Cidades

Portadores do xeroderma encontram dificuldades para se regularizar no INSS

Renato Alves
postado em 02/09/2010 04:30
Faina (GO) ; Dos 21 portadores de xeroderma pigmentoso moradores de Araras, distrito goiano a aproximadamente 500km de Brasília, apenas quatro recebem benefício do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Três, por tempo de trabalho. Um, só por invalidez, em função dos efeitos da doença rara e mortal, que aumenta em até mil vezes as chances de desenvolvimento de câncer de pele. No entanto, sem outra opção de sobrevivência, os doentes do povoado de Faina, município goiano de 8 mil habitantes, passam o dia trabalhando sob o sol forte, nas lavouras e pastagens dos sítios e das fazendas da região.

Os três pacientes aposentados por tempo de serviço são justamente os mais afetados pela doença hoje. Dois deles estão internados em Goiânia por causa do avanço do câncer. Outro já teve quase toda a face mutilada após a retirada dos tumores. Provocado pela série de reportagens do Correio, iniciada em outubro de 2009, o INSS em Goiás enviou peritos e outros técnicos a Araras em março para uma triagem. Acabaram constatando o que os laudos médicos e as peles dos moradores do lugarejo evidenciavam. Doze deles foram considerados inaptos para o trabalho e merecedores de assistência.

O processo formal para pagamento de aposentadoria por invalidez a essas pessoas terminou em maio último. Desde então, cada um deveria receber o equivalente a um salário mínimo por mês (R$ 510). Mas só um dos doentes, Cláudia Sebastiana Jardim Cunha, 32 anos, disse ter conseguido sacar o dinheiro. ;A aposentadoria é fundamental para mim e a minha família, mas gostaria de ver todos os outros pacientes recebendo, para nunca mais precisarem ficar o dia inteiro debaixo do sol. Isso faz muito mal pra gente;, ressaltou.

Informado pelo Correio, o chefe do Serviço de Benefícios do INSS em Goiás, Ailton Batista Machado, demonstrou surpresa. ;Todos os outros deveriam estar recebendo. Talvez não tenham se informado direito como sacar o benefício, ou tivemos um erro em nosso sistema de que ainda não tomamos conhecimento;, ponderou. Alegando estar fora de Goiânia, ele afirmou só poder saber o que realmente ocorreu nesta segunda-feira, quando estará de volta à capital do estado.

Evandro Aparecido Freire de Andrade, 29 anos, é um dos 12 cidadãos que o INSS reconheceu como inválido, mas ainda não viu o dinheiro da aposentadoria. ;Passei 12 anos na roça. Larguei quando as manchas começaram a crescer. Não sabia direito o que era, mas sabia que iriam fazer mal como fizeram para tantos, então decidi mudar de ramo. Virei mecânico. Agora soube que este trabalho também me faz mal, porque usa muita solda e ela emite luz. Mas, enquanto não tiver a aposentadoria, preciso continuar nesse serviço;, argumenta. Para minimizar os efeitos da solda e dos raios solares, ele usa camisa com manga comprida e chapéu.

Primo de Evandro, Adegmar também teve o pedido de aposentadoria por invalidez atendido e ainda não conseguiu sacar os R$ 510. ;Faz 40 dias que recebi o comunicado de que havia sido aceito. Não sei o que está acontecendo;, reclama. Enquanto o dinheiro do INSS não vem, continua trabalhando na roça, cuidando do gado leiteiro, principal fonte de renda dele e da maioria dos quase mil moradores de Araras. A comunidade tem até uma cooperativa para organizar a produção e a distribuição do leite. No entanto, a estiagem de quase cinco meses e a consequente falta de alimento para as vacas fizeram cair pela metade a renda de todos.

Presidente da Associação dos Portadores de Xeroderma Pigmentoso de Goiás (Apoderma), Gleice Francisca Machado, 34 anos, conta que nem um dos doentes conseguiu ainda outros benefícios a que têm direito. ;Sabemos que podemos ter uma série de isenções em impostos, como nas taxas de água e energia elétrica e até compra de um automóvel. Muitos deram entrada nos pedidos para pagar menos pela água e a energia, mas ninguém teve uma resposta favorável. É desanimador;, desabafa.

Estudos
Para diversificar a economia do povoado, dar novas oportunidades aos moradores e afastar do sol os portadores de xeroderma, o Serviço Social da Indústria (Sesi) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) adotaram a comunidade. Após a Prefeitura de Faina reformar a escola de Araras, ela ganhou uma biblioteca e 20 computadores doados por um empresário. Com isso, o Sesi oferecerá o primeiro curso de computação do lugarejo e o Senai estuda a implantação de um curso técnico. Falta definir a modalidade.

Os adultos também têm a oportunidade de recuperar o tempo perdido. A escola, que sempre ofereceu apenas os quatro anos do ensino fundamental, tem, desde o começo deste ano, a Educação de Jovens e Adultos (EJA). A maioria da classe é formada pelos portadores de xeroderma, como Vanda Erestina Jardim Pinheiro, 36 anos, irmã de Cláudia. ;Agora posso acompanhar a minha filha. Me sinto mais importante. Estou louca para aprender informática;, comenta a mulher, que, assim como a irmã, adora corte e costura. Mas nem uma delas tem dinheiro para comprar uma máquina.

Como ajudar

Quem quiser colaborar com os doentes de Araras deve ligar para Gleice Francisca Machado, no telefone público do povoado ; (62) 3391-1174 begin_of_the_skype_highlighting (62) 3391-1174 end_of_the_skype_highlighting ; ou enviar mensagem para gleice.araras@hotmail.com.

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