Cidades

Grupo com oito mulheres lança livro com 18 contos e 206 páginas

postado em 12/09/2010 08:00

São oito. Mas, na tarde quente e seca de quarta-feira, havia apenas sete naquela casa ensolarada na QI 17 do Lago Sul. Apenas? Meu Deus! Valei-me! Mesmo que estivessem duas já era motivo para uma festança. E lá estavam elas, animadas, tagarelas, festeiras, falando de vida, fazendo planos, contando histórias incríveis. Como troféu, um livro, que acabou de sair do forno. Ele tem 206 páginas e 18 contos. Foi escrito a oito mãos. Cada uma delas escrevia uma parte. No fim, um texto, que passeia pela imaginação fértil e pela própria experiência vivida por elas.

Escrito à mão e depois no computador, o material virou livro de 206 páginasNo que deu isso tudo? Uma obra que ficará para sempre: Retalhos, que será lançado na próxima quarta-feira. O nome não poderia ser mais apropriado. Há 10 anos, as meninas ; como elas mesmas se chamam ; se reuniram pra valer. Algumas já se conheciam havia tempos. Outras eram conhecidas do tempo da escola onde os filhos, hoje pais, estudavam. Havia aquelas que se conheceram por meio dos maridos. E assim o grupo se formou.

Mas os encontros das meninas, coincidência ou não, todas do Rio de Janeiro, eram apenas esporádicos. Em reuniões sociais, onde eles, os maridos, estavam. Mesmo assim, nem sempre estavam todas juntas. Um dia, cansaram do papo de futebol. Deram um chega-pra-lá nos maridos. Cartão vermelho. Dá-lhe, meninas!

Há 10 anos, elas começaram. Odimar (2ª à esquerda) tinha cabelos pretosResolveram, então, formar o Clube da Luluzinha. E como seria isso? Uma vez por semana, as oito meninas, a maioria aposentada, se encontrariam na casa de uma delas, no fim da tarde das quartas-feiras, e conversariam sobre a vida. Tem coisa melhor?

Mas estabeleceram um pacto. Jamais faltariam. Nesse dia, teriam que desmarcar até consultas médicas e cabeleireiro. ;Se duas faltassem, a reunião seria cancelada;, lembra a simpaticíssima Anete Braga da Costa, 65 anos, do Lago Sul, que durante a vida inteira foi professora de matemática. E Anete não foi sozinha aos encontros no Clube da Luluzinha. Levou a mãe, a tímida Odimar Braga, 88.

As reuniões passaram, então, a ser sagradas. Elas jogavam biriba, liam um livro em voz alta (cada uma lia um capítulo). Depois, discutiam sobre o que liam. Ah, as discussões entravam pela noite adentro. ;Claro que falávamos de novelas e de receitas também. Uma vez até inventamos de fazer tricô. O que era terminantemente proibido era falar de marido, doença e problemas;, diz a divertidíssima Neyde Bokel Schoellkopf, 69 anos, também do Lago Sul, alfabetizadora, carioquíssima de Vila Isabel, criada no Leblon, e desde 1972 na terra de JK. Como Anete, Neyde também trouxe a mãe, a dona de casa Arlinda Bokel, 86.

A partir da esquerda, Arlinda, Anete, Lúcia, Neyde, Elza, Odimar e Heloísa. Toda quarta-feira, elas desmarcam qualquer compromisso: é dia de soltar a imaginação e escrever histórias cheias de retalhosDas 16h às 19h30, as oito meninas se encontravam. ;Era a nossa terapia, uma troca de experiência única;, conta a bem-articulada Heloísa Cals Dolabella, 65 anos, auditora fiscal, carioca de Ipanema. E, então, as meninas seguiram e inventaram um mundo só delas. Descobriam coisas, se emocionavam com uma determinada leitura. Refletiam. Mesmo sem se darem conta, olhavam para elas mesmas. Fizeram e refizeram viagens internas muito pessoais.

O começo

Há oito anos, Neyde, que sempre lidou com a palavra escrita como alfabetizadora, teve uma grande ideia. Por que as meninas não escreviam coisas? ;Era assim, uma começaria, a outra prosseguiria até chegar à última;, explica. A professora Anete adorou a ideia. A carinhosa Elza Rio Machado de Barros, 78 anos, carioca do Meier, servidora pública do antigo INPS, gelou. ;Meu Deus, será que vou dar conta?;, pensou. A elegante Lúcia Campello, artesã de 73 anos, carioca do Leblon, hesitou: ;Vai dar certo, gente?;.

Neyde bateu pé. Disse que elas conseguiriam. Anete virou professora de novo. ;Quem não trazia o dever de casa (a parte escrita) ficaria de castigo. Não lanchava;, conta, às gargalhadas. As meninas levaram a sério. Perder o lanche pra lá de gostoso que elas preparam é crime de lesa-pátria. As quartas-feiras, portanto, viraram sagradas. E o ritual era o mesmo. Em uma semana uma começava um conto. Noutra, havia a continuação. E, assim, se passavam oito semanas (dois meses) para que a obra ficasse pronta.

Neyde e Anete viraram uma espécie de supervisoras dos textos. Recebiam os originais, escritos à mão, e digitavam. Pronto, o conto era lido em voz alta. E era hora de reparar as incoerências. ;Nós dávamos muita risada. Era quando percebíamos as trocas, as loucuras que escrevíamos;, diz Neyde. Anete dá um exemplo: ;Uma vez contávamos a história de crianças trocadas na maternidade. Mas como trocamos, se os bebês que inventamos pra nossa história eram de sexos diferentes? Meu Deus!”.

