Roberta Machado
postado em 11/09/2010 07:40
Retirado há mais de três meses do Memorial JK, o velho Ford Galaxie 500 retorna ao seu posto de exibição. O veículo volta à exibição amanhã, no aniversário de 108 anos de nascimento do antigo dono, Juscelino Kubitschek. O último carro pertencente ao ex-presidente foi removido da proteção de vidro em que se encontrava durante uma verdadeira operação de guerra, com o objetivo de restaurar cada peça, de volta ao seu estado original. Após quase duas décadas em exposição, o motor fundido, o chassi apodrecido e a carroceria danificada foram transformados por uma equipe de profissionais para que amanhã o Galaxie seja devolvido no mesmo estado em foi entregue para JK, há mais de 35 anos.O carro era usado pelo ex-presidente nas viagens à chamada Fazendinha JK, em Luziânia (GO). Apreciador do aconchego do veículo, Kubitschek dispensava o volante no trajeto. ;Ele levava um travesseiro e dormia no banco de trás. Era tão confortável que ele chegava lá tranquilo;, conta Cirlene Ramos, secretária da família Kubitschek há 43 anos e hoje diretora do Memorial JK. Durante a reforma, foi encontrado no porta-malas o braço de descanso do banco traseiro, retirado por Juscelino para ganhar mais espaço em suas sonecas de viagem.
Quem costumava dirigir o veículo eram os primos de JK, Carlos Murilo e Ildeu de Oliveira. Criado por Juscelino desde os 15 anos, o primeiro recebia o primo sempre que ele vinha a Brasília. ;Quando ele chegava, a casa enchia-se de gente. Para não criar problema, ele pedia para sair e ver a cidade;, lembra Carlos Murilo. Apaixonado por sua obra, JK admirava as construções da cidade ainda em desenvolvimento durante longos passeios no Galaxie 500.
A última viagem que o estadista fez no Galaxie foi ao aeroporto que hoje leva seu nome, para pegar o avião que o levaria ao Rio de Janeiro. Poucos dias depois, viria a falecer em um acidente na Rodovia Presidente Dutra, que liga o Rio a São Paulo. Por alguns anos, Sarah Kubitschek manteve o Galaxie, mas o vendeu quando se desfez da fazendinha. O veículo só retornou à família quando a Maçonaria o recuperou e doou a máquina ao Memorial JK.
A tarefa de restaurar o carro em estado de sucata foi conferida ao 16; Batalhão Logístico do Comando Militar do Planalto, mesmo grupo responsável por arrumar um Mercedes 220 ano 1963 de Juscelino para o aniversário de 50 anos de Brasília. Impressionada com o resultado do serviço, a neta de JK, Ana Cristina Kubitschek, pediu que o batalhão também recuperasse o Galaxie (1) que, desde 1981, descansava junto ao dono no Memorial JK.
Restauração
Foi grande o desafio de ressuscitar o Galaxie 1974 ; a exposição constante ao Sol e a falta de manutenção pioraram ainda mais o estado do carro. Nem a pintura era a mesma de antes, pois no fim de tarde o aquário projetado por Niemeyer onde a máquina ficava alojada recebia a luz solar e aquecia as peças de metal a um calor de mais de 70;. Para recuperar a cor original do automóvel, foi necessário desmontá-lo e conferir o interior, que ainda conservava a tonalidade original.
;Nossa missão era pegar o carro no estado de sucata e voltá-lo aos dias de glória em que ele era o orgulho do presidente da República;, conta o gerente do projeto, coronel Antônio Eleazar de Moraes. Para realizar a façanha, 12 militares e voluntários trabalhavam até 18 horas por dia, instalando peças doadas por aficcionados pelo Ford Galaxie e vibrando a cada obstáculo superado. No dia do primeiro teste em movimento do motor, a equipe teve de segurar o carro para pará-lo, já que os freios ainda não funcionavam.
Acostumados a consertar jipes e caminhões, os militares do Batalhão de Logística tiveram de reaprender a lidar com um motor conforme se acostumavam com a mecânica antiquada (2) e rica em detalhes do Galaxie 500. ;Foi tudo muito difícil, não é um veículo qualquer;, constata o mecânico do Exército André Revoredo.Para reparar a antiga máquina, as peças tiveram de ser arrecadadas de colecionadores, que não hesitaram em investir tempo e dinheiro na missão. Entre eles está Sergio Rego, mecânico que também havia ajudado na recuperação da Mercedes de JK. O pai do mecânico, Antonio Cunha Rego Neto, era o dono do posto da 315 Sul onde Sarah Kubitschek levava o veículo pra fazer os serviços de lubrificação e lavagem.
;O motor funciona como um velho relógio suíço;, atesta Sergio. O mecânico, hoje prestador de serviços para a embaixada dos Estados Unidos, garante que ajudará a manter o Galaxie funcionando sempre que preciso. ;Podem contar às gerações futuras que ele está em perfeitas condições, tal qual quando foi do presidente.
;A gente não queria que ficasse fora do padrão, então buscamos peças dos Estados Unidos feitas com o antigo ferramental da Ford;, explica Dino Dragone, integrante do grupo Amigos do Galaxie. Autor do livro Galaxie, o grande brasileiro, Dino coordenou a caça às peças de acabamento do carro em diversos países. Dino destaca as condições necessárias para que o carro não volte ao estado anterior: em garagem coberta, com pneus suspensos e sem gasolina, o veículo deve rodar esporadicamente, para não estragar.
O Memorial JK ainda não estabeleceu se o Galaxie será usado em datas comemorativas, mas, a partir de amanhã, o resultado da restauração poderá ser visto pelo público. Nas novas condições, o carro sai às 8h do 16; Batalhão Logístico, no Setor Militar Urbano, e segue em carreata com parte da família Kubitschek por diversos pontos turísticos de Brasília. O passeio termina com a chegada ao Memorial JK, onde será realizada a missa em homenagem ao aniversário de Juscelino.
1 - Carro de corrida
O Galaxie de JK tem um motor V8 de 4.800 cilindradas. Outros modelos do carro, como o 7 litre, tinham tanta potência que eram usados em corridas da Nascar.
2 - Modelo de luxo
O carro, fabricado pela Ford desde 1959 ; no Brasil, a partir de 1967 ;, contou com diversas versões desde o seu lançamento, todas famosas pelo número de detalhes cromados e pelo conforto que proporcionavam aos motoristas. O modelo usado por JK é um Galaxie 500 ano 1974, que tem até mesmo ar-condicionado. O Galaxie deixou de ser fabricado em 1983.