Cidades

Em Ceilândia, bueiros usados por usuários e traficantes são fechados

Pai percorre local em busca da filha de 22 anos

postado em 21/09/2010 07:45
A entrada de pessoas em bueiros entre a QNN 1 e a QNN 3 continuou ontem e oferecia risco de acidente: motorista precisa desviar de usuários de drogas

A vida de José*, 43 anos, se resume a percorrer os locais mais perigosos de Ceilândia Norte à procura da filha, Suzane*. A jovem, de 22 anos, deixou o emprego e os estudos de lado ao entrar no submundo das drogas. Após sair de casa, no início do ano, Suzane juntou-se a um grupo de viciados que fixou moradia em bueiros localizados entre a QNN 1 e a QNN 3 da cidade. Ela também já foi vista pelo pai no esqueleto da obra de um ginásio de esportes, na QNN 13, conhecido como Castelo de Grayskull, uma alusão à moradia do vilão Esqueleto no desenho He-Man. A história de Suzane é semelhante à de outras dezenas de viciados que vivem na região apelidada de Cracolândia, como mostrou o Correio no último domingo.

Depois da matéria publicada, o estado decidiu agir. Ontem, a presença de policiais militares na região era constante. Usuários de drogas foram revistados. O administrador da cidade, Renato Santana, designou uma equipe para fechar a boca de lobo. Ele salientou que não sabia da presença dos viciados no local. ;Eu sabia que estava obstruída, mas não que tinha gente morando. É uma coisa inusitada e triste, mas que não depende só da administração. É preciso o envolvimento da Sedest (Secretaria de Ação Social), do SLU (Serviço de Limpeza Urbano) e da Secretaria de Segurança;, afirmou.

O administrador também prometeu cercar o esqueleto do ginásio de esportes e colocar um vigilante 24 horas para evitar que traficantes e viciados retornem ao local. ;Já fizemos várias operações ali, mas é tirá-los e eles voltam amanhã. Para não ficar nesse jogo de gato e rato, vamos cercar e manter uma vigilância permanente;, disse Renato Santana.

As medidas anunciadas pelo administrador devolveram a esperança de José, que sonha encontrar a filha e livrá-la do vício. Hoje, completam-se 15 dias que ele não tem notícias da jovem. ;A última vez que eu a vi, ela estava se drogando nessa boca de lobo. Tentei tirá-la de lá, mas os traficantes ameaçaram me dar um ;pau; se eu não fosse embora. Dá um vazio enorme pensar que uma menina tão bonita chegou a esse ponto;, lamentou José.

A mãe de Suzane, Maria*, 45 anos, já pensou em cometer suicídio por não suportar ver o estado degradante da filha. ;É muito sofrimento ver uma filha se acabando dessa maneira, vivendo como um rato num bueiro. Já pensei em tirar minha vida e acabar com essa dor, mas tenho dois netos para criar e tenho que ser forte por eles;, diz.

Nos dois esconderijos, homens, mulheres, adolescentes e até crianças perdem dias e noites consumindo entorpecentes. Ontem, a equipe