Adriana Bernardes
postado em 24/08/2010 07:50
O caseiro Bernardino do Espírito Santo Filho, assassino confesso da estudante Maria Cláudia Del`Isola, foi beneficiado por uma decisão judicial que reduz em 12 anos e seis meses a sentença de 65 anos de reclusão pelos crimes de homicídio, ocultação de cadáver, furto, estupro e atentado violento ao pudor. A defesa de Bernardino pediu a exclusão da pena pelo crime de atentado violento ao pudor e o juiz substituto Márcio da Silva Alexandre, da Vara de Execuções Penais (VEP) do Tribunal de Justiça, acatou o pedido. Com isso, a pena caiu para 52 anos e seis meses.A decisão é de 17 de julho mas, a família de Maria Claudia só soube há uma semana. Ao comentar o assunto, o tom da mãe da jovem é de desabafo e incredulidade. ;Estamos falando de uma monstruosidade. Então você se pergunta: `Meu Deus, o que é isso?` Me desanima perceber esse distanciamento das nossas autoridades com relação à rotina de qualquer cidadão que só quer viver com as garantia de seus direitos básicos. Não dá para entender; indigna-se a psicopedagoga Cristina Del`Isola.
No entendimento do juiz Márcio da Silva Alexandre, a mudança na Lei Federal n;12.015(1), de agosto de 2009, as duas condutas, atentado violento (ato e estupro (conjunção carnal), passaram a figurar como um crime único: o estupro. Na prática, isso significa que o réu, ainda que tenha praticado o atentado violento ao pudor e conjunção carnal (estupro) só pode receber a pena pelo estupro.
MP recorre
Mas este não é o entendimento do Ministério Público. A promotora Helena Rodrigues Duarte, da 3; Promotoria de Justiça de Execuções Penais, já entrou com um agravo para reverter o benefício concedido a Bernardino. Para ela, a pena não pode ser reduzida porque o atentado violento ao pudor não foi excluído do Código Penal e, portanto, deve ser punido da mesma forma como era antes. ;Se o réu praticou o estupro, a pena é de seis meses a 10 anos de prisão. Se além do estupro cometeu o atentado violento ao pudor, a pena deve ser multiplicada por dois;, defende.
No recurso, a promotora alega que a decisão do juiz de execuções penais é ilegal porque afronta o princípio da proibição de proteção suficiente. ;Na atualidade, tem sido repensado o princípio da proporcionalidade para resguardar o cidadão não apenas da ação (excessiva) estatal, mas também de sua omissão;, escreveu no pedido. ;A punição está desproporcional. Está insuficiente para proteger a vítima;, complementou.
Semiaberto
O caso de Bernardino não é o único. O Ministério Público já recorreu de pelo menos 60 sentenças que beneficiam estupradores condenados também por atentado violento ao pudor. Sobre a mesa de Helena Rodrigues Duarte já havia outro recurso que será impetrado nos próximos dias para impedir que um outro estuprador, condenado a sete anos de reclusão, tenha a pena reduzida. ;Alguns desses réus têm as penas reduzidas à metade e, logo em seguida, conquistam o direito à progressão para o semiaberto;, comenta.
A subsecretária de Proteção às Vítimas da Violência (Pró-Vítima),Valéria Velasco, considera decisões como a do juiz da VEP um retrocesso na luta contra os crimes sexuais. ;Em um momento que vemos aumentar o número de casos, especialmente entre crianças, meninos ou meninas;, destaca. Valéria Velasco também critica a falta de zelo dos legisladores que, na opinião dela, produzem normas que beneficiam apenas os bandidos. ;A Justiça está se transformando em uma aliada da impunidade em vez de proteger o direito, a dignidade e a liberdade de viver sem ser agredido sexualmente;, destaca.
A estudante Maria Cláudia Del;Isola morreu aos 19 anos, em dezembro de 2004. Além de Bernardino, foi condenada Adriana dos Santos, companheira do caseiro e também empregada da família. Os dois empregados trabalhavam e moravam na casa da família, no Lago Sul, havia dois anos. Durante três dias, a família de Maria Cláudia acreditava que a menina estivesse desaparecida. Somente em 12 de dezembro, descobriram que a filha mais nova estava morta e enterrada dentro da própria casa.
1 - Mudança
Antes de agosto de 2009, o Código Penal previa o crime de estupro no artigo 213 e o atentado violento ao pudor no artigo 214. Para cada uma delas, a pena era de seis a 10 anos de reclusão. Com a mudança na lei, as duas condutas acabaram aglutinadas em um único artigo com a seguinte redação e mesma pena: ;Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso;.