Um animal tem invadido os apartamentos do Bloco F da Quadra 206 da Asa Norte. Apelidado de Aranha, um gato escala dia e noite as paredes vazadas do prédio. Chega a ficar pendurado a uma altura superior a 20 metros, mas foge quando alguém ameaça chegar perto em uma tentativa de resgatá-lo. O gato tem pelagem rajada, olhos azuis e usa coleira. ;É lindo, mas ao que tudo indica ele foi abandonado pelo dono;, acredita a médica veterinária Márcia Ferreira, 53 anos, moradora do 6; andar. Há duas semanas ela resolveu montar um dormitório para o animal, com direito a casinha, água, ração e caixa de areia. ;Volta e meia ele aparece miando por aqui. A gente tem esperança de achar o dono ou alguém que queira adotá-lo;, disse a filha de Márcia, a arquiteta Carina Barros, 24 anos.
A sensação do momento vem sendo o gato, sobretudo por suas peripécias. Aranha é macho e deve ter entre sete e nove meses, conforme avaliação de Márcia. No auge da idade, e naturalmente esfomeado, o felino sobe e desce os cobogós atrás de comida e de um lugar seguro para dormir. Aranha faz supor ser verdadeiro o mito de que gatos têm sete vidas: não se intimida com a possibilidade de queda. ;Não mexo muito com ele porque fico apavorada com medo de ele cair;, disse a veterinária, que espalhou cartazes pela Universidade de Brasília (UnB), em uma tentativa de encontrar o dono.
Márcia só não o coloca dentro de casa porque já é dona de outros quatro gatos e também de um cão da raça poodle. Outra questão, ela atenta, é que colocar as mãos no felino não é tarefa simples. ;Ele é muito bonzinho, mas ainda está muito assustado. Estou tentando fazê-lo se acostumar comigo primeiro.; A vida peregrina de Aranha já dura um mês. Os moradores desconfiam que ele tenha sido deixado por uma família que se mudou do prédio na mesma ocasião. De lá para cá, o bichano tem se virado como pode para conseguir comida e conquistar o coração dos moradores. ;Ou ele veio para o prédio certo ou caiu nas graças de todo mundo daqui;, brincou a professora de inglês Mires Terada, 42 anos.
O zelador Daniel Júnior Pereira Barbosa, 21 anos, conta que certo dia o gatinho entrou no apartamento de uma família que tinha acabado de lanchar. Na mesa ainda havia pães e algumas outras guloseimas. ;Ele aproveitou a hora que todo mundo saiu da sala para comer o restante do lanche;, contou o funcionário, entre risos. Outra vez, à noite, Aranha entrou no apartamento 203 do Bloco F. ;Meu filho viu dois olhinhos brilhando no escuro e quando chegou mais perto era o gato em cima da geladeira. Ele estava muito assustado, mas ainda assim tomou o leite que meu filho deu para ele;, contou a pedagoga Clarinda Fonseca, 56 anos, que tem em casa três chinchilas, roedores que se assemelham a esquilos e coelhos.
Esta não foi a primeira vez que um gato perdido do dono apareceu na 206 Norte. Há cerca de 10 anos, outro bichano se aventurou nas paredes dos blocos, mas acabou caindo do 4; andar quando um morador tentou tirá-lo do alto. O gato foi acostumado pelos moradores e porteiros a comer filé de peixe. ;Era um gato muito chique;, lembra o porteiro do Bloco G, Cleano Pereira Sales, 39 anos, que há 18 anos trabalha na Superquadra 206.
O ninho do urubu
Não é só Aranha que faz sucesso entre os moradores. Na cobertura do Bloco G, um urubu fêmea que deveria estar bem longe dali ; nos lixões espalhados pelo DF, por exemplo ;- observa do alto toda a movimentação em solo. Atenta e com o olfato apurado, a ave voa quando sente o cheiro de um animal morto e em estado de putrefação. Ratos e pombos estão entre os preferidos. Da janela, a ação predadora pode ser registrada pelos moradores. Mas o que nem todo mundo sabe é que o urubu quase não sai da cobertura por causa do filhote, que esconde nos fundos da calha do prédio. O porteiro Cleano Pereira Sales, 39 anos, estima que a avezinha tenha nascido há cerca de três meses.
Apesar de o aparecimento de urubus em área residencial ser atração, os moradores têm medo de contrair doenças, justamente pelo cardápio desse animal ser basicamente de restos mortais. Segundo Hugo Américo, chefe da Divisão de Gestão e Proteção Ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), tem sido cada vez mais comum o aparecimento de urubus nos prédios do Sudoeste, Asa Sul e Asa Norte. ;O que acontece hoje é que o lixão da Estrutural está em um local inadequado e os urubus têm vista privilegiada para ele;, explicou. Ele orienta que as pessoas mantenham os espaços limpos para evitar a presença dessas aves.
Para saber mais
Faxineiro de nascença
O urubu é uma ave de rapina da família Cathartidae. No Brasil, sua caça é proibida, pois a ave é considerada importante na limpeza do meio ambiente por ajudar a controlar epidemias provocadas por animais mortos. Segundo o sargento do Batalhão de Polícia Ambiental Paulo Dias, ninhos de urubu também não podem ser retirados: isso constitui crime ambiental previsto no artigo 29 da Lei n; 91605/98. ;Somente em casos em que o animal estiver machucado nós podemos atuar e levar seja para o Zoológico ou para o centro de triagem do Ibama;, explica.
Adoção e remoção
Amantes de gatos podem ir até o Bloco F da 206 Norte e procurar na portaria pela veterinária Márcia. O telefone dela é 8116-1143. Quanto a casos em que seja preciso transportar aves machucadas para o Zoológico ou para a triagem do Ibama, o contato pode ser feito pelo telefone 190.