postado em 06/08/2010 08:01
Um total de 50 mil votos está sendo disputado de forma diferenciada no Distrito Federal. Trata-se da população LGBT ; composta por gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transgêneros ; de Brasília, que promete votar em candidatos que representem o movimento nas eleições de outubro. Segundo pesquisa(1) divulgada pelo grupo Estruturação, uma organização não governamental (ONG) que representa a categoria, 72% dos entrevistados participantes do segmento prometem eleger para a Câmara Legislativa candidatos que se assumam publicamente como integrantes do grupo. Para vencer a disputa, no entanto, não basta fazer parte da categoria, é preciso ter currículo. Segundo o mesmo levantamento, 48% dos entrevistados avaliam a trajetória do candidato antes de votar.;O resultado da pesquisa nos surpreendeu bastante. Não esperávamos uma aceitação tão grande com relação à orientação sexual dos candidatos;, considera o coordenador do Núcleo de Pesquisa da Estruturação, José Jance Marques. De olho no segmento, dois candidatos à Câmara Legislativa resolveram adotar o papel de defensores da bandeira LGBT, assumindo, abertamente, fazer parte do grupo. São jovens, atuantes na categoria, que viram na defesa da causa uma lacuna da política local. ;A nossa demanda é bem grande, por isso resolvi apostar em políticas transversais nesse sentido. O voto traz muito da identidade dos eleitores e é nisso que confio;, destaca o candidato do Partido Verde (PV) Julio Cardia, 26 anos.
Para Michel Platini, 27 anos, postulante a uma vaga a distrital pelo Partido dos Trabalhadores (PT), apostar na defesa do segmento, no entanto, também pode afastar votos. ;Essa é minha proposta porque acredito nela. Mas sei que, ao mesmo tempo em que construo alguns apoios, acabo perdendo votos de outros grupos. Vivemos em uma sociedade que ainda é muito preconceituosa;, analisa.
De acordo com a pesquisa, apesar de preferirem candidatos defensores da categoria, essa não é a única preocupação dos participantes do grupo LGBT. Os números mostram que um total de 69% dos entrevistados leva em conta a viabilidade das promessas dos candidatos. Além disso, mais de 80% conseguem lembrar em quem votaram nas últimas eleições, sendo que 60% afirmaram já terem entrado em contato com os candidatos que elegeram, cobrando as promessas de campanha. ;Como trata-se de uma categoria que tem um interesse forte em jogo, que é a aquisição de direitos, torna-se mais fácil um acompanhamento tão representativo do que é cumprido ou não por parte dos candidatos eleitos;, considera o cientista político Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília.
Propostas
Mesmo com o resultado da pesquisa, o cabeleireiro Wilson Pereira, um dos eleitores brasilienses representante da categoria LGBT, afirma que o que vai definir seu voto são as propostas apresentadas pelo candidato e não a opção sexual do concorrente. ;Seria até mesmo uma forma de discriminação às avessas eu descartar um candidato em quem eu acredito pelo fato de ele não ser gay;, considera. Ele revela, no entanto, que nas últimas eleições chegou a escolher concorrentes por conhecer a preferência sexual deles. ;Eram pessoas que fazem parte do segmento, mas não se assumiam publicamente. Hoje vejo que, mais do que isso, a pessoa tem que ter propostas interessantes. Se eu puder unir as duas coisas será ótimo;, diz.
No âmbito federal, a pesquisa mostra que os LGBTs da capital federal também podem fazer a diferença. Segundo os números levantados, 73% do grupo afirmaram que votarão em candidatos à Câmara Federal e ao Senado que prometerem apoiar projetos de lei sobre os direitos da minoria ; como o casamento, a adoção e a criminalização da homofobia. Apesar de o resultado da pesquisa, o especialista Leonardo Barreto lembra que até hoje não existe um exemplo de voto gay que tenha se destacado no Brasil. ;O mais próximo que tivemos nesse sentido foi a eleição do Clodovil(2). E mesmo assim não era um voto exclusivo do grupo, até porque o candidato não se dizia um representante do segmento. Caso isso realmente ocorra será uma novidade;, avalia.
1 - Dados
O DF possui hoje cerca de 50 mil LGBTs aptos a votar, segundo o grupo Estruturação. A pesquisa feita pela ONG aplicou questionários com 128 questões para 318 pessoas em locais próprios de concentração do segmento na capital. Um total de 10 perguntas referia-se ao comportamento político dos entrevistados. Apenas integrantes assumidos do grupo participaram. A pesquisa foi realizada entre 3 e 15 de julho.
2 - Força
Clodovil Hernandes candidatou-se ao cargo de deputado federal por São Paulo nas eleições de 2006. Com slogans que faziam referências explícitas à sua homossexualidade, o ex-apresentador de televisão, então filiado ao Partido Trabalhista Cristão (PTC), recebeu 493.951 votos e foi o terceiro deputado mais votado em todo o estado, atrás somente de Paulo Maluf e Celso Russomano, ambos do Partido Progressista (PP). Após eleger-se deputado federal, Clodovil trocou o nanico PTC pelo PR (antigo PL). O parlamentar morreu em 2009.
"Sei que, ao mesmo tempo que construo alguns apoios, acabo perdendo votos de outros grupos. Vivemos em uma sociedade que ainda é muito preconceituosa"
Michel Platini, que disputa uma vaga de distrital
Michel Platini, que disputa uma vaga de distrital
"O resultado da pesquisa nos surpreendeu bastante. Não esperávamos uma aceitação tão grande com relação à orientação sexual dos candidatos"
José Jance Marques, coordenador do Núcleo de Pesquisa da EstruturaçãoPalavra de especialista
DF pode sair na frente
O grupo LGBT no Brasil ainda não mostrou seu potencial, nem elegeu um representante. Caso isso ocorra nestas eleições, e ainda por cima aqui no Distrito Federal, será realmente uma novidade. Um total de 50 mil votos, que é o representativo dessa categoria da população, é mais do que o suficiente para eleger um distrital. Para garantir a vitória de um deputado federal, por sua vez, precisaria de mais força. Mesmo assim, a iniciativa de trazer os ideais dos adeptos desse segmento da sociedade para a política é uma experiência bem interessante, principalmente como bandeira. O que também deve ser destacado como algo novo é a questão, por parte dos políticos, de assumirem a sua condição pessoal publicamente. Trata-se de uma realidade normal em países com uma história eleitoral mais antiga, como os Estados Unidos e a Europa, que trabalham bem essa iniciativa, mas que no Brasil ainda não se destacou.
Leonardo Barreto, cientista político
Leonardo Barreto, cientista político
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