Nesses 100 dias de seca, o Distrito Federal registrou mais incêndios que em todo o ano passado. E, pior, o fogo já consumiu 67,5% mais de cerrado. O volume de ocorrências e de território atingido levou o Corpo de Bombeiros a aumentar o número de equipes especializadas em combate a incêndios florestais. No entanto, elas não dão conta de atender todas as chamadas, que chegaram a 24 por dia em agosto, mês mais crítico. Faltam caminhonetes para os militares se dividirem melhor e chegarem mais rápido aos locais em chamas. A corporação também carece de aeronave e caminhões que levem água às regiões mais distantes e acidentadas.
Com cerca de 350 homens, divididos na sede localizada no fim da Asa Norte e no batalhão de Taguatinga, o Grupamento de Proteção Ambiental do Corpo de Bombeiros perdeu metade dos veículos de combate a incêndio. A unidade tinha 20 picapes com tração nas quatro rodas ; ideais para estradas de terra ; até o ano passado. Mas 12 delas, modelos L200 Mitsubishi fabricados em 2000, foram leiloadas após não suportarem mais o serviço. Restaram oito Land Rover. Por causa de estragos de todo tipo e a consequente manutenção, a corporação conta com uma média de seis veículos por dia.
Cada picape carrega cinco militares e equipamentos. Equipe suficiente para combater incêndio de pequeno porte. No entanto, com a reduzida quantidade de veículos, os bombeiros têm tido dificuldades para atender todas as ocorrências e chegar ao cerrado antes das chamas virarem labaredas ou se espalharem para uma área maior. ;Realmente, a demanda tem sido maior que a nossa capacidade logística. Infelizmente, isso tem nos levado a deixar de atender alguns casos;, reconhece o comandante do Grupamento de Proteção Ambiental, coronel Odilio Domingos Oliveira Silva. A unidade especializada em combate a incêndio florestal deveria ter, no mínimo, 20 picapes 4x4, segundo o oficial.
Ônibus de passeio
Sem as caminhonetes, as equipes de reforço são transportadas em dois ônibus e duas vans comuns, pesadas, lentas, incapazes de rodar em estradas estreitas e mal conservadas. Eles também não contam com caminhões e apoio aéreo adequados. Os modelos de caminhões de água do Corpo de Bombeiros do DF são para combate a incêndio em área urbana. Não conseguem correr em rodovias asfaltadas nem rodar pelas áreas rurais com segurança e, muito menos, entrar em reservas ambientais. A corporação nem sequer tem caminhões-pipa próprios, que poderiam ajudar levando água a áreas de mata fechada por meio dos geradores e mangueiras existentes em quase todos os quartéis.
Além dos atendimentos de emergência, principalmente em acidentes automobilísticos, na seca, os três helicópteros do Corpo de Bombeiros são acionados praticamente apenas para avistarem os focos de incêndio nos lugares de mais difícil acesso e medirem a extensão de queimadas. As aeronaves podem carregar uma bolsa com água de 200 litros, mas com quantidade insuficiente. ;É praticamente ineficaz o combate a incêndio com o helicóptero, pois ele leva pouca água. Serve mais para refrescar a equipe em terra que apagar o fogo;, afirma o tenente-coronel Paulo Roberto, porta-voz da corporação.
O Corpo de Bombeiros tem plano de comprar um avião bimotor adaptado para combate a incêndio florestal e capaz de transportar até 10 mil litros d;água. ;É quase certo que, no próximo ano, teremos a aeronave, avaliada em R$ 4 milhões. Breve lançaremos o edital de licitação;, garante Paulo Roberto. Ele afirma ainda que a corporação ganhará mais picapes para combate ao fogo, em 2011. Mas ainda não se sabe quantidade nem valores. ;Tudo vai depender de relatório a ser elaborado após o término do período de seca, da Operação Verde Vivo. O documento conterá tudo o que precisaremos para melhorar o atendimento do Grupamento de Proteção Ambiental;, pondera o oficial.
Previsão pessimista
Até 31 de agosto último, os bombeiros registraram 2.130 incêndios no DF este ano, com uma área queimada de 6,2 mil hectares. Nos 12 meses de 2009, houve 2.063 ocorrências, que consumiram 3,7 mil hectares. Cada hectare equivale, aproximadamente, a um campo de futebol profissional. O cenário só tende a piorar, pois a umidade vem caindo, os ventos aumentando e há previsão de chuva apenas para a segunda quinzena deste mês, podendo vir somente na última semana.
Três reservas ambientais registraram as maiores queimadas deste ano. O Parque Nacional de Brasília teve 10 hectares de área incendiadas. A Floresta Nacional de Brasília, em Taguatinga, teve 50 hectares atingidos pelo fogo. Já na Estação Ecológica de Águas Emendadas, em Planaltina, 20 hectares acabaram destruídos. No entanto, são incêndios considerados de pequeno e médio portes. ;Essa é a diferença deste ano para os anteriores. Nossos grandes mananciais estão preservados. Graças, principalmente, ao trabalho preventivo, com formação de aceiros;, ressalta o coronel Odilio.
Com a maior quantidade de propriedades rurais do DF, Sobradinho, Brazlândia, Gama e São Sebastião são as cidades mais afetadas pelos incêndios neste ano. ;Em quase todos os casos, o fogo é provocado pela ação humana. Na área rural, caseiros e chacareiros queimam o cerrado para pastagem, mas acabam perdendo o controle e provocando grandes incêndios;, alerta o comandante do Grupamento de Proteção Ambiental do Corpo de Bombeiros. Mas o fogo tem ameaçado cada vez mais a área urbana, chegando perto de casas, principalmente no Park Way, Lago Sul e Lago Norte, devido aos lotes vagos tomados pelo mato seco.
Freio no fogo
Aceiros são faixas ao longo das cercas onde a vegetação foi completamente eliminada da superfície do solo. A finalidade é prevenir a passagem do fogo para área de vegetação, evitando que o fogo de queimadas e incêndios se propaguem.
Fumaça, buraco e cobra são os maiores perigos
Em meio às labaredas, uma das maiores preocupações é com a inalação de grande quantidade de fumaça: trabalho no limite
João Felipe Zeidan Neto: ;O relevo e o vento são o que mais dificulta;
Com o agravamento da estiagem, o consequente aumento de incêndios e a falta de apoio aéreo e picapes, os 150 bombeiros do Grupamento de Proteção Ambiental têm trabalhado no limite. Chegam a passar as 12 horas de plantão sem comer para evitar o alastramento do fogo. O comando prioriza as ocorrências em reservas ambientais e em áreas onde as labaredas ameaçam propriedades rurais e casas. A estratégia tem dado certo. Mesmo com as deficiências, a corporação evitou tragédias. Até agora, não houve acidentes graves nem a destruição de parques ecológicos, como em anos anteriores.
O Correio acompanhou a rotina dos bombeiros no combate a incêndios durante três dias. Os repórteres registraram a luta incansável de homens muito bem treinados. Viu os militares evitarem que o fogo matasse o gado em fazendas, exterminasse animais nas reservas ambientais, destruísse a rede de energia no Lago Sul e consumisse residências no Park Way e Lago Oeste. Em meio às labaredas, as maiores preocupações eram a inalação de grande quantidade de fumaça, a insolação, buracos escondidos pelo mato e o ataque de animais peçonhentos acuados pelas chamas.
No entanto, neste ano, nem um bombeiro ainda foi vítima de grave acidente. Muito pela preparação, a cooperação entre os colegas e os equipamentos individuais de proteção. Se não tem caminhonetes e aeronave adequadas para combater incêndios, os militares brasilienses contam com o que há de melhor no trabalho em terra. Além do fardamento obrigatório, eles só deixam o quartel com mochila d;água para consumo próprio, óculos e balaclava. Para combater o fogo, levam uma bolsa com 20 litros de água, abafadores e facões. Cada um carrega, em média, 30kg de equipamento.
Durante a ação, os bombeiros trabalham em grupos de ao menos cinco homens, com pelo menos um rádio portátil para se comunicar com as demais equipes e o batalhão. ;O incêndio no cerrado expõe bastante o bombeiro pois queima rápido. Por isso, precisamos nos comunicar o tempo inteiro, para evitar que uma equipe fique cercada pelo fogo;, observou o capitão Paulo Cordeiro, 35 anos de idade e 16 de profissão. Ele esteve à frente do grupo de 40 militares que passaram a última terça-feira combatendo um incêndio de grandes proporções no Lago Oeste. Por pouco, as labaredas não chegaram a 20 residências. Mas elas destruíram toda a mata ciliar, galinheiros, cercas e depósitos.
A região do Lago Oeste apresenta as piores condições encontradas pelos bombeiros no DF. Lá há vales onde venta muito e o terreno próximo às nascentes de água é íngreme e esconde uma infinidade de pedras pontiagudas e buracos. ;O relevo e o vento são o que mais dificulta o combate a incêndios em Brasília. E, em meio ao fogo, os animais peçonhentos saem das tocas e atacam o que veem pela frente;, contou o capitão João Felipe Zeidan Neto, 52 anos. Nas quase três décadas trabalhando no Corpo de Bombeiros, ele presenciou vários acidentes com colegas durante o combate a incêndios. ;Muitos foram picados por cobras ou sofreram torções nos pés.;
O mesmo fogo que ameaçou as propriedades do Lago Oeste, destruiu 177 hectares do Parque Ecológico Terraviva, na Chapada da Contagem, e a pousada erguida no santuário ecológico. A queimada teve início no sábado e se alastrou graças ao vento, à grande concentração de mata seca e ao difícil acesso dos bombeiros. Sorte diferente tiveram os donos de oito casas na Quadra 13 do Park Way. Na tarde de quarta-feira, o fogo, provavelmente iniciado em uma queima de lixo, chegou ao quintal das caras residências do bairro nobre. Mas, por estar em área urbana, duas picapes e um caminhão de água dos bombeiros chegaram o local em menos de 20 minutos após o acionamento e evitaram o prejuízo.
Avanço
Mesma agilidade demonstrada logo em seguida, na QI 29 Lago Sul, onde a falta de limpeza em terrenos sem construção facilitou o avanço das chamas em todas as direções. Por questão de segundo, os militares evitaram a queima de uma parada de ônibus e a total destruição da rede de energia ao longo da margem da pista principal do bairro. Enquanto apagaram o fogo, de lá os bombeiros avistaram uma fumaça em meio aos pinheirais entre o Lago Norte e o Paranoá. A fumaça piorava ainda mais a visibilidade na densa floresta, onde normalmente quase não entra luz do sol. ;O que mais nos castiga é isso, a fumaça e o calor;, comentou o sargento Cláudio José de Barros.
Nos últimos 22 anos dos 42 de vida, ele passou a maior parte do tempo enfrentando as chamas no meio do cerrado. ;Já fiquei três dias sem ir em casa, ao lado de vários colegas, lutando contra o fogo. Isso foi em 2007, no Parque Nacional de Brasília;, ressaltou. Naquela que é considerada uma das maiores tragédias ambientais da capital do país, o incêndio de três anos atrás consumiu um terço dos 33 mil hectares da unidade de preservação ambiental. Mais de 500 bombeiros trabalharam na operação que durou uma semana. (RA)
Especialidade
O DF tem quase 500 bombeiros com formação específica para combater o fogo no cerrado, mas quase 150 estão lotados na área administrativa. Os 350 restantes se dividem em escalas de plantão com 12 horas de serviço e 72 horas de folga.
Filtro de gases
Uma balaclava é um gorro confeccionado normalmente com malha de lã (misturada com tecidos elásticos) que se veste de forma ajustada na cabeça até o pescoço. O modelo usado pelos bombeiros filtra os gases tóxicos expelidos pela fumaça do fogo.
O ar mais poluído
; As queimadas e o clima no Entorno e na Região Centro-Oeste tornaram o Distrito Federal líder no ranking das áreas com maior concentração de poluentes em todo o país. Os números do DF são superiores aos de São Paulo, considerada a cidade mais poluída do Brasil, e só se aproximam de Vitória (ES), a segunda na relação dos Indicadores de Desenvolvimento Sustentável, elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada na quarta-feira. O estudo mostra que o Distrito Federal tinha, em 2008, mais de 1.200 miligramas de partículas poluentes para cada metro cúbico contra 717mg de Vitória e 277mg de São Paulo.