postado em 16/08/2010 08:37
A lei da oferta e da procura no mercado de concursos públicos tem deixado os consumidores em desvantagem. No caminho em busca das cobiçadas vagas, com salários atraentes, os candidatos precisam estar dispostos não só a dedicar várias horas ao estudo, mas também a investir significativa parcela do orçamento em cursos preparatórios, que muitas vezes não respeitam direitos básicos dos alunos nos contratos para a prestação do serviço. Entre as principais reclamações dos estudantes estão as elevadas multas por rescisão contratual, a dificuldade para receber a devolução de quantias pagas ; geralmente concedidas por meio de crédito para futuras aulas ;, a não previsão de data de término, a grade horária aberta ; que permite alterações de dias e horários ; e a falta de informação clara sobre o material didático a ser usado e o corpo docente.;O cursinho começou e toda semana há alteração na grade horária, com um espaçamento muito grande entre as aulas. Na semana passada, por exemplo, tivemos aulas pela primeira vez na quarta-feira. No entanto, o contrato diz que a grade seria única, de segunda a sexta-feira;, conta o administrador Rogério Vieira, 25 anos, que está se preparando para as provas do Ministério Público da União (MPU). Para o colega dele, o dentista Fábio Reis, 32 anos, que está estudando para o mesmo concurso, ;o problema é que esse mercado está sofrendo com a indisponibilidade de professores devido à grande quantidade de editais e turmas;, acredita.
;Daí eles acabam cancelando e remarcando as aulas, muitas vezes em cima da hora;, completa a turismóloga Ana Cláudia Cunha Soares, 31 anos, também aluna do preparatório para o MPU. Devido às constantes mudanças de horário e também pelas mudanças de professores, Ana Cláudia, que está estudando para concursos há dois anos, já precisou recorrer ao Procon. ;Em razão das alterações, acabei perdendo várias aulas. Quis rescindir o contrato e eles queriam me cobrar uma multa altíssima. Então decidi recorrer ao Procon e o cursinho ficou proibido de cobrar a penalidade porque a desistência foi motivada pela má prestação do serviço. Mesmo assim, esperei um mês para receber o meu dinheiro de volta;, recorda.
Devolução
A forma de devolução dos valores pagos também é outro fator que incomoda os alunos. Ao contrário de Ana Cláudia, Rogério preferiu não registrar queixa contra um outro cursinho e fez um acordo amigável, já que o estabelecimento é menor e ele poderia precisar recorrer à instituição novamente. No entanto, o pacto não foi cumprido. ;Paguei um curso completo, mas minha grade foi alterada várias vezes e não houve tempo para concluir o conteúdo antes da realização da prova. Em vez de me devolverem o dinheiro restante, me deram o reembolso em forma de crédito para eu usar em futuros cursos. Estou há seis meses tentando marcar as aulas e não consigo;, reclama.
;Não tem cabimento fazer um cursinho para um concurso que está com edital na praça e ter aula uma vez por semana. A sensação é que estão tentando reunir pessoas para fechar uma turma. Isso, além de falta de compromisso, coloca o estudante ; que é a parte mais frágil dessa relação de consumo ; em uma desvantagem enorme. Além disso, muitas vezes a qualidade do material e o nível dos professores são incompatíveis com o preço cobrado;, avalia a bacharela em letras, Érica Costa, 22 anos, que também está na disputa por uma vaga ao MPU.
Para o promotor da titular da 4; Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor, Guilherme Fernandes Neto, a falta de reclamações formais não elimina a possibilidade do Ministério Público questionar os contratos e exigir que as instituições ajustem as cláusulas de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, a exemplo do que já foi feito com escolas e faculdades particulares. Ele acrescenta que as devoluções devem ser feitas em dinheiro.
Poucas reclamações
A falta de dados específicos sobre os abusos cometidos em contratos de cursinhos para concurso, aliada ao baixo número de denúncias, contribui para que o problema se repita de forma generalizada. O Instituto de Defesa do Consumidor (Procon-DF) alega dificuldade para quantificar as queixas relacionadas ao assunto. Devido à segmentação adotada pelo Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec), os preparatórios para concursos são agrupados com outros cursos, como pré-vestibulares e de capacitação. Além disso, a grande maioria dos alunos não protestam a respeito dos abusos cometidos pelos prestadores de serviço.
