Cidades

Detran instalou barreiras sem avaliação

Documento obtido com exclusividade pelo Correio mostra que 112 equipamentos eletrônicos foram colocados para fiscalizar excesso de velocidade sem um estudo técnico que definisse as ruas e avenidas onde havia necessidade

Adriana Bernardes
postado em 15/08/2010 08:45

[FOTO2]O Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF) instalou pelo menos 112 barreiras eletrônicas sem a realização prévia de um estudo técnico que comprovasse a necessidade de cada um dos equipamentos. Documentos obtidos com exclusividade pelo Correio revelam que a direção geral e a Diretoria de Segurança de Trânsito (Dirset) do órgão foram alertadas sobre a irregularidade e, mesmo assim, nada fizeram.

A denúncia é relatada em um memorando datado de 13 de julho passado, elaborado pelo Núcleo de Sinalização e Manutenção de Equipamentos Eletrônicos (Numeq). Consta no documento que os 112 medidores de velocidade do contrato firmado em 2009 com a empresa Perkons não possuem estudos técnicos comprobatórios de sua necessidade. E não seriam os únicos. Nem todas as demais barreiras contratadas em 2006 teriam a justificativa técnica. Nas últimas linhas do texto, chama a atenção um trecho da denúncia: ;Cabe ressaltar que este núcleo (;) por diversas vezes tentou alertar a Dirset e a Direção Geral sobre o assunto, não tendo suas solicitações atendidas;.

A reportagem do Correio apurou que somente no mês passado o Detran pagou aproximadamente R$ 1,1 milhão pelas 112 barreiras colocadas sem o estudo exigido por lei. O custo anual chega a R$ 13,2 milhões. Na avaliação de José Leles de Souza, doutor em engenharia de transportes, a falta de justificativa da necessidade do medidor de velocidade dificilmente implica risco para a segurança de motoristas e pedestres, mas pode significar desperdício de dinheiro. ;O estudo evita que os governos gastem dinheiro colocando equipamento onde não precisa. Com isso, esses equipamentos acabam se transformando em meros instrumentos arrecadadores de multas;, afirma o especialista.

Os requisitos técnicos mínimos para a fiscalização de velocidades de veículos foram definidos há sete anos pela Resolução n; 146/2003, do Conselho Nacional de Trânsito (Contran)(1). Professor de engenharia de tráfego da Universidade de Brasília (UnB), Paulo César Marques concorda que a falta do estudo não implica riscos para o cidadão. Mas adverte que a justificativa é um item de segurança. ;As barreiras são colocadas para reduzir a velocidade dos motoristas em determinado ponto da via. Se o governo não sabe o motivo da redução, não há por que colocar um equipamento desse;, critica.

Como nada disso foi feito, o Numeq pede esclarecimentos à Gerência de Engenharia, responsável pela execução do contrato com a empresa que fornece e mantém os equipamentos. No documento com data de 24 de maio deste ano, o Numeq informa que ;não tem feito o acompanhamento da execução do tal contrato no que diz respeito à escolha das cidades/bairros, os estudos técnicos e a definição de localização dos pontos para a instalação dos equipamentos tipo barreira eletrônica; por definição do executor do contrato, que teria delegado tais funções a uma pessoa não lotada no núcleo.

Em um documento datado de 22 de junho, a Gerência de Engenharia responde ao Numeq que ;a escolha dos locais de implantação, bem como a localização dos pontos, foi feita antes da licitação, constando do projeto básico. Os estudos complementares estão sendo elaborados pelo Numeq, conforme minha determinação, enquanto gerente de engenharia;.

Investigação
A falta do estudo só veio à tona em meados de julho deste ano, quando a Diretoria de Segurança de Trânsito solicitou o levantamento à Gerência de Engenharia do Detran. Ao receber a resposta de que ele não existia, a irregularidade foi comunicada ao então diretor-geral, Geraldo Nugoli, em documento datado de 19 de julho. Dois dias depois, Nugoli deu um despacho à mão determinando à Corregedoria do órgão que apurasse o fato e à Dirset que viabilizasse os estudos técnicos das barreiras, conforme determina a legislação de trânsito.

