postado em 02/08/2010 07:52
Candidata ao Senado Federal na chapa de Joaquim Roriz (PSC), Maria de Lourdes Abadia (PSDB) já experimentou saborosas vitórias, como em 1986, quando se elegeu deputada constituinte, e amargas derrotas, caso das últimas eleições. Em 2006, Abadia foi escolhida para representar o grupo de Roriz, mas, no meio da campanha, o ex-governador desmobilizou o apoio e passou a trabalhar para a vitória de Arruda. Na época, a política se sentiu traída. E passou os últimos três anos afastada das negociações políticas.Em 2010, Abadia não sabe o que esperar das urnas. ;É uma campanha diferente, as pessoas não estão motivadas, ficam caladas nas reuniões. O resultado será uma surpresa;, considera. O principal motivo da insegurança da tucana, no entanto, deve-se a ação de impugnação movida contra ela pelo Ministério Público por compra de votos. ;Fiquei muito envergonhada com essa história. E não consigo enxergar onde foi que errei. Estou sem entender se é uma questão jurídica ou política;, diz Abadia.
Curada da mágoa que a afastou de Roriz, a concorrente ao Senado resolveu sair do ostracismo político e subir no palanque do ex-governador, de quem já foi vice-governadora, mas também uma adversária, época em que se aliou a Cristovam Buarque (PDT). ;Não sou refém de nenhum político, de nenhum partido, coisa rara hoje em dia;, acredita. Confira a seguir os principais trechos da entrevista concedida pela candidato ao Senado ao Correio na última semana.
Como uma política que participou de todas as campanhas desde a independência política do Distrito Federal, a senhora consegue perceber diferença entre as campanhas atuais e as disputadas no passado?
Há um enorme diferença entre as disputas de antigamente e a campanha de hoje. Fui deputada constituinte, eleita em 1986, primeira vez que me candidatei. De todos os processos, esse é o que as pessoas estão menos motivadas, mais caladas, elas ouvem nas grandes reuniões, às vezes você percebe um ou outro concordando com o que você está falando, mas a maioria está muda. E aí não sei o que vai sair das urnas, porque a gente não pode adivinhar o que o calado pensa. Então, tanto na parte das reuniões comunitárias, de associações e, principalmente, entre os jovens, me preocupa muito a falta de interesse. Os jovens estão muito mais preocupados em saber se vai haver mais uma universidade pública no Distrito Federal do que em discutir os avanços democráticos, a vida política. Quando eles falam sobre políticos, a gente sente uma certa decepção.
A senhora não acha que os políticos de Brasília deram motivo para a decepção e o desinteresse das pessoas com a política?
Acho que sim. A gente vê pela campanha. Em 1986, todo muito era amador. Mas as pessoas estavam bastante envolvidas com o processo eleitoral, de uma maneira mais verdadeira. A gente ficava nos comitês, aí chegavam camelôs com sacos de camisetas. Naquela época, meu nome foi escrito de todas as formas possíveis. Maria de Lodes, Maria de Ludes, Maria Badia. Era um negócio tão espontâneo, tão folclórico, que a campanha da gente acabava que não tinha marca, porque você recebia lixinha de unha de um, chaveirinho de outro, aqueles espelhinhos feinhos, sabe, parecendo de boneca. Mas era uma coisa tão amorosa. Não existia esse profissionalismo de hoje. Na primeira campanha para governadora, cortaram o meu cabelo e me maquiaram tanto que no dia seguinte às gravações para a propaganda eleitoral as pessoas me perguntavam: ;Que cara é essa que você está, mulher? Isso não é você, não;. O negócio profissionalizou tanto, que você fica tanto nas mãos dos experts.
Como o processo eleitoral evoluiu desse ;negócio amador; para outro de proporções milionárias abastecido pelo caixa dois de campanha?
Houve uma comercialização da política, que virou um balcão de negócios. Antigamente, a gente conquistava os eleitores na campanha com promessa e, quando eleito, procurava cumprir os acordos. Mas agora é tudo diferente. Os próprios candidatos tinham o maior orgulho de trabalhar com um concorrente ao governo ou ao Senado. Um alimentava o outro, dava reforço na batalha. Hoje, há um tipo de candidato que chega para você e diz ;Eu tenho 200 mil votos e, se você quiser a minha parceria, preciso de R$ 1 milhão.; O próprio cabo eleitoral tem perguntado ;quanto é que vocês estão pagando para a gente trabalhar?;
O que a senhora tem respondido a essas propostas?
Que não tenho dinheiro para isso. Vou fazer campanha como sempre fiz, com a estrutura que eu tenho, as pessoas que conheço, na área rural, no Entorno. Meu trabalho será de pé no chão, participando das reuniões de mulheres, jovens, aposentados. Não terceirizo campanha.
Mas a senhora ainda não começou, efetivamente, a campanha. Por quê?
