Cidades

Goiás é o estado com maior número de processos por tráfico de pessoas

Levantamento do Ministério da Justiça coloca Goiás como o primeiro no ranking de condenações e número de processos por tráfico de pessoas. A situação reforça o DF como porta de saída

Guilherme Goulart
postado em 17/09/2010 07:55
A ação de organizações criminosas ligadas ao tráfico de pessoas para exploração sexual de mulheres nunca esteve tão perto do Distrito Federal. Relatório do Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, do Ministério da Justiça, revelou que Goiás aparece como o estado brasileiro com o maior número de processos e condenações pelo crime. São 36 casos entre 2002 e 2008 ; 17% do total de 211. Como consequência, Brasília se firma como porta de saída de goianas abusadas por quadrilhas de prostituição internacional, como denuncia o Correio desde o início de 2009 (leia Memória).

Para o coordenador do Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da Secretaria Nacional de Justiça, Ricardo Lins, que a condição da capital federal como rota de saída para as vítimas de exploração sexual se assemelha com a de outros estados brasileiros. Alguns deles, como Pernambuco, servem como ponto de partida para mulheres de regiões vizinhas. ;A informação que nós temos é que o aeroporto de Brasília se tornou saída para as vítimas da exploração sexual no exterior por conta de Goiás. Isso ocorre de forma parecida em Pernambuco;, explicou.

Apesar da situação candanga, a capital não registrou condenações e processos por tráfico de pessoas para exploração sexual nos últimos anos. Há 17 estados no ranking estabelecido pelo relatório do Ministério da Justiça. São Paulo aparece na segunda colocação, com 29 casos. Minas Gerais, outro estado vizinho à capital do país, ficou na terceira posição, com 28. O Disque 100, serviço administrado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, recebeu 351 denúncias de tráfico de mulheres entre 2005 e 2009.

Para conter o avanço do problema, o governo brasileiro cumpriu 90% das 11 prioridades previstas no Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Entre elas, campanhas nacionais de conscientização e capacitação de agentes civis e públicos, como policiais federais. O restante das metas passa pelas criações do Comitê Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e do 2; Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, além da divulgação de pesquisa do Escritório das Nações Unidas para o Combate às Drogas e Crime, em parceria com o Ministério Público Federal.

Mortes
Para o chefe da Assessoria Especial de Assuntos Internacionais do Estado de Goiás(1), Elie Chidiac, os dados levantados pelo Ministério da Justiça coincidem com a realidade goiana. O tráfico de pessoas voltado para a prostituição internacional é combatido no estado vizinho ao DF desde o início dos anos 2000. Foi a própria assessoria a responsável por alertar ao Ministério da Justiça o avanço do crime no estado e no país. ;Essa quantidade de processos e condenações também ocorre por conta da atuação do Estado, que há muito tempo combate o problema em parceria com a Polícia Federal de Goiás;, disse.

Uma das principais preocupações do órgão goiano é a violência imposta pela atuação das quadrilhas internacionais no exterior ; a maioria mantém aliciadores no Brasil. Levantamento do órgão goiano revelou que houve neste ano sete mortes de goianas em outros países, três delas em razão do tráfico de mulheres. Os assassinatos ocorreram na Espanha, Itália e Áustria. No ano passado, 10 garotas de programa nascidas em Goiás perderam a vida pelo mesmo motivo. A maioria dos crimes ocorreu na Espanha e nos Estados Unidos.

Segundo Chidiac, a queda na quantidade de mortes ; a média anual alcançou há alguns anos a 20 garotas ; se explica não só pelo trabalho de conscientização. Mas também pela crise econômica mundial e a concorrência do Leste Europeu. ;Já ouvimos relatos de que não compensa mais sair do país para se expor à prostituição . Há até pouco tempo se pagava entre 120 e 150 euros por um show. Hoje, pagam 30 euros;, afirmou. Chidiac, representantes da Polícia Federal e do Palácio do Itamaraty irão à Europa no fim deste mês para continuar trabalho de orientação às vítimas do tráfico de pessoas.

Lucro
Dados usados pelo Serviço de Repressão ao Trabalho Forçado (Setraf(2)) da Polícia Federal revelam o perfil das brasileiras que acabam a serviço da prostituição internacional. A maioria tem entre 18 e 30 anos, baixa escolaridade e histórico de violência doméstica, além de ser mãe solteira. O levantamento, divulgado pela PF na Universidade de Brasília (UnB) durante o seminário Saúde, Migração e Tráfico de Mulheres: o que o SUS deve saber, mostrou ainda que 75 mil mulheres do país sofrem exploração sexual em Espanha, Portugal, Itália, Suíça, Venezuela, Suriname, Guiana Francesa, Guiana Inglesa e Holanda.

A Polícia Federal desencadeou 52 operações especiais entre 2004 e 2009, que resultaram em 90 prisões de pessoas acusadas de tráfico de seres humanos. As ações policiais permitiram traçar algumas das características dos aliciadores. Boa parte deles é mulher e ex-vítima de exploração sexual fora do país. Também tem mais de 30 anos e vive em regime de casamento ou união estável. Estimam-se que os criminosos lucrem até US$ 30 mil com cada vítima. A maioria delas nasceu em Minas Gerais, Goiás, Rio de Janeiro e São Paulo.

1 - Combativo
O órgão, criado em 2000 pelo governo goiano, presta assistência aos familiares e às vítimas do tráfico de pessoas e da exploração sexual no exterior. O combate passa por três pilares: repressão, assistência e conscientização. Trabalha em parceria com a Polícia Federal e o Ministério Público de Goiás.

2 - Perfis
A Polícia Federal se baseia em estudos e levantamentos realizados pelo Escritório das Nações Unidas Sobre Drogas e Crimes (Unodc, sigla em inglês) e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) para combater o tráfico de pessoas. Os dados servem como base para estratégias e operações especiais.

Memória
Saída pelo aeroporto
O Correio publica série sobre a prostituição internacional no Brasil desde março de 2009, quando Brasília passou a fazer parte das rotas internacionais de tráfico de seres humanos. As primeiras reportagens revelaram que, assim como São Paulo e Rio de Janeiro, a capital do país virou porta de saída de garotas convencidas a vender o corpo no exterior. A partir do

Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, mulheres, a maioria goiana, seguem rumo à Europa. Portugal, Espanha, Bélgica e Suíça aparecem como os principais destinos.

A primeira sequência de reportagens, publicada entre 22 e 24 de março, detalhou o perfil delas. A maioria tem menos de 30 anos. Algumas são exploradas inclusive pela máfia russa. No fim de junho de 2009,o jornal também revelou a participação de Anápolis (GO) no tráfico de seres humanos a partir do Brasil. Em julho, o jornal mostrou que, em média, 20 brasileiras são assassinadas no exterior em consequência da exploração sexual. Na época, nove haviam sido mortas na Espanha, nos Estados Unidos e no Brasil.

O jornal também fez várias reportagens sobre o assassinato da goiana Letícia Peres Mourão, 31 anos. Ela perdeu a vida em março do ano passado no Guará. A Polícia Civil do DF suspeita que a organização chefiada por Miguel Arufe Martinez, o Antonio, esteja por trás do crime. Ao ter acesso a documentos sigilosos, o Correio detalhou os depoimentos dados pela vítima à polícia e à Justiça espanholas. O grupo chefiado por Antonio acabou desarticulado em março de 2010 durante megaoperação da Polícia Federal espanhola. Os policiais o prenderam em Tarragona, a cerca de 100km de Barcelona, além de 30 pessoas.

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