Na última segunda-feira, a denúncia foi formalizada no Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) pela Diretoria de Segurança de Trânsito do Detran, chefiada por Silvain Fonseca. Ao ser procurado pela reportagem, Fonseca preferiu não entrar em detalhes. A Gerência de Engenharia está subordinada à Diretoria de Trânsito, chefiada por Fonseca há três meses. Os fatos denunciados ao MP ocorreram antes de ele assumir o cargo. ;A decisão de levar ao conhecimento do Ministério Público teve a anuência da direção geral. O Detran já tomou as providências para garantir o bom funcionamento da engenharia de trânsito, mas também quer a apuração de um órgão externo e independente;, resumiu.

Os documentos foram endereçados diretamente à procuradora-geral de Justiça, Eunice Pereira Amorim Carvalhido. O Ministério Público informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que os documentos estão com a chefia de gabinete da procuradora-geral e, após análise, serão distribuídos para a promotoria competente. No documento Irregularidades no âmbito da Gerência de Engenharia do Detran, a Dirset informa já ter concluído 60% dos estudos técnicos das barreiras com servidores do próprio órgão.

Sobre a falta de estudo para a implantação das barreiras eletrônicas, a assessoria de imprensa da Perksons ; empresa responsável pelos equipamentos ; informou que cumpre ordem de serviço do Detran desde 21 de setembro de 2009. E que o estudo técnico determinado pela Resolução n; 146 do Contran é anterior à assinatura do contrato com a empresa e, portanto, não tem qualquer responsabilidade pela sua elaboração.

Semáforos fantasmas
Na mesma denúncia de irregularidades nas lombadas eletrônicas entregue ao Ministério Público há o relato de cancelamento do processo de licitação para contrato emergencial de manutenção dos semáforos do Distrito Federal. Há cerca de um mês, descobriu-se que no projeto básico ; elaborado pela Gerência de Engenharia do Detran e sobre o qual as empresas calculam o valor do serviço ; constava a existência de 4.132 postes de semáforos, espalhados em 451 cruzamentos. No entanto, na realidade existem 1.369 semáforos e 447 cruzamentos. (1)

A discrepância de informações foi considerada grave e o Detran decidiu anular a licitação e começar o processo do zero. Na denúncia entregue ao MP, o órgão explica que a decisão foi necessária ;visto que a empresa Sitran Comércio e Indústria de Eletrônica Ltda., que foi a vencedora da licitação quando apresentou a sua proposta de preços, se baseou na quantidade informada pelo Detran, elevando com isso os valores da prestação do serviço. Decerto os valores poderiam ser menores, caso, evidentemente, a quantidade de postes e semáforos fosse a que existe de fato;, descreve a denúncia. Ainda de acordo com o documento, há que se considerar um possível ato de favorecimento e não apenas um erro de digitação.

Procurada pela reportagem, a Sitran não retornou as ligações. A secretária da direção da empresa informou que o diretor comercial estava fora de Brasília e passou o número do telefone celular do diretor técnico operacional. No entanto, ele também não retornou os recados gravados em sua caixa de mensagem.

Por meio da assessoria de imprensa, o atual diretor-geral do Detran, Francisco Saraiva, ressaltou que tomou posse na última segunda-feira e soube das denúncias entregues ao MP dois dias depois. Saraiva garantiu que vai acompanhar a apuração dos fatos e tomar as providências necessárias para sanar as possíveis irregularidades.


1 - O que diz a lei
A Resolução n; 146/2003 do Contran atribui à autoridade de trânsito determinar a localização, a sinalização, a instalação e a operação dos instrumentos eletrônicos medidores de velocidade. E para determinar a sua necessidade, é necessário um estudo técnico que contemple, no mínimo, o número de pistas da via; se há trânsito de pedestre e ciclista; a velocidade do trecho; o número de acidentes nos seis meses que antecedem o início da fiscalização; a descrição dos fatores de risco da via e o histórico das medidas de engenharia adotadas antes da instalação do equipamento.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação