Cidades

Funcionários do Zoo de Brasília levam bichos para cuidar em casa

postado em 13/09/2010 08:00
Cléa Magalhães se tornou Quando o dia vai embora e as portas do Jardim Zoológico de Brasília se fecham para o público, começa o expediente para alguns funcionários da instituição. Biólogos e veterinárias (entre eles há apenas um homem) tomaram para si a responsabilidade de dar um pouquinho de amor de mãe (ou de pai) aos filhotes de leões, onças, macacos, aves e muitos outros bichinhos órfãos ou que foram rejeitados pelos pais. São animais que ficaram sem a proteção de um adulto da mesma espécie pela ação criminosa do ser humano ou por conta de acidentes, como atropelamentos. Todos os dias, ao sair do trabalho, cada uma das funcionárias leva para casa ; com autorização especial do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) ; aqueles que precisam de atenção constante durante toda a noite para se alimentar e não podem contar com uma família da mesma espécie.

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Os pequenos podem ser mais parecidos com os bebês de gente do que muitos imaginam. ;É preciso dar de mamar de duas em duas horas para um filhote bem pequeno de macaco ou lobo, por exemplo. O mesmo intervalo de tempo vale para dar de comer a uma arara bebê. Fico a noite toda acordada quando algum deles está lá em casa. Como não podemos ficar no zoológico 24 horas por dia, levamos eles conosco;, explica a superintendente de Conservação e Pesquisa do Zoológico de Brasília, Clea Lúcia Magalhães.

Há 20 anos, Clea abdica de diversas noites de sono em nome do amor que ela nutre pelos bichinhos desprotegidos. Já levou para o aconchego de sua casa filhotes de leão, onça, jaguatirica, sagui e muitos outros. ;Um entregador de água quase saiu correndo quando viu um leão dentro da minha casa. Depois disso, ele sempre pergunta antes de entrar se não tem leão nem onça;, lembra Clea, aos risos.

Sono

A bióloga Paula Jotta passou noites em claro dando mamadeira para Cris, uma macaca-da-noite. Cris tinha pai e mãe. Mas era o primeiro filhote da família. A mãe não sabia cuidar da cria nem dava de mamar. ;No começo, a Cris ficava em uma caixa de sapato, era pequena e frágil, teve até hipoglicemia. Meses depois de receber carinho e cuidados, cresceu, ficou saudável e passou a fazer bagunça na casa toda de noite;, explica Paula.

Em agosto deste ano, Cris completou um ano de vida e está exuberante em seu recinto. ;Não é bom retirar um filhote de perto dos pais. Só fazemos isso em casos extremos. E tomamos todo o cuidado para não transformá-los em bichos de estimação. Criamos eles até que estejam independentes e fortes para voltar ao ambiente coletivo;, afirma.

Outra funcionária do zoológico, a veterinária Ana Cristina de Castro, também viveu a experiência de abrigar em casa um bicho com hábitos noturnos, uma coruja. Ana é conhecida como a ;mãe das aves;. ;Eles gritam pela gente, exigem a nossa presença. São como filhos;, conta. Atualmente, ela tem 23 ;filhos adotivos;, mas ainda não pôde levá-los para casa. Os pássaros estão na incubadora. ;Elas não têm penas ainda e não conseguem regular a própria temperatura sozinhas. Então, eu e o Ricardo ; veterinário e ;pai das aves; ; estamos aqui de segunda a segunda-feira.;

Ricardo de Oliveira é o único homem que participa da ação voluntária. Durante mais de seis meses, ele abrigou em casa Raíto, uma viçosa arara-azul macho que nasceu no zoológico depois de ser apreendida ainda em ovo, dentro da barriga de um traficante que tentava embarcar em um avião no DF. O animal nasceu com necessidades especiais e por isso precisa ainda mais da ajuda dos veterinários. ;Não me importo de perder festas no fim de semana para ficar com ele em casa;, diz Ricardo.

Traumas

A superintendente de Conservação e Pesquisa do Zoológico explica a importância do cuidado oferecido aos pequenos animais. ;O amor é importante porque, assim como os bebês humanos, na ausência de quem cuide deles, os filhotes podem crescer traumatizados, não saber se relacionar com os outros e até ficar doentes, com baixa imunidade;, diz. Durante a entrevista ao Correio, ela dividia a atenção entre a equipe de reportagem e o carinho com dois tamanduás, um mirim e um bandeira, chamados de Drops, 3 meses, e Chanti, 7 meses, sem medo do abraço do bicho de garras grandes e afiadas.

A mãe de Chanti morreu atropelada quando ela era recém-nascida. A pequena foi recolhida pelo Ibama e levada ao zoo. Hoje, se Clea viaja, é um sacrifício fazer Chanti se alimentar. A tamanduá-bandeira reconhece a voz e o cheiro da veterinária. Anda atrás de Clea o dia todo e gosta de ganhar colo para dormir. ;Quando a Clea saiu de férias, a gente tinha que imitar a voz dela para a Chanti comer. Você precisa ver como é essa relação;, conta o presidente do zoo, Raul Gonzales.

Pagamento

Toda essa dedicação é paga apenas com o afeto que os bichos transmitem como sinal de gratidão. Clea e as outras voluntárias não recebem horas extras pelo serviço. Doação de tempo e altruísmo dignos de pais e mães. ;A recompensa é vê-los crescendo cada vez mais independentes. Os bichos sabem demonstrar amor com gestos, com um olhar. Só existe pureza no mundo dos bebês;, destaca Clea. Não raramente, é preciso tirar dinheiro do próprio bolso para dar o melhor remédio ou alimento aos filhotes. ;Tudo no zoológico exige licitação e isso demora. Então nós compramos os itens urgentes, como leite especial, quando falta. Algumas pessoas criticam quem gasta dinheiro com bicho. Mas nós, seres humanos, somos responsáveis por eles estarem sem pai e mãe, nós fazemos queimadas, desmatamos;, enumera.

Entrar na sala da superintendente exige muito cuidado. Cada passo desatento é um risco, uma ameaça de pisar em Raíto, Chanti ou Drops, que vivem no escritório quando não estão na casa de algum dos funcionários. Isso porque eles ainda não podem ficar em companhia dos outros animais. Do lado de fora da sala, perto da porta que dá acesso a um jardim, mora o pequeno lobo-guará Vitor, nascido no zoo, que já morou na casa da bióloga Paula.

Em meio aos papéis que registram a rotina administrativa, Clea oferece aconchego aos filhotes. Cada um tem seu cantinho adaptado com direito a almofada para dormir e até uma caixa cheia de cupins capaz de abrir o apetite de qualquer tamanduá. A foto que enfeita a mesa de Clea é a de Raíto ;beijando; Chanti, nome que significa paz em sânscrito e foi escolhido pela veterinária. A cena inusitada ; dois bichos tão diferentes um do outro se amando de maneira fraternal ; se repete ao longo do dia, diante dos olhos de qualquer funcionário ou visitante. Os animais, definitivamente, estão à vontade naquele ambiente. ;A casa é deles. Se precisar tirar a mesa do escritório para eles ficarem mais confortáveis, eu tiro;, conclui a diretora.

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