O processo eleitoral deste ano demorou em função do próprio tribunal, que levou um tempo para definir algumas regras da campanha. Além disso, as pessoas estão estranhando muito algumas imposições da lei, que proíbe, por exemplo, que o candidato ofereça café da manhã, almoço ou jantar para os eleitores. E olha que todo mundo cobra. De um lado é uma situação nova para o candidato e para os eleitores também. Sempre que perguntam se não vai ter um churrasquinho, eu digo ;vocês vão festar (sic) menos e prestar mais atenção nas propostas da gente;.
A senhora teme perder a ação de impugnação?
Essa história da impugnação me abalou muito. Foi a primeira vez na minha vida e feita logo pelo Ministério Público. Fiquei muito triste. E o pior é que não estou entendendo por que esse questionamento se tenho todas as certidões negativas emitidas pelos tribunais. Dizem que eu estava comprando votos durante uma reunião com o pessoal dos quiosqueiros. Todo candidato quando reúne com uma classe discute um plano de melhoria, não vai para tirar direitos adquiridos, vai dar esperança, dizer que vai lutar, que vai melhorar. Não sei onde está a compra de votos nesse contexto. Fui na reunião e prometi que ia ver com carinho a situação deles, que não tinham alvará para trabalhar. Alguém gravou e mandou para o Ministério Público. Quando julgaram, disseram que a punição era cassação de mandato e de registro. Mas não tinha nem uma coisa, nem outra. Transformaram numa multa, que eu paguei e tenho o recibo. Não entendo como o Ministério Público não tem essas provas arquivadas lá.
Trata-se de caça às bruxas?
Exatamente. E isso dá muita insegurança para a gente. Eu mesma não lancei ainda a minha campanha em respeito à Justiça. Não há um santinho meu por aí. Imagina se eu distribuo esse material e depois; Bem, eu tenho consciência de que não sou ficha suja. Fiquei muito envergonhada com tudo isso e quero ver até se o que ocorreu não representa calúnia.
A senhora pensou em desistir da campanha?
Jamais. Não sou de desistir, vou recorrer até o Supremo Tribunal Federal. Fui constituinte, entendo e respeito a Constituição. Votei para a criação do Ministério Público. Agora, quando vejo uma coisa dessas ocorrer comigo, fico insegura. Não sei o que está ocorrendo no meu país. Não sei se a questão é jurídica ou é política. A mesma coisa está acontecendo com o Roriz. Que eu saiba, ele não tem nenhuma condenação colegiada. Que eu saiba, não.
Joaquim Roriz é político controvertido. As gestões dele sempre foram permeadas por denúncias. A senhora não tem receio de estar vinculada a biografia de um político com atuação tão questionada, sempre sujeita a instabilidade jurídica?
Enxergo esses ataques pelo prisma político, em que há aliados e oposição. A gente acostuma a lidar com os adversários. Eu, por exemplo, fui vice do governador Roriz, mas em outro momento uma adversária dele. Ele é um líder muito combativo e sempre se pautou pela reforma urbana, os programas sociais, muito antes do Lula. Agora, isso é muito questionado pela elite, pelos acadêmicos e pela antiga esquerda, que hoje faz a mesma coisa. Do Roriz, ou você gosta, ou não. Não tem água morna.
A senhora já percorreu os dois extremos. E há quem atribua a oportunismo político;
Não é verdade. Sou uma pessoa que tem liberdade e moral para escolher com quem quero estar. Apoiei o Cristovam e hoje apoio Roriz. Não sou refém de nenhum político, de nenhum partido, coisa rara hoje em dia. Tenho muita identidade com Roriz, que tem compromisso com os menos favorecidos, com os mais pobres. Isso me motivou a me reaproximar de Roriz e fazer parte do grupo dele.
A facilidade com que os políticos transitam entre campos opostos dá um nó na cabeça dos eleitores e da própria militância. Caso clássico na atual campanha é o de Alberto Fraga (DEM), que se aliou a Roriz, mas tem sido sistematicamente vaiado pelos apoiadores do ex-governador, não é verdade?
Um político que nunca foi vaiado não é político. Isso aconteceu comigo no Palácio do Planalto. Foi uma vergonha nacional. Era aquele pessoal da Ágora, aquela organização não governamental que, inclusive, está sendo investigada numa CPI. Tinha substituído o governador Roriz e fui ao Palácio assinar um convênio com a presença de todos os governadores. Foi horrível. Como o Fraga acabou com o transporte alternativo, alcançou um grupo grande de pessoas que ficaram insatisfeitas com ele. São essas pessoas que têm mostrado certa resistência. Mas aí compete ao político saber identificar essas coisas. Até porque não é sempre que ocorre, é só entre determinados segmentos.
Há uma máxima nestas eleições de que não basta ganhar nas urnas. Muitos candidatos eleitos terão de levar na Justiça. A senhora acredita que é isso vai acontecer com a coligação de Roriz?
Confio que sim. Em todo Brasil, há a cultura da briga entre adversários e aliados, mouros contra cristãos. É bíblico. O bonito da democracia é que a gente vai para a guerra, o eleitor assiste e, depois, decide. Por isso, a gente não pode desertar, entregar as armas.