Adriana Bernardes
postado em 04/08/2010 08:34
Imagine a dor de uma mãe ao olhar para o filho e não reconhecer os traços do rosto da criança. Duas vezes em menos de uma semana, esse foi o sentimento experimentado pela manicura Iara Cristina Silva, 22 anos. Primeiro com a filha caçula, Maria*, separada dela aos três meses de vida e agora com 2 anos de idade. E, mais recentemente, com o filho do meio, Ricardo*, hoje com 4 anos. Ficar frente a frente com o menino aliviou um pouco a angústia. ;Mulher, foi bom, viu! Quando vi ele (sic) eu fiquei boba. Brinquei, mas brinquei tanto! Ele tá gordinho, espertinho, tá bonitinho demais;, comemora.A manicure ficou dois anos e um mês sem ver dois dos três filhos e o companheiro, Francisco Wilken Xavier. Ela foi presa em junho de 2008 e condenada pela Justiça goiana há 14 anos e seis meses por extorsão mediante sequestro(1) ocorrido em Formosa, em outubro de 2006. Um crime que Iara Cristina garante não ter cometido. Essa semana a jovem assinou uma procuração para que o advogado João Américo Pinheiro Martins avalie o seu processo.
Iara Cristina quer saber se tem direito a indenização do Estado por ter sido mantida presa durante todo esse tempo. ;O primeiro passo é avaliar o processo, verificar se houve erro e quem errou: se o estado de Goiás ou o DF. Se houve erro, vamos entrar com ação de indenização;, afirmou o advogado, sem adiantar valores.
O drama da mulher foi denunciado pelo Correio com exclusividade. Documentos a que a reportagem teve acesso revelam que a jovem foi absolvida em segunda instância pela Justiça de Goiás em 17 de novembro do ano passado. Nesse mesmo dia, os desembargadores expediram um alvará de soltura determinado que ela fosse colocada em liberdade imediatamente. Ainda assim, a Justiça do DF a manteve encarcerada até o último dia 23. Após a reportagem ser publicada, os dois tribunais abriram procedimentos para apurar os fatos. E o Conselho Nacional de Justiça cobrou explicações num prazo de 20 dias, a contar da última quinta-feira.
Planos
Ao falar sobre o futuro, Iara Cristina não tem dúvidas do que espera. Quer um lar para retomar a vida com o marido e os filhos, quer recompensar a mãe pelo sofrimento causado reformando a casa simples em Santa Maria Norte. Quer um emprego e planeja voltar a estudar. Apesar de saber o que quer, a jovem sente como se o passado não permitisse que ela siga em frente. Com o 4; ano do ensino fundamental concluído, lhe faltam estudo e qualificação profissional. Pesa ainda o fato de ser ex-presidiária. ;As pessoas te olham esquisito, é estranho;, diz, cabisbaixa.
Até para visitar os filhos em Ceilândia, Iara Cristina depende do dinheiro da mãe que mal dá para manter a casa. A prioridade dela é reconquistar o amor das crianças. Com os pais presos, as três crianças ficaram sob os cuidados de familiares. Maria passou a ser criada por uma prima Francisco. Ricardo vive com a avó paterna e, Pedro*, com a avó materna. Somente uma semana após ganhar a liberdade, Iara Cristina finalmente conseguiu reencontrar toda a família.
Como ela previa, Francisco soube de sua liberdade pela mídia e, na noite da última quinta-feira, saiu à sua procura. ;Mulher, foi bom. Ele até tocou em assunto de casamento. Mas falei para ele: `a gente pula para dentro do barraco e, mês que vem tem água, luz, aluguel para pagar, tem comida para comprar; não dá`. Precisamos juntar um dinheirinho primeiro;, constata.
O sonho de refazer o lar terá que ser adiado contra a vontade dos dois. No momento, o companheiro ; e pai dos três filhos dela ; divide um quartinho com o patrão no Gama, onde trabalha na construção civil. O salário é pouco para sustentar dois adultos e três crianças. Pelo menos por enquanto, Iara Cristina permanecerá na casa da mãe, uma residência simples, com apenas uma cama de casal ; onde dormem ela, a mãe e o filho mais velho ; , um banheiro sem instalação elétrica, uma sala conjugada com a cozinha e mobiliário modesto. ;Quando arrumar um emprego, quero reformar a casa da minha mãe, ela sofreu muito com tudo isso. Não merece morar desse jeito;, sonha.
* Nomes fictícios em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente
1 - Crime
O crime do qual Iara Cristina foi acusada ocorreu em 30 de outubro de 2006, em Formosa (GO) cidade distante 70km de Brasília. O gerente de contas de pessoas físicas da agência do Banco do Brasil foi feito refém, juntamente com a mulher, dois filhos e um outro funcionário do banco que morava em sua residência. O assalto ao banco acabou frustrado e a família foi libertada.