Cidades

"Rafael só me deixou amor", diz Cissa Guimarães em passagem por Brasília

Ela fala ao Correio sobre a dor de perder o filho e como o trabalho e o humor a têm consolado

postado em 12/08/2010 07:00
;Estou sangrando, estou na CTI. Mesmo passando pela pior tragédia de todas, estou sentindo um amor muito grande pela vida, pelas pessoas. Rafael só me deixou amor.; Em Brasília para participar do evento Escritores brasileiros, realizado na noite de ontem no Centro Cultural Banco do Brasil, a atriz Cissa Guimarães concedeu uma entrevista exclusiva para o Correio. A princípio, deveriam ser evitadas perguntas sobre a perda do filho, atropelado no Rio de Janeiro, em 20 de julho, quando andava de skate num túnel fechado para manutenção. Mas como uma mãe poderia passar por cima da dor e falar de sua vida e projetos de trabalho sem se lembrar do que não se pode esquecer?

O trabalho tem sido o bálsamo de Cissa. A tristeza está no olhar, mas participar de um projeto de literatura é algo que estimula a atriz. ;Anteontem e ontem acordei mal, não consegui sair de casa. Física e energicamente é um esforço enorme, mas hoje acordei bem porque vinha para cá;, contou. O motivo é sua forte relação com os livros, por influência do pai, o médico Ugo Pinheiro Guimarães, cuja biblioteca continha exemplares autografados por Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade. Aos 10 anos, já lia Machado de Assis e Eça de Queiroz. ;Gosto de participar de qualquer projeto ligado a literatura, me sinto honrada por estar ao lado de pessoas que reverencio;, afirmou, em referência ao homenageado da noite, o escritor Luis Fernando Verissimo, que conheceu aos 22 anos quando montou, ao lado do então marido, Paulo César Pereio, a peça O analista de Bagé, baseada em texto escrito pelo gaúcho.

O neto José, de 1 ano, filho de seu primogênito, Thomaz, tem sido outro alento para a atriz, que o considera o maior presente que recebeu nos últimos tempos. ;Não sabia que ainda conseguia amar tanto e com essa qualidade. Achava que não cabia mais;, disse.

Cissa chegou a Brasília por volta das 15h, acompanhada de sua sócia e produtora, Maria Siman. Elas almoçaram no restaurante Oca da Tribo com o coordenador de evento, Marcelo Andrade, Luis Fernando Verissimo e a esposa dele, Lucia. Terminado o almoço, por volta das 16h30, retornou ao hotel no qual se hospedou e só saiu por volta das 18h, num carro da produção, e seguiu para o CCBB, onde chegou amparada por Maria.

Às 20h10, Cissa passou pela cortina que separava a coxia do palco e sentou-se ao lado de Verissimo, que acabara de dar uma palestra sobre sua trajetória. Posicionou o microfone e saudou o público. ;É um prazer, muito obrigada. Estar aqui só me dá força. Aconteceu tudo isso e nem por um minuto pensei em não vir, porque é exatamente o que me faz bem. Meus filhos foram educados com muita literatura e ele (Rafael) deve estar muito contente de me ver aqui. Não estou na minha melhor fase, mas estou contente de estar aqui;, afirmou, sob aplausos reverentes e respeitosos dos cerca de 350 espectadores presentes. Outras 130 pessoas não conseguiram vaga no teatro e assistiram ao evento por um telão instalado no bistrô do CCBB.

Cissa já começou fazendo o público rir ao comentar gracinhas do neto, provocando Verissimo, que acabara de contar algumas estripulias da neta, Lucinda, de 2 anos. Pediu licença ao autor para improvisar sobre os textos selecionados e, durante a leitura das cinco crônicas, nenhuma delas ainda publicada em livros, a atriz levou o público várias vezes às gargalhadas. Diferentemente do que se esperava, a atriz permaneceu no palco durante a meia hora em que os espectadores fizeram perguntas ao escritor. Ninguém perguntou a ela sobre o filho. Apenas uma mulher lembrou o caso ao dizer que a dor de uma mãe é impossível de descrever. No fim do bate-papo, a mesma espectadora presenteou Cissa com um livro, em um dos momentos emocionantes da noite.

Terminado o evento, fica a certeza de que o humor é fundamental para que Cissa mantenha sua energia equilibrada, ligada, como ela mesma diz, em 220 volts. ;Há muitos anos, já dizia às pessoas que não sabia o que era mais importante, se o amor ou o humor. De que adianta amar alguém e não poder gargalhar com ele? Estou no pior momento da minha vida e tenho amigos fundamentais, engraçados. Saio com eles e quando vejo estou rindo. Preciso do humor como do remédio que a médica me passou;, concluiu.

Colaborou Luiz Calcagno

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação