postado em 09/08/2010 08:29
Na linha que descreve a trajetória de uma vida, jovens e idosos estão em lados contrários. Para descobrir como esses grupos se relacionam e se enxergam mutuamente, um professor e uma aluna do mestrado em gerontologia da Universidade Católica de Brasília (UCB) decidiram mergulhar no chamado abismo de gerações. ;A intenção era identificar se havia conflito entre jovens e idosos e se as escolas investem em uma educação gerontológica, que inclua os mais velhos nas questões da sociedade;, frisou o professor que coordenou a iniciativa, Vicente Paulo Alves. Ele atenta que, em 2025, haverá mais idosos do que jovens no país, e a sociedade não está se preparando para essa inversão.Para Alves, o olhar atento às gerações mais antigas é essencial a fim de eliminar preconceitos ; como a visão errônea de que idosos são solitários e esquecidos pela comunidade ; e preparar os mais novos, que também precisarão encarar essa fase da vida. As conclusões apontam: existe uma abertura mútua para que os dois grupos se entendam, mas é preciso estimular a convivência e as trocas entre eles. O preconceito velado também surgiu em algumas declarações. As respostas mais frequentes apontam que idosos são vistos como coitados e abandonados. Os mais velhos, por outro lado, acreditam que a juventude não os respeita e que vive em outro mundo.
O estudo revelou ainda que os mais novos, de forma geral, desconhecem a realidade dos idosos. Cerca de 61% dos mais jovens que participaram da pesquisa responderam que a juventude é o período em que se obtém mais satisfação na vida. Apenas 43% dos idosos concordaram com a afirmativa. ;A visão dos idosos em relação à velhice é mais positiva, enquanto os jovens enxergam o envelhecimento como algo extremamente negativo. Por isso, é preciso prepará-los;, reflete o professor.
Questionários
A pesquisa foi feita com 54 jovens de oito escolas públicas do Plano Piloto e de Taguatinga, e com mais 54 idosos moradores das áreas próximas a essas escolas. Todos eles responderam a dois questionários. No primeiro, era preciso escolher entre duas colunas de alternativas opostas. O questionário seguinte trazia 20 frases afirmativas e os participantes deviam descrever como se sentiam em relação a elas. Na etapa seguinte, cinco jovens e cinco idosos foram convocados para entrevistas com os pesquisadores. No grupo do alunos, havia representantes com idade entre 13 e 24 anos. Entre os idosos, a idade variou de 60 a 79 anos.
O professor coordenou o projeto, mas a autora da ideia é a pedagoga Carla Bianca Zanon, que decidiu unir dois temas sagrados para concluir o mestrado pela Universidade Católica de Brasília. ;Trabalho com jovens e sempre gostei de idosos. Notei que existe esse preconceito e decidi unir as duas coisas. Acredito na educação como forma de prevenção dos problemas;, explicou. No caminho percorrido ao longo de dois anos, ela tem convicção de que confirmou sua hipótese inicial: a de que existe um preconceito velado entre as gerações e que não há ainda um trabalho pedagógico concreto que tenha como função dirimir tais diferenças. A pesquisadora afirma não ter encontrado nenhuma escola que ofereça um projeto contínuo e consistente para estimular essa interação.
A compilação de dados também revelou diferenças entre a linguagem escrita e o comportamento pessoal, percebido nas entrevistas presenciais. No questionário, apontou a pedagoga, os jovens expressavam uma visão mais positiva a respeito dos mais velhos. ;Mas durante as entrevistas, os preconceitos foram desvelados. Surgiram respostas apontando, por exemplo, que idosos são lentos, rabugentos, desaprenderam a dirigir, não sabem se relacionar com a tecnologia;, esclareceu.
Convivência
Apesar de ter apenas 17 anos, o estudante Thiago Fiuza estabeleceu uma relação diferente com a avó, com quem mora há cerca de quatro anos. ;Essa mudança me fez entender a velhice. Antes, eu achava que idosos eram pessoas que viviam trancadas em casa, mas minha avó é completamente diferente disso. Ela não para quieta e sobe até em árvore, para catar manga e fazer suco;, diverte-se. Entre as peripécias de Terezinha (a avó) que Thiago mais gosta de contar, está sua animação em devolver a bola de futebol, para que a pelada dos netos continue. Acabou machucando o dedão do pé.
Existe o lado aborrecido, admite o adolescente. A avó reclama da bagunça, do excesso de jogos eletrônicos em detrimento dos deveres de casa e até de algumas roupas usadas pelo neto, que ela classifica como peças de vestuário típicas de ;trombadinha;. Nada, porém, que machuque a relação dos dois, explica Thiago: ;Nossos problemas se resolvem rapidinho. A gente conversa, não esconde nada e não guarda rancor;.
