postado em 20/09/2010 10:45
Entre os principais avanços alcançados pelas regras aplicáveis ao setor de consórcios em vigor desde 6 de fevereiro do ano passado, estão a maior segurança para os cotistas e as novas condições para devolução dos recursos investidos em situações de desistência. Não raramente, no entanto, os consumidores de contratos anteriores à lei continuam obrigados a recorrer à Justiça quando ocorrem conflitos relacionados à solidez da administradora e ao prazo para estorno das quantias já pagas em casos de cancelamento ; mesmo quando a razão são as falsas promessas de corretores. Os problemas demonstram que não basta apenas uma legislação eficiente. É necessário também mais cuidado na hora de aderir a um investimento desse tipo e maior rigor na fiscalização por parte do Banco Central.
Os cotistas do Consórcio Nacional Santa Ignez, por exemplo, ainda guardam esperanças de receber o dinheiro investido durante anos. No dia 3 deste mês, foi decretada falência do consórcio. Essa foi apenas a primeira etapa na luta entre proprietários e a administradora. Os sócios-proprietários não concordam com a sentença e podem recorrer da decisão. O prazo termina nesta semana.
Os consorciados lesados acreditam que houve omissão por parte do Banco Central (BC). A primeira denúncia contra o Santa Ignez foi registrada em 1997, por cláusulas abusivas. Na época, a Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor (Prodecon) do Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o proprietário da empresa, obrigando-o a encerrar as atividades. A administradora não cumpriu o acordo e os serviços continuaram sendo executados ilegalmente. Apesar disso, somente em 2006, quase 10 anos depois, o BC iniciou a fiscalização das contas do consórcio, constatou as irregularidades e pediu intervenção judicial no caso ; que resultou na decretação da autofalência. Na ocasião, a empresa já não honrava com seus compromissos. Segundo informações do MPDFT, em 2004, o Santa Ignez havia encerrado suas atividades com uma dívida de R$ 6 milhões ; quantia que atualmente, segundo relatório da comissão de inquérito do BC enviado ao MPDFT, é de aproximadamente R$ 12,5 milhões. A Polícia Federal também tem um inquérito aberto sobre o caso, que está sendo conduzido pela Delegacia Contra Crimes Financeiros.
Prejuízos
O empresário Aziz Zacarias Amancio, 40 anos, foi um dos lesados pelo Santa Ignez. ;Aderi ao consórcio de grupo em andamento em 1999, quando a administradora já estava proibida de atuar no mercado. Fiz consulta ao Banco Central e estava tudo bem. Disseram que ela não podia abrir novos grupos, mas que os já abertos estavam funcionando normalmente;, recorda o empresário, que pagou as parcelas até 2008, quando foi informado da intervenção do Banco Central. ;Aí era tarde. Já tinha pago mais de R$ 53 mil. Faltavam apenas 76 parcelas.;Aziz foi convidado para depor no inquérito.
O servidor público Flávio Barreto, 38 anos, aderiu ao consórcio há cerca de 10 anos e deixou de pagar as parcelas há dois. ;De repente, a administradora parou de enviar os boletos. Liguei e alegaram problema no sistema. Como continuei sem receber as faturas, procurei o Banco Central e descobri o pedido de autofalência. Na reunião do Ministério Público com outros consumidores, soube de casos de cotistas que foram contemplados e não receberam o prêmio;, conta Flávio, que tem cerca de R$ 75 mil a receber.
Assim como Aziz e Flávio, vários outros consorciados acreditam que, se o poder público tivesse agido rapidamente, o número de lesados poderia ter sido menor. Há vítimas em outros estados com quantias bem superiores a receber. No entanto, segundo o promotor de Justiça de Falências e Recuperação de Empresas Antônio Marcos Dezan, só será possível saber o número exato de vítimas e o total de bens da empresa após avaliação do administrador judicial Clorival Florindo da Silva, que na última quinta-feira assinou termo de compromisso como representante dos consumidores. O ex-administrador do consórcio, Edgard Pinila, garante que entrará com recurso. Mas Dezan não acredita que a decisão seja alterada. ;Independentemente disso, o recurso não tem efeito suspensivo, ou seja, o processo de falência tem andamento normal até o julgamento da interposição;, explica o promotor.
