Renato Alves
postado em 20/09/2010 08:09
Documentos sigilosos do Comando-Geral da Polícia Militar de Goiás (PMGO) revelam como integrantes da corporação organizavam mortes sob encomenda na região do Entorno do Distrito Federal. Além de sequestrar, executar e esconder os corpos de suas vítimas, o grupo liderado por um major, ex-comandante do batalhão de Formosa (GO), é acusado de vender proteção a fazendeiros e políticos das cidades goianas vizinhas de Brasília. O oficial e seus subordinados teriam, inclusive, matado um pecuarista a mando de outro, por causa de uma disputa de terras. Coronéis garantem haver provas suficientes contra o bando, tanto que indiciaram todos por crimes dolosos contra a vida.
O Correio teve acesso à documentação. Com o carimbo ;reservado;, as 30 páginas contêm a descrição da suposta atuação do grupo de extermínio, as provas levantadas pelo serviço secreto da PMGO e os argumentos de dois coronéis da corregedoria da corporação e da Auditoria Militar de Goiás para indiciar e denunciar 11 policiais militares. Nos pareceres, os oficiais destacaram, entre outras coisas, registros das viaturas e dos carros particulares dirigidos pelos acusados, perícias e depoimentos de testemunhas. Por se tratar de crimes dolosos contra civis, promotor e juiz do Tribunal Militar mandaram o caso para a Justiça comum. Se condenado, cada acusado pode pegar quase 100 anos de cadeia.
A investigação sobre o suposto esquadrão da morte durou quatro meses, tendo início em março, após a Comissão de Direito Humanos (CDH) da Assembleia Legislativa de Goiás denunciar e exigir explicações sobre o sequestro e a execução de quatro jovens nas vizinhas Flores de Goiás e Alvorada do Norte (GO), a mais de 230km de Brasília. Os crimes ocorreram em 26 de fevereiro e acabaram atribuídos por moradores e, depois, pela Corregedoria da PMGO, ao então comandante do 16; Batalhão, major Ricardo Rocha Batista, e mais 10 militares. Eles já vinham sendo investigados por uma série de mortes com características de ação de grupo de extermínio em Formosa, sede da unidade policial.
As ações do bando em Flores e Alvorada do Norte, segundo o resumo do Inquérito Policial Militar (IPM) n; 25/10, contido no relatório a que o Correio teve acesso, começaram após reunião realizada em Flores, em 25 de janeiro. Além do major Ricardo, estavam presentes o prefeito da cidade, Valmir Soares (PMDB), vereadores e pecuaristas. Eles ;trataram dos altos índices de criminalidade na região, em especial as ocorrências de roubo e furto nas propriedades rurais;, de acordo com o inquérito. Na oportunidade, foi apresentada ao prefeito proposta de convênio com a Secretaria de Segurança Pública de Goiás para pagar aluguel de carro e hora extra aos policiais militares ;destinados àquela missão;.
[SAIBAMAIS]Ao Correio, Valmir Soares afirmou que a iniciativa partiu do major Ricardo. ;Foi ele quem nos procurou e fez a proposta;, contou o prefeito. Ele confirmou a reunião, mas garantiu não ter assinado o convênio. ;Era importante para a comunidade, pois temos muito problemas com segurança, mas o município não tinha como arcar com os custos. Por isso não assinei nada;, comentou. No entanto, segundo o inquérito, o patrulhamento rural comando por Ricardo Rocha começou em 1; de fevereiro. ;Talvez ele tenha feito algum acordo com fazendeiros depois desse encontro, em outro local;, observou o prefeito de Flores de Goiás.
Pistolagem
O major mandou dois militares, um deles do serviço secreto do batalhão de Formosa, ;efetuarem levantamentos da área rural de Flores de Goiás no intuito de localizarem máquinas e implementos agrícolas objetos de furtos;, de acordo com o IPM. Como destaca o inquérito, chama a atenção o fato de o 16; Batalhão, e, consequentemente, o major, não serem responsáveis pelo policiamento em Flores nem em Alvorada do Norte. E, ainda de acordo com o inquérito, na mesma época o oficial teria sido procurado por prefeito de outra cidade fora de sua competência para praticar um crime de pistolagem.
O Termo de Encerramento do IPM n; 25/10 relata denúncia recebida pela Corregedoria da PMGO de que o prefeito de Padre Bernardo, Wayne do Carmo Faria (PSC), ;contratou o major Ricardo Rocha para matar larápios que haviam praticado furto na Fazenda Saranã, de propriedade do prefeito, sendo o crime encomendado por R$ 35 mil.; A fazenda fica em Alvorada do Norte. Ainda segundo a denúncia, a mando do major, um sargento de Flores e um cabo de Formosa saíram à procura dos autores do furto. Nessa suposta investigação clandestina, os PMs teriam trocado tiros com dois suspeitos perto da propriedade do prefeito.
O cabo acabou baleado, mas, segundo o IPM, ;a fim de desviar a atenção;, a dupla de militares fraudou a ocorrência, colocando no papel que a troca de tiros havia ocorrido em outra localidade, distante das terras do prefeito. Os responsáveis pelo inquérito afirmam haver provas da ação ilegal dos dois PMs em Alvorada do Norte e apontam outra fraude, orquestrada por Ricardo Rocha. ;Ele (o major) arrancou a página do livro relativa à parte diária n; 047/2010 e lavrou um novo relatório;. O livro em questão é o do comando do 16; Batalhão da PMGO, onde eram relatadas todas as operações da unidade. O prefeito de Padre Bernardo nega as acusações. ;Estou ouvindo falar do nome desse major pela primeira vez agora, de você;, afirmou Wayne Faria, por telefone.
PMs livres
O prefeito confirmou ser dono da Fazenda Saranã, com 7 mil hectares e cerca de 5 mil cabeças de gado. A Corregedoria da PM não levou adiante a investigação contra Wayne Faria porque o crime que ele supostamente teria encomendado não foi executado. Mas a corporação concluiu o inquérito das quatro mortes em Alvorada do Norte e indiciou os militares. ;Todos foram indiciados e denunciados à Justiça comum por se tratar de crime doloso contra civis. Se forem condenados a mais de dois anos, serão julgados no Tribunal Militar e poderão até ser expulsos da corporação. Mas, por enquanto, são todos réus primários;, explicou o corregedor-geral da PMGO, coronel Lourival Camargo.
Outro inquérito da chacina de Alvorada do Norte está em andamento na Polícia Civil, mas nenhum delegado fala sobre o caso, tratado como sigiloso. O major Ricardo Rocha não dá entrevista sobre as denúncias, assim como os colegas indiciados.