Conviver com a diferença de idade não é novidade para a bombeira civil Junara Dantas de Sousa, 25 anos. Afinal, desde os três anos ela mora com os avós, Antônio Celeste e Raimunda Pereira, hoje com 84 e 90 anos, respectivamente. O maior conflito que enfrenta em casa é a luta para garantir a liberdade de ir e vir quando quiser. Os avós têm medo da violência e estão sempre tentando demovê-la das viagens e dos programas noturnos. ;Eles também se preocupam com o tamanho das roupas e não lidam bem com tatuagens, piercings, homossexualidade, coisas que a minha geração já vê como naturais. Mas compreendo como eles se sentem e me coloco sempre no lugar deles. Antigamente, as coisas eram diferentes;, ressalta.
Além de tutores, os avós são um espelho para o futuro da neta. Com os dois, ela aprende a ter alguns cuidados que, no futuro, serão essenciais para uma vida melhor e mais saudável. A avó foi sedentária durante toda a vida e hoje enfrenta uma osteoporose severa. As lições de vida são retribuídas com doses diárias de cuidado e carinho. ;Sempre faço massagem na minha avó, levo os dois ao médico, me lembro dos horários dos remédios.;
Dona Raimunda também sofre com a resistência dos netos à educação que recebeu na mocidade. O motivo principal de discussão é mesmo a inclinação à vida noturna das netas. ;Gostaria que elas não saíssem de vez em quando. Eu fui criada meio presa, só ia a festas com meus pais. Mas às vezes dou até razão. Todo jovem de hoje gosta de se divertir;, cedeu. Ela acredita que existe uma dificuldade por parte dos mais novos em entender a forma como as gerações anteriores enxergam o mundo. Mas a saída, ensina, é se acalmar. ;Acabo me conformando e, no fim, cada um cede um pouquinho;, admitiu.
"A visão dos idosos em relação à velhice é mais positiva, enquanto os jovens a enxergam como algo negativo"
Vicente Paulo Alves, coordenador da pesquisa
Vicente Paulo Alves, coordenador da pesquisa
O estudo sugere medidas para a aproximação entre jovens e idosos:
; Não basta alterar os conteúdos escolares, é preciso elaborar políticas públicas eficientes e práticas, estimulando atitudes que mudem comportamentos preconceituosos contra idosos
; O assunto pode ser incluído entre os temas chamados transversais, em que estudantes trabalham o preconceito contra negros ou homossexuais, por exemplo. A oportunidade de se aproximar desses assuntos transforma jovens em cidadãos mais críticos e conscientes
; Ações pontuais, como chamar idosos para atividades esporádicas no ambiente escolar, não adiantam, por serem superficiais e fragmentadas. Para criar o vínculo entre essas diferentes gerações, as ações desenvolvidas devem ser contínuas e permanentes
; Estimular o contato entre crianças e idosos. Segundo a pesquisa, quanto maior a convivência entre eles, mais palavras otimistas e positivas são usadas para descrever o outro grupo
; Desenvolver atividades em parceria. Aprender junto é um dos laços que podem reaproximar membros da família e estreitar relacionamentos
; Para estimular a convivência, uma saída é aproveitar os recursos já existentes na escola. Um laboratório de informática, por exemplo, pode ser usado por crianças pela manhã e adultos à noite; pessoas de diferentes idades que aprendam juntos no período da tarde. Assim, o conhecimento é construído no contexto social e nasce de uma experiência social
; O trabalho descreve um estudo que mostra a importância de um currículo flexível, em que idosos e professores trabalhem juntos para minimizar atitudes negativas em relação à velhice. Os alunos poderiam ser estimulados a discutir estereótipos, por meio de lições de história geral e do Brasil, as relações governamentais, a civilização ocidental e a economia, levantando questões relacionadas ao envelhecimento
; Outra sugestão é recorrer à linguagem audiovisual, que cada vez mais ganha a atenção de crianças e de jovens. Dois pesquisadores citados no estudo criaram uma espécie de kit para crianças com idade entre 10 e 11 anos, contendo filmes e material impresso positivo em relação à velhice. O aprendizado informal passa a fazer parte da formação de crenças dessas crianças
; O programa Sesc Gerações criou atividades que envolvem gerações diferentes em um sistema de troca de conhecimentos. O resultado foi a melhora na comunicação entre os envolvidos, uma reflexão profunda sobre o envelhecimento, um ambiente familiar mais harmônico, a criação de vínculos afetivos dentro e fora da família, o resgate e a preservação da memória, a cooperação mútua, a solidariedade, a troca de experiências e até a melhoria no desempenho escolar.