A boa notícia é que o consorciado não é considerado credor. ;O cotista efetua uma contribuição mensal, colocada à disposição da administradora, que deverá gerir o negócio. Esses valores pertencem ao consumidor. O que é de propriedade da empresa é a taxa de administração, que gira em torno de 10 a 12% da prestação mensal e deve estar estabelecida no contrato de adesão. Portanto, em situação de decretação de falência, o consumidor tem direito a pedir a restituição de tudo o que pagou, descontada a taxa de administração. Pela mesma razão, como as cotas nunca integraram o patrimônio da sociedade administradora, o consorciado não entra na relação de credores e será o primeiro a receber o pagamento, antes mesmo da quitação das dívidas trabalhistas;, esclarece Dezan.
O promotor acrescenta que, com base no relatório da comissão de inquérito nomeada pelo BC para apurar as causas que levaram à administradora a situação de liquidação e as respectivas responsabilidades, o MP pediu o arresto de todos os bens os sócios e do administrador do consórcio e das demais empresas pertencentes ao grupo, a Santa Ignez Incorporadora e a Santa Ignez Construções Indústria e Comércio Ltda. ;Essa ação é cautelar. Após a julgamento da ação ordinária, a responsabilidade civil será consolidada, tornando possível vender os bens para pagar os prejudicados. Agora, vamos analisar a possibilidade de extensão da falência às outras duas empresas do grupo, a incorporadora e a construtora;, adianta Dezan.
Reembolso em caso de desistência
Muitos consumidores são atraídos para o sistema de consórcio com a promessa de contemplação rápida ou obtenção do bem com lances baixos. Mas a prática pode revelar exatamente o contrário. ;Realizamos uma pesquisa em 2007 na qual constatamos que, nos primeiros 18 meses, o lance contemplado nunca é inferior a 55% do valor total da carta de crédito. Por isso é preciso ficar atento às facilidades ofertadas que não estão previstas no contrato;, alerta o presidente do Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec), José Geraldo Tardin,
Ele lembra que consórcio não é um investimento para quem tem pressa, porque, para receber o prêmio antes do fim do grupo, será necessário ser contemplado no sorteio mensal ou dispor de uma boa reserva financeira para dar como lance. ;No caso de imóveis no Distrito Federal, dependendo do tempo de espera para receber o prêmio, a correção não conseguirá acompanhar a valorização do bem, que é muito alta;, avalia.
Por essa razão, muitos consumidores acabam desistindo do consórcio antes do prazo, mas descobrem que não poderão receber a devolução da quantia imediatamente. O problema é pior para quem assinou o contrato antes da nova lei de consórcios. Nesses casos, a devolução é postergada para o fim do plano, após 60 dias da último pagamento. Tardin considera isso injusto, já que o grupo trabalhará com o dinheiro do consorciado durante vários anos e o devolverá sem qualquer acréscimo de juros. ;E muitas vezes a cota de consórcio é repassada para outras pessoas, sem que o consumidor receba antecipadamente a devolução do que pagou, o que revela um desequilíbrio contratual imenso;, aponta.
O Judiciário tem anulado esse tipo de cláusula e garantido aos consumidores o direito à imediata restituição dos valores pagos pelo consorciado desistente. É o que ocorreu com a secretária Kátia Aparecida Câmara, 41 anos. Ela aderiu a um contrato da Caixa Consórcios S/A, seduzida pelos argumentos de que o grupo trazia contemplação rápida. Após pagar R$ 15 mil durante dois anos e não ser contemplada, pediu a desistência, mas foi informada de que só receberia os valores pagos ao fim do grupo, com duração de 120 meses, o que só ocorreria em 2016. Ela entrou na Justiça e ganhou em 1; e 2; instância. ;Agora, falta executar a sentença;, explica Tardin.
Sorteios
A nova Lei dos Consórcios tentou mudar essa realidade. Agora, o consorciado desistente poderá receber os valores pagos por meio de sorteios mensais. ;Porém, isso também coloca o consumidor em situação de desvantagem, uma vez que seu dinheiro será devolvido sem qualquer incidência de juros, a depender de sorteio ou de fim do grupo, mesmo que sua cota seja revendida a terceiros;, critica Tardin.
A Caixa Consórcios informa que a administradora terá que cumprir o que está previsto na Lei n; 11.795 (nova lei de consórcios), ou seja, a devolução ocorrerá mediante a contemplação por sorteio do inativo ou ao encerramento do grupo. A administradora acrescenta que o grupo da consorciada aprovou a migração para a Lei n; 11.795 para que o mesmo pudesse usufruir dos benefícios concedidos pelos novos dispositivos, visto que a lei não retroagiu para as cotas adquiridas antes das regras em vigor.