Ainda assim, os números são relativamente altos. Só neste primeiro semestre deste ano, o Procon registrou 776 reclamações sobre o assunto. ;Embora não estejam relacionadas somente aos concursos, as principais insatisfações estão bem de acordo com as queixas feitas pelos estudantes ao Correio. Entre elas a alteração unilateral do contrato, cobranças indevidas e dúvidas sobre cláusulas contratuais, o que nos leva a crer que as informações prestadas não são claras;, explica o assessor especial da direção geral do Procon-DF, Luiz Cláudio da Costa.
Cláusulas abusivas
Levando em consideração os números do setor é possível ter uma dimensão da quantidade de pessoas afetadas por essas cláusulas abusivas. Segundo a Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac), Brasília e São Paulo concentram o maior número de cursos preparatórios, que hoje está na casa de 500 em todo o país. As inscrições anuais para concursos alcançam R$ 10 milhões, sendo que 20% dos concorrentes se preparam em cursos presenciais ou semipresenciais.
;O Código de Defesa do Consumidor (CDC) traz o instituto da proteção contratual, segundo o qual sempre que se observar o desequilíbrio entre as partes temos uma situação de flagrante abusividade. E cláusulas abusivas são nulas de pleno direito;, explica Luiz. ;Mesmo que a pessoa tenha assinado o contrato, o acordo pode ser questionado por meio do Procon ou da Justiça;, acrescenta.
Dicas
; Antes de efetuar a matrícula, cheque os detalhes que dizem respeito à prestação do serviço, como localização, estacionamento, instalações, corpo docente e material didático
; Faça constar no contrato todas as ofertas verbais. Isso facilitará a comprovação das obrigações do fornecedor caso seja necessário exigir o cumprimento junto aos órgãos de defesa do consumidor ou à Justiça
; Confira de que forma será fornecido o material didático. É importante saber se o conteúdo se restringe apenas à cópia da lei ou se será acrescido de doutrina e comentários
; O que antecede a celebração do contrato ; inclusive propagandas ; vincula o fornecedor a cumprir a oferta. Ou seja, o conteúdo publicitário é considerado parte integrante do contrato. Guarde portanto todos os fôlderes para que, havendo qualquer tipo de divergência, você possa exigir o cumprimento
; As multas devem ser proporcionais ao valor do serviço prestado. O objetivo é evitar a quebra do contrato sem justo motivo e compensar eventuais prejuízos do fornecedor. No entanto, as penalidades não podem ser elevadas e impedir o cliente
de cancelar o serviço
; O contrato também deve trazer alguma penalidade para o fornecedor que não cumprir o acordo, como por exemplo deixar de ministrar todo o conteúdo prometido antes da data de realização do concurso
Povo fala
Rafael Almeida, 35 anos, estudante
;Não. Cerca de 85% das cláusulas trazem vantagens para os prestadores do serviço. Embora eles garantam verbalmente que os alunos serão assistidos em caso de qualquer alteração, isso geralmente não ocorre e o curso ficam incompatível com o concurso a ser prestado.;
Thaís Barroso, 23 anos, psicóloga
;Não. As multas são desproporcionais. Em algumas instituições, se o aluno desistir do curso após uma semana de aulas só tem direito a receber de volta 50% do que foi pago. Eles alegam gastos com material.;
Felipe Coelho, 25 anos, pós-graduado em ciência política
;Não. Os contratos permitem a alteração da grade horária e não trazem uma previsão para a conclusão do curso. Isso é muito complicado. Dependendo do cursinho, às vezes, eles dão material a mais para compensar ou créditos para a contratação de cursos futuros. Eles fazem isso porque as pessoas acabam não reclamando no Procon.;
João Carlos Alves Leles, 21 anos, universitário
;Eu nunca tive problema porque todas a restrições para devolução dos valores estão previstas no contrato ou no site do cursinho. Em diversos cursos que comecei e não gostei, cancelei e eles me devolveram o valor em forma de crédito para futuros cursos.;