postado em 25/08/2010 07:00
As asas Sul e Norte concentram quase um quarto do total de roubos e furtos registrados no Distrito Federal entre janeiro e julho deste ano. Das 53.107 ocorrências, o centro de Brasília é o local onde 12.406 casos aconteceram. São 59 crimes desta natureza por dia, o equivalente a cerca de 2,5 por hora. Ainda assim, segundo levantamento da Polícia Civil, houve queda de 6% nas infrações registradas no Plano Piloto em relação ao mesmo período do ano passado, que chegou à marca de 13.199 episódios de furto ou roubo. Em todo o DF, a redução atingiu os 13%. Em 2009, 60.711 ocorrências foram abertas até julho.O pico de crimes notificados no Plano Piloto aconteceu em abril, com 2.115. Em maio e junho, os números baixaram quase 50%, mas voltaram a preocupar em julho, que fechou com 1.815 ocorrências, ou seja, quase 59 furtos ou roubos por dia. Em sete meses, o principal alvo dos bandidos do centro de Brasília foram os pedestres. Desde o início do ano, 5.105 pessoas foram vítimas de furtos e 1.302 tiveram seus pertences tomados por assaltantes armados. Somados, os pedestres correspondem a metade dos registros policiais no período. Os carros também são presas comuns no Plano Piloto, que é o local mais propenso do DF a esse tipo de crime: já são 1.211 ocorrências, mais que o dobro dos registros em Taguatinga, onde houve 564 furtos.
Ainda que os números indiquem redução da criminalidade, a Asa Norte, em particular, vem sendo palco de uma onda de violência cujo capítulo recente culminou com a morte do comerciante Sebastião Carneiro de Sousa, 52 anos, em 21 de agosto. O dono de uma panificadora foi assassinado friamente em frente ao seu estabelecimento, na 710 Norte, ao tentar defender um comerciante vizinho de um assalto arquitetado por três menores de idade, que haviam acabado de sair de uma instituição de semiliberdade no Gama.
São muitos os problemas apontados para as demonstrações de violência na Asa Norte. Um dos principais são o tráfico e o uso de drogas em invasões. Segundo o agente de fiscalização da Subsecretaria de Defesa do Solo e da Água (Sudesa), subtenente da Polícia Militar Jorge de Oliveira Braga, é grande o número de entorpecentes apreendidos em operações de retiradas de barracos na região. As áreas descampadas do bairro, preferidas dos mendigos, são alvo de fiscalização toda semana, garante o agente. ;Já encontramos cachimbos de crack, maconha, cocaína entre outras drogas nesses barracos. O problema dos viciados moradores de rua é que eles têm que roubar para sustentar o vício;, afirmou. A explicação tem endosso de diversos comerciantes. ;Eles roubam as pessoas que passam aqui, principalmente as mulheres. São os grandes responsáveis pela violência;, conta o dono de uma oficina na 713 Norte, que preferiu não se identificar. ;Eles estão aqui todos os dias. Fazem sujeira, intimidam as pessoas;, completa. No estacionamento atrás da oficina, estavam pelo menos cinco moradores de rua.
Na segunda-feira, outro episódio entrou para a lista de roubos audazes. Dois assaltantes surpreenderam os funcionários do laboratório Sabin que funciona no Brasília Shopping. Eram 18h01 quando os homens, bem-vestidos, entraram na sala da administração do laboratório e perguntaram por uma funcionária. Quando a mulher chegou, a dupla sacou armas de fogo e anunciou o assalto. Cerca de 20 pessoas foram trancadas em uma sala enquanto dois funcionários foram obrigados a abrir o cofre e entregar algo em torno de R$ 170 mil aos criminosos. O dinheiro foi escondido em um casaco, como mostraram as imagens da câmera de segurança. ;Os assaltantes não tiveram dificuldades para sair do prédio;, afirmou o delegado-chefe da Delegacia de Repressão a Roubos (DRR), Érito Cunha. A polícia está investigando e tentando identificar os criminosos, mas ninguém foi preso.
Menores perigosos
O algoz do comerciante Sebastião Carneiro de Souza tem 17 anos. O jovem estava acompanhado de outros dois menores, de 14 e 15 anos, no sábado, dia 21, quando atirou contra o dono da panificadora. Os três haviam sido liberados havia poucas horas de uma instituição de semiliberdade para menores infratores, no Gama, para passar o fim de semana fora. Eles já tinham diversas passagens por centros de correção por roubo, furto, porte ilegal de arma, lesão corporal e tráfico de drogas.
A reincidência criminal dos adolescentes se reflete em números. Os últimos dados da participação de menores em atos infracionais são referentes aos anos de 2007 e 2008 e apontam que, entre um ano e outro, houve um aumento de 38% de ocorrências envolvendo adolescentes infratores. Em 2009, tramitaram pela Vara da Infância e Juventude 187 processos de homicídio e 179 de tentativas de homicídio em que o adolescente foi o autor, números respectivamente 133,7% e 113% maiores em relação ao ano anterior.
Os dados colocam em xeque a eficácia das medidas de correção previstas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Em pesquisa recente feita pelo DataSenado, instituto de pesquisa de opinião do Senado Federal, 73% dos entrevistados defendem punição igual para adolescentes infratores e adultos.
A advogada e professora da Universidade de Brasília Andréa Vasquez argumenta que a reinserção social e a reabilitação do menor não acontecem porque os termos estabelecidos pelo ECA não são cumpridos. ;Há excesso de internos, não existem programas sociais. A família não está incluída nem preparada para receber o filho que esteve internado. Acabamos tendo um sistema idêntico às prisões de adultos;, critica. Segundo ela, a discussão orbita mais em torno da idade da maioridade ser rebaixada para 16 anos do que a própria reforma do ECA. ;Estudos mostram que, aos 16 anos, a parte de raciocínio lógico já está formada e o indivíduo tem ciência da repercussão de seus atos;, afirma.
O subsecretário de Justiça, Ricardo Batista Sousa, reconhece que o sistema socioeducativo tem passado por dificuldades e aponta a falta de investimentos como o principal problema. Segundo ele, a situação deve melhorar com os 331 novos servidores que ingressaram por meio de concurso. ;Além disso, temos um projeto de construir unidades menores, com capacidade para 80 internos, em locais mais distantes dos centros, porém mais próximas das famílias;, afirma.
"Há excesso de internos, não existem programas sociais. A família não está incluída nem preparada para receber o filho que esteve internado. Acabamos tendo um sistema idêntico às prisões de adultos"
Andréa Vasquez, advogada e professora da Universidade de Brasília
Andréa Vasquez, advogada e professora da Universidade de Brasília