Em meio ao clima árido que castiga Brasília, alguns pontos da cidade parecem cobertos de neve. O tom branco destaca-se entre o marrom (da poeira) e o cinza (das queimadas), que se sobressaem no cenário do Planalto Central nesta época do ano. O contraste é possível graças à paineira ; ou barriguda, cujo nome científico é Chorisia speciosa. Entre agosto e setembro, as árvores dessa espécie começam a dar frutos e dispersam suas sementes envoltas em paina (1). Antes colorida, repleta de flores rosas, a planta agora está com os galhos secos e cercada por uma penugem branca em sua base. O fenômeno atrai olhares e instiga a mente daqueles que não conhecem esse processo e tentam decifrá-lo.
Em Brasília há cerca de 60 mil paineiras ; a maioria plantada pela Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap). Um grupo delas, em especial, chamou a atenção da advogada Hanna Ferreira, 25 anos, que passava de carro em frente à 306 Norte. ;É muito lindo. Esse tapete branco muda o visual da capital. Até parei para tirar foto para levar para minha mãe;, disse a jovem, encantada com as bolas de paina que lembram algodão.
Uma galeria de barrigudas também impressiona quem circula pelo Setor Policial Sul. ;Será que esse algodão vem de onde? Cai da árvore ou é trazido pelo vento?;, indagou a auxiliar de limpeza Marlene de Sousa, 46 anos, que transitava pelo corredor de paineiras. ;Se juntasse tudo daria um travesseiro bem gostoso. Parece que está nevando em Brasília em plena seca;, emendou. Sem querer, ela decifrou o fenômeno que encanta moradores e embeleza a cidade.
Dispersão
Ao amadurecer, o fruto estoura naturalmente e libera as sementes que estavam presas dentro dele. ;É como se ele fosse uma cápsula que guarda as sementinhas. Esse algodão (paina) serve para dispersá-las. Quando o vento passa, leva o algodão, que carrega a semente para longe;, explicou a bióloga Andresa Soares Rodrigues Oliveira, do Jardim Botânico de Brasília. Depois de cumprir seu papel, os frutos quebrados e vazios também caem no chão, deixando os galhos solitários. Maritacas fazem a festa e ajudam a acelerar o procedimento natural de abertura dos frutos. As aves são atraídas pelas sementes, que se parecem com caroços de feijão. Já o fruto lembra o cacau.
A silhueta avantajada da árvore ; daí o nome barriguda ; também é explicada. ;Ela acumula água no tronco. É como se fosse uma reserva. Por isso fica barriguda;, disse a especialista. Essa garantia de reserva de recursos é necessária, uma vez que a espécie tem raízes rasas. A parte mais larga do tronco tem de 80cm a 120cm de diâmetro.
As flores de paina que caem no canteiro central atravessam as pistas, entram nos carros e chegam até o outro lado da rua. O que não incomoda o desenhista Assis Cavalcante, 53 anos, que passa de carro pelo Setor Policial todos os dias. ;É fantástico. Eu fico doido para parar e registar a cena. Dá uma vontade de deitar em cima desse chão branco;, afirmou o morador da Octogonal.
Além da 306 Norte e do Setor Policial Sul, é possível apreciar o espetáculo das paineiras em frente à Torre de TV, ao longo do Eixo Rodoviário (Norte e Sul), próximo à entrada do cemitério Campo da Esperança e em diversos outros pontos da cidade.
Incômodo
A ação natural de maturação dos frutos da paineira, que embeleza e encanta a cidade, também traz desconforto. Aurelina de Castro Miranda, 65 anos, sofre de rinite alérgica e sente a doença agravar-se por conta da paina que cai das barrigudas. Ela tem uma banca de jornal na 306 Norte, bem atrás de um grupo dessas árvores. ;Que é bonito, é. Não há como negar. Mas quando venta, o vento traz junto esse monte de pluma. Sinto o olho coçar e tenho coriza. À noite, quando chego em casa, melhora;, relatou.
Coceira nos olhos, espirro e coriza podem indicar alergia ao algodão da paineira. Quem apresentar esses sintomas após entrar em contato com a paina deve procurar um alergista. ;Se a pessoa tiver rinite e asma, pode ter o quadro agravado, caso seja sensível à paina;, afirmou o médico Alexandre Ayres, do Hospital Universitário de Brasília (HUB). ;Antigamente, antes do advento da espuma, o enchimento de travesseiros, colchões, sofás e estofados era de paina. Mas observou-se que ela provocava muita alergia e foi substituída. Hoje, o contato é muito eventual;, informou o alergista.
;Por causa da paina e das raízes rasas que podem causar estragos em calçadas, recebemos muitos pedidos de retiradas de paineiras;, relatou Rômulo Ervilha, chefe do Departamento de Parques e Jardins da Novacap. A companhia é responsável pela dispersão das paineiras que embelezam a cidade de forma singular, seja na fase de floração ou na de maturação dos frutos. ;Na época da construção de Brasília, foram plantadas mudas para recuperar áreas degradadas. A paineira se desenvolve bem e rápido. Como o viveiro da Novacap ainda não produzia espécies nativas, foi preciso procurar exemplares em outras regiões;, disse Rômulo.
1 - Maciez e fragilidade
A paina é uma fibra fina e sedosa, mas pouco resistente, não sendo atualmente muito aproveitada na confecção de tecidos, mas como preenchimento de travesseiros e brinquedos de pelúcia.
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