Cidades

População LGBT promete votar em candidatos que representem o movimento

Pesquisa do grupo Estruturação mostra que 72% dos gays querem eleger candidatos a distrital com a mesma orientação sexual e 73% preferem escolher concorrentes que defenderão projetos de interesse das minorias no Congresso Nacional

postado em 06/08/2010 08:01
Um total de 50 mil votos está sendo disputado de forma diferenciada no Distrito Federal. Trata-se da população LGBT ; composta por gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transgêneros ; de Brasília, que promete votar em candidatos que representem o movimento nas eleições de outubro. Segundo pesquisa(1) divulgada pelo grupo Estruturação, uma organização não governamental (ONG) que representa a categoria, 72% dos entrevistados participantes do segmento prometem eleger para a Câmara Legislativa candidatos que se assumam publicamente como integrantes do grupo. Para vencer a disputa, no entanto, não basta fazer parte da categoria, é preciso ter currículo. Segundo o mesmo levantamento, 48% dos entrevistados avaliam a trajetória do candidato antes de votar.

O cabeleireiro Wilson Pereira afirma que o decisivo mesmo são as propostas apresentadas pelo candidato;O resultado da pesquisa nos surpreendeu bastante. Não esperávamos uma aceitação tão grande com relação à orientação sexual dos candidatos;, considera o coordenador do Núcleo de Pesquisa da Estruturação, José Jance Marques. De olho no segmento, dois candidatos à Câmara Legislativa resolveram adotar o papel de defensores da bandeira LGBT, assumindo, abertamente, fazer parte do grupo. São jovens, atuantes na categoria, que viram na defesa da causa uma lacuna da política local. ;A nossa demanda é bem grande, por isso resolvi apostar em políticas transversais nesse sentido. O voto traz muito da identidade dos eleitores e é nisso que confio;, destaca o candidato do Partido Verde (PV) Julio Cardia, 26 anos.

Para Michel Platini, 27 anos, postulante a uma vaga a distrital pelo Partido dos Trabalhadores (PT), apostar na defesa do segmento, no entanto, também pode afastar votos. ;Essa é minha proposta porque acredito nela. Mas sei que, ao mesmo tempo em que construo alguns apoios, acabo perdendo votos de outros grupos. Vivemos em uma sociedade que ainda é muito preconceituosa;, analisa.

De acordo com a pesquisa, apesar de preferirem candidatos defensores da categoria, essa não é a única preocupação dos participantes do grupo LGBT. Os números mostram que um total de 69% dos entrevistados leva em conta a viabilidade das promessas dos candidatos. Além disso, mais de 80% conseguem lembrar em quem votaram nas últimas eleições, sendo que 60% afirmaram já terem entrado em contato com os candidatos que elegeram, cobrando as promessas de campanha. ;Como trata-se de uma categoria que tem um interesse forte em jogo, que é a aquisição de direitos, torna-se mais fácil um acompanhamento tão representativo do que é cumprido ou não por parte dos candidatos eleitos;, considera o cientista político Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília.

Propostas
Mesmo com o resultado da pesquisa, o cabeleireiro Wilson Pereira, um dos eleitores brasilienses representante da categoria LGBT, afirma que o que vai definir seu voto são as propostas apresentadas pelo candidato e não a opção sexual do concorrente. ;Seria até mesmo uma forma de discriminação às avessas eu descartar um candidato em quem eu acredito pelo fato de ele não ser gay;, considera. Ele revela, no entanto, que nas últimas eleições chegou a escolher concorrentes por conhecer a preferência sexual deles. ;Eram pessoas que fazem parte do segmento, mas não se assumiam publicamente. Hoje vejo que, mais do que isso, a pessoa tem que ter propostas interessantes. Se eu puder unir as duas coisas será ótimo;, diz.

No âmbito federal, a pesquisa mostra que os LGBTs da capital federal também podem fazer a diferença. Segundo os números levantados, 73% do grupo afirmaram que votarão em candidatos à Câmara Federal e ao Senado que prometerem apoiar projetos de lei sobre os direitos da minoria ; como o casamento, a adoção e a criminalização da homofobia. Apesar de o resultado da pesquisa, o especialista Leonardo Barreto lembra que até hoje não existe um exemplo de voto gay que tenha se destacado no Brasil. ;O mais próximo que tivemos nesse sentido foi a eleição do Clodovil(2). E mesmo assim não era um voto exclusivo do grupo, até porque o candidato não se dizia um representante do segmento. Caso isso realmente ocorra será uma novidade;, avalia.

1 - Dados
O DF possui hoje cerca de 50 mil LGBTs aptos a votar, segundo o grupo Estruturação. A pesquisa feita pela ONG aplicou questionários com 128 questões para 318 pessoas em locais próprios de concentração do segmento na capital. Um total de 10 perguntas referia-se ao comportamento político dos entrevistados. Apenas integrantes assumidos do grupo participaram. A pesquisa foi realizada entre 3 e 15 de julho.

2 - Força
Clodovil Hernandes candidatou-se ao cargo de deputado federal por São Paulo nas eleições de 2006. Com slogans que faziam referências explícitas à sua homossexualidade, o ex-apresentador de televisão, então filiado ao Partido Trabalhista Cristão (PTC), recebeu 493.951 votos e foi o terceiro deputado mais votado em todo o estado, atrás somente de Paulo Maluf e Celso Russomano, ambos do Partido Progressista (PP). Após eleger-se deputado federal, Clodovil trocou o nanico PTC pelo PR (antigo PL). O parlamentar morreu em 2009.

"Sei que, ao mesmo tempo que construo alguns apoios, acabo perdendo votos de outros grupos. Vivemos em uma sociedade que ainda é muito preconceituosa"
Michel Platini, que disputa uma vaga de distrital


"O resultado da pesquisa nos surpreendeu bastante. Não esperávamos uma aceitação tão grande com relação à orientação sexual dos candidatos"
José Jance Marques, coordenador do Núcleo de Pesquisa da Estruturação


Palavra de especialista
DF pode sair na frente

O grupo LGBT no Brasil ainda não mostrou seu potencial, nem elegeu um representante. Caso isso ocorra nestas eleições, e ainda por cima aqui no Distrito Federal, será realmente uma novidade. Um total de 50 mil votos, que é o representativo dessa categoria da população, é mais do que o suficiente para eleger um distrital. Para garantir a vitória de um deputado federal, por sua vez, precisaria de mais força. Mesmo assim, a iniciativa de trazer os ideais dos adeptos desse segmento da sociedade para a política é uma experiência bem interessante, principalmente como bandeira. O que também deve ser destacado como algo novo é a questão, por parte dos políticos, de assumirem a sua condição pessoal publicamente. Trata-se de uma realidade normal em países com uma história eleitoral mais antiga, como os Estados Unidos e a Europa, que trabalham bem essa iniciativa, mas que no Brasil ainda não se destacou.

Leonardo Barreto, cientista político


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