As meninas foram se aperfeiçoando. Os erros, antes fatais, já não eram mais cometidos. Passaram-se oito anos, em reuniões semanais. Uma quarta ou outra, quando uma viajava ou no fim do ano, o encontro era cancelado. Veio a ideia de editar tudo aquilo. Transformar os contos em livro. Elas brincavam como seria a noite de autógrafos. Elza, temerosa, um dia perguntou: ;Gente, quem vai se interessar em ler essas coisas?; Lúcia estava com a resposta na ponta da língua: ;Ora, meu marido;. Risada geral.

A aparente brincadeira foi ficando séria. Nos últimos quatro anos, mensalmente, elas se cotizavam para bancar a edição do livro, ainda sem nome. Cada uma depositava R$ 30. E o dinheiro foi rendendo. Este ano, somaram a quantia. Algo perto de R$ 7 mil. Poderosas, bateram o martelo. Iriam, sim, contar pro mundo o que suas cabecinhas férteis haviam imaginado.

A consagração

Procuraram várias editoras. Pesquisaram. Encontraram uma que oferecia pacote completo ; da arte na capa à revisão final. Toparam. O livro sonhado virava realidade. Elas se autoavaliaram. Neyde garante que, escrevendo, aprendeu a ouvir melhor. Elza se superou: ;Era meio tímida, retraída. Senti que fiquei mais aberta. Escrever me ajudou a expressar melhor o que sentia. Eu não paro mais de falar...;

Heloísa, auditora federal, que se achava perfeccionista e trabalhou a vida inteira com assuntos técnicos, bem cartesianos, viu-se criando histórias e um mundo de faz-de-conta. Anete, a professora de matemática, assume: ;Preferia ligar pra alguém a ter que escrever carta, um cartão. De repente, descobri que tinha a imaginação fértil;. Lúcia adorou a troca de experiências entre as meninas. Arlinda descobriu o valor da amizade. Odimar, a mais vivida do grupo, mais quietinha, também escreveu umas coisinhas e fez, literalmente, muito crochê.

O grupo já tem planos. Virá um segundo livro. ;Já rascunhamos algumas coisas. A gente tá com a corda toda;, empolga-se Anete. Neyde coça a mão para escrever mais e mais. Heloísa encantou-se com a possibilidade de brincar de ser outra, emprestar emoção a alguém muito diferente dela. Elza quer contar, contar e contar outras histórias. Espalhar-se.

Odimar, de cabelos da cor de neve, caladinha, vai tecendo seus bordados. Lúcia quer se encantar mais com a capacidade da criação de um escritor. Arlinda sonha dividir, somar, juntar. Brindar, toda quarta-feira, a amizade e o prazer de criar. Márcia Snitcovsky, 55 anos, que não estava na tarde da entrevista, quer também tudo isso. E muito mais.

E foi assim, como um conto, de pouquinho em pouquinho, como uma gestação, que nasceu Retalhos. É um pouco ou muito de cada uma delas. É verdade e mentira. Ficção e realidade. É sentimento e reflexão. Diversão e terapia. Pura emoção. Quando tudo parecia mais calmo ; filhos crescidos, netos chegando, aposentadoria plena, uma vida menos agitada, menos preocupação ; a escrita invadiu a vida dessas mulheres como um furacão. E elas renasceram. Explodiram. Viraram do avesso. Os maridos? Serão apenas seus leitores e terão que se acostumar a pedir autógrafos. Essas meninas escritoras são sensacionais. Te mete com elas!

Trechos de Tainá, um dos 18 contos


A pele já não era tão fresca. Algumas rugas já marcavam aquele belo rosto. Os cabelos brancos ela já não tentava mais disfarçar. O brilho nos olhos já não era o de uma adolescente. Parece que a velhice chega primeiro no olhar... É como se uma névoa embaçasse seu brilho. Principalmente quando são olhos verdes, como os dessa distinta senhora.

Ela se olhou no espelho. Ajeitou o fio de pérolas ao redor do pescoço e colocou os brincos, também de pérolas.

Escovou os cabelos curtos mais uma vez e sorriu ao lembrar-se de como eram compridos na época em que era jovem.

Alguém bateu à porta do quarto: ; Entre, disse a senhora. Uma menina de mais ou menos 12 anos de idade entrou correndo pelo quarto.

Lá embaixo, ao pé da escada, em torno de uma magnífica árvore de Natal, estava toda sua família, ou melhor, sua filha Janaína e seu genro Rogério. Lágrimas começaram a dançar no canto de seus olhos. Ela disfarçou e foi descendo a escada calmamente. A mãozinha de sua neta na sua trazia-lhe uma sensação de familiaridade e conforto. Mas cada degrau da escada era como um passo em direção ao passado e, à medida que as lembranças brotavam em sua mente, imagens dançavam à sua frente como um filme sendo exibido numa tela imaginária...

Serviço

NÃO PERCA// Lançamento: Retalhos, quarta-feira, 19h30, Livravia Cultura do Iguatemi Shopping. Preço do livro: R$ 30. As meninas aceitam outras meninas no grupo. Contato pelo e-mail: asmeninas2010@yahoo.com.br. Telefone: 7815-8609 (Anete) e 9122-0008 (Neyde)

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