postado em 01/09/2010 07:57
A Praça do Relógio(1) sofre com o descaso que transformou o que deveria ser um ponto turístico em local de venda e consumo de drogas. Localizada no centro de Taguatinga, a praça é abrigo de adultos e menores de idade que não hesitam em consumir crack em plena luz do dia, em frente à Administração Regional de Cidade e a poucos metros de uma delegacia de polícia. A insegurança afeta usuários do metrô, consumidores, comerciantes e até mesmo estudantes, que precisam fechar os olhos e mudar hábitos para evitar assaltos.Gislene Costa, 13 anos, chegava ao colégio em que estuda, às 7h20, quando foi abordada por uma garota que não aparentava mais de 14 anos. De faca em punho, a menor ameaçou a estudante e ordenou que lhe entregasse o telefone celular. ;Eu não sabia o que fazer, a gente sempre acha que não vai acontecer;, relata a aluna do 8; ano de uma instituição de ensino localizada em frente à Praça do Relógio. A adolescente revela que a violência contra alunos da escola não é novidade, e que ela inclusive conhece a autora do crime ; a mesma garota teria invadido o colégio com a intenção de atacar uma das alunas mais de uma vez. ;Ela ameaçou minha filha, disse que sabia quem ela era, onde eu trabalhava e que ia matá-la se ela fizesse alguma coisa;, denuncia a mãe da vítima, Maria de Fátima da Costa, 46 anos.
A adolescente, moradora da Ceilândia, ia e voltava para a escola todos os dias de metrô, mas, depois de ter o aparelho de R$ 350 roubado na saída da estação, faz o percurso somente de carro. À medida que as histórias de assaltos chegam aos ouvidos dos pais, cada vez mais responsáveis preferem enfrentar a aglomeração de automóveis em frente à instituição de ensino para buscar os jovens. ;Eu acho aqui extremamente perigoso, já ouvimos histórias de que mendigos entraram com faca na escola para pegar crianças. Por isso eu venho buscar meus filhos todos os dias;, conta Rita de Cássia Silva, 40 anos, enfermeira e mãe de dois alunos do colégio.
;É tanto absurdo que eu vejo! Se você vacilar, eles levam um produto seu;, alerta uma comerciante que não quis se identificar. Segundo a vendedora, os que frequentam a Praça do Relógio se tornam obrigados a se acostumar com a sensação de insegurança, pois são sempre os mesmos que vendem e fumam crack no local e que ameaçam se vingar de quem denunciar os furtos cometidos diariamente. ;Se for falar alguma coisa você se complica, por isso tenho de fazer de conta que não vejo. Eu os respeito e eles me respeitam, mas nunca é bom confiar por inteiro;, aconselha.
A ambulante presencia diariamente as cenas típicas de locais marcados pelo consumo de drogas. Enquanto a vendedora fazia a denúncia, a menos de três metros um homem se sentava no chão e acendia um cachimbo de crack, depois de uma discussão com outro homem. Em pouco tempo, o viciado foi abordado por quatro policiais, que, após uma breve conversa, foram embora. O homem, então, deixou o cachimbo de lado e passou a oferecer relógios à venda aos que passavam. ;É só o policial sair para eles voltarem. Às vezes passa policial, mas tinha é de ter mais segurança;, critica o vendedor Leonardo da Silva, 26 anos. Trabalhador do centro de Taguatinga, Leonardo frequenta a praça quase que diariamente e procura ficar atento para não ser mais uma das vítimas dos assaltos. ;Já roubaram a carteira de um colega quando ele saía do metrô. Agora, se alguém estranho se aproxima, eu saio de perto na hora.;
Medidas insuficientes
O administrador de Taguatinga, Rubens Tavares, cujo escritório fica em frente à praça, reconhece a existência do problema, mas atribui a insegurança do local às mazelas típicas de grandes cidades. ;O centro, como um todo, realmente tem tido problemas de segurança. Infelizmente isso não acontece somente em Taguatinga, acontece em qualquer cidade grande do Brasil;, justifica. Para Tavares, a solução para a atual situação de insegurança da área é o retorno da população ao local. Como a praça é cada vez mais evitada pelas pessoas devido ao medo de assaltos, os criminosos tomam posse da área. Segundo o administrador, a Praça do Relógio tem sido revitalizada aos poucos com ações como o aumento da iluminação noturna e o estímulo à realização de mais eventos regulares no local. O administrador diz esperar que essas medidas recuperem a Praça do Relógio como ela era há algumas décadas, mas reconhece que ainda há muito a ser feito. ;Isso não significa que vamos debelar o mal à estaca zero. A falha humana faz parte da vida;, ressalta.
Segundo a delegada Vera Lúcia da Silva, da 12; DP, não faltam policiais na rua para conter a criminalidade no centro de Taguatinga. ;Tudo isso a gente está vendo e tomando providências. As autoridades não estão ignorando o problema, esperamos que a criminalidade baixe com essas ações;, assegura. O que atrapalha a ação policial seria o fato de os criminosos serem vítimas do vício ; os flagrantes de furtos e de uso de drogas são diários, mas os detidos não podem permanecer presos. ;Infelizmente, pela Lei n; 6.368, se eu pego o usuário e levo para a delegacia, não acontece nada. Não basta a polícia fazer o serviço dela, o usuário é tratado como doente;, explica o coronel Alexandre da Silva, comandante do 2; Batalhão de Polícia Militar. Depois de lavrado o termo circunstanciado, os criminosos são soltos e acabam retornando à praça por não terem onde morar. De volta às ruas, eles cometem furtos para alimentar o vício.
Como o encaminhamento dos viciados para centros de reabilitação é voluntário, os policiais que patrulham a Praça do Relógio limitam-se a coibir novas ações e a apreender a droga dos criminosos flagrados, antes de liberá-los novamente. ;Eu tenho policiamento fardado e descaracterizado, mas é uma guerra. Sei que não vou vencer esse combate;, lamenta o Coronel. Embora o local abrigue uma estação do metrô e fique em frente a uma escola, Alexandre descarta a possibilidade de destacar policiais militares exclusivamente para o patrulhamento do local. Segundo o coronel, são diversas as localidades no Distrito Federal que passam por situação semelhante, e não há homens suficientes para cuidar de todas em tempo integral.
1 - Cartão-postal
A Praça do Relógio, ou Praça Central, é considerada um verdadeiro marco em Taguatinga, sinalizando um grande ponto de encontro. O nome se deve a um obelisco de 15m com um relógio de quatro faces que, doado pela Citizen Watch Co. em dezembro de 1970, foi restaurado em maio de 2008, quando foi comemorado o cinquentenário da cidade. Outro destaque do local é a fonte luminosa, que, construída ao redor do relógio e inaugurada este ano, tem dois tanques com chafarizes que executam movimentos de acordo com a música e os fachos de luz emitidos a cada instante.