postado em 15/08/2010 08:52
Máquinas paradas, galpões e escritórios ociosos, projetos engavetados e empresários desesperados. A falta de mão de obra qualificada empaca a economia do Distrito Federal. Em todos os setores, a reclamação é recorrente e cada vez mais preocupante: sobram vagas, mas não há gente preparada para trabalhar. Mesmo com a Copa do Mundo de 2014 a caminho e Brasília confirmada como cidade-sede, o setor produtivo se vê obrigado a colocar o pé no freio. Como o quadro de funcionários não consegue acompanhar o avanço da demanda, o desenvolvimento econômico fica seriamente afetado.Quase 7 mil postos de trabalho podem não ser ocupados no DF este ano por ausência de trabalhadores qualificados, segundo projeções do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O problema tornou-se crônico em todo o Brasil. Para especialistas, o fenômeno é resultado, em grande parte, do crescimento econômico acelerado que o país atravessa. Na capital federal, porém, há um agravante. Com muita facilidade, a iniciativa privada perde bons profissionais para a administração pública, o que torna ainda mais complicado preencher as vagas abertas.
Para concorrer com os concursos públicos e enfrentar a barreira da falta de mão de obra, empresas locais têm se desdobrado. Aumentam salários, oferecem mais benefícios e, principalmente, tomam para si a função de formadores dessas profissionais. Locais de trabalho viraram escolas, literalmente. Trazer gente de outros estados ainda é uma alternativa, apesar de ser cara e desafiadora, uma vez que o problema não se restringe ao DF. A Secretaria de Trabalho tenta fazer sua parte. Em 2009, qualificou cerca de 25 mil pessoas, a maioria para atuar na construção civil, setor cuja defasagem chega a 5 mil trabalhadores.
O deficit nos canteiros de obra envolve todas as funções. Faltam de ajudantes de pedreiro a engenheiros, passando por carpinteiros, armadores e eletricistas. Sem gente para trabalhar, prazos deixam de ser cumpridos à risca. ;Não tem jeito. Além dos quadros de pessoal defasados, o material demora a chegar, porque também falta mão de obra na indústria. É um efeito dominó terrível;, diz o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do DF (Sinduscon-DF), Elson Ribeiro e Póvoa, preocupado com o andamento das obras de infraestrutura para a Copa do Mundo.
Indústria
A indústria brasiliense sofre com a falta de mão de obra qualificada. Além da construção civil, o setor de tecnologia da informação é um dos mais afetados. As empresas investiram em máquinas de última geração, mas não há quem as opere. ;Isso afeta a qualidade dos produtos e causa uma insegurança tremenda nos empresários;, diz o presidente da Federação das Indústrias do DF (Fibra), Antônio Rocha. No último ano, conta ele, a entidade formou 12 mil pessoas, com o apoio do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). Mas o número não foi suficiente para suprir a demanda do mercado de trabalho.
No mês passado, a Empremon Equipamentos, empresa de engenharia instalada em Taguatinga, deixou de fechar um negócio de R$ 200 mil em Pernambuco porque faltou mão de obra. ;Está impossível achar gente boa no mercado;, afirma o diretor Manoel Adorno. Ele anuncia que há pelo menos 30 vagas abertas atualmente, inclusive para engenheiros, cujo salário pode ultrapassar R$ 5 mil, além de benefícios como plano de saúde e hora extra. ;Simplesmente não conseguimos ocupar as vagas. Para contratar uma estagiária de arquitetura, levamos três meses;, conta.
Por mês, a empresa de Adorno desembolsa R$ 10 mil para pagar cursos feitos por 15 funcionários. Jeosadaque Araújo, 34 anos, começou a se especializar na área de refrigeração e ar-condicionado. Em duas semanas, quando concluir o concurso, verá o contracheque engordar em cerca de 25%. ;Se não fosse a empresa, não teria condições de pagar;, diz Araújo. O patrão sustenta que a falta de mão de obra qualificada é um problema político transferido para as empresas. ;O governo tem ganância para arrecadar com impostos, mas não sabe aplicar esse dinheiro em capacitação;, critica.
O galpão da Movelaria Vila Rica, em Ceilândia, tem capacidade para 35 pessoas trabalharem ao mesmo tempo. No entanto, o número de funcionários subordinados a Paulo Carlos Filho, proprietário da empresa, não passa de oito. Há 14 máquinas paradas. E quase 30 projetos aguardam mão de obra para saírem do papel. ;Preciso de trabalhadores na área de pintura, usinagem, montagem, marcenaria. Interessados há, mas quando botam a mão na massa, não dão conta do recado;, conta ele, que precisa recusar projetos por falta de gente. ;Se não fosse isso, meu faturamento seria 10 vezes maior;, calcula.
Empresas gastam em treinamentos
O problema da falta de mão de obra qualificada é generalizado no Distrito Federal. No comércio, quem se apresenta com o mínimo de conhecimento nas áreas de vendas e informática consegue ser contratado com facilidade, diz o presidente do Sindicato do Comércio Varejista do DF (Sindivarejista-DF), Antônio Augusto de Morais. ;É tão séria a situação que não precisa nem ser experiente. Basta fazer o básico benfeito que a pessoa já sai na frente;, acrescenta. No caso do cargo de gerente, a dificuldade de encontrar gente é ainda maior. Tanto é que a maioria deles são ex-vendedores da própria loja. Por mês, diz Morais, o sindicato treina cerca de 500 pessoas para atuarem no comércio.
Depois de se unir no mês passado à Brazil Pharma, holding de farmácias do Banco BTG Pactual, a rede brasiliense Rosário Distrital prevê a abertura de 30 lojas e a criação de pelo menos mil empregos até 2012. Por ano, a empresa tem gasto, em média, R$ 1,2 milhão com treinamento ; estrutura, professores, alimentação e transporte. ;Percebemos que é mais vantajoso investir na capacitação interna do que depender de novos funcionários;, comenta o diretor de operações, Rodrigo Silveira. O último investimento foi na contratação de um professor de matemática. ;Nos processos seletivos, aparecem pessoas com ensino médio completo, mas que não sabem fazer conta;, exemplifica.
Basta um anúncio no jornal que, em uma semana, chegam cerca de 600 currículos para serem analisados na academia VIP Training, no Lago Sul. ;O problema é encontrar pessoal qualificado;, conta o sócio Daniel Campos. Há mais de um mês, ele procura um professor de spinning. A dificuldade vale também para recepcionistas e auxiliares de serviços gerais. Quando encontra alguém bom, Daniel costuma segurar o profissional oferecendo um salário maior. ;Porém, de modo geral, existe um descompasso entre o que os candidatos querem, o que eles têm para oferecer e o que o mercado tem para oferecer;, comenta Campos.