeto porque foi exonerado pelo então governador Wilson Lima no final daquele mês. Sua demissão teve relação direta com a prisão de um homem, em Taguatinga, que transportava R$ 104 mil. O autor da denúncia disse que o destino do dinheiro seria o chefe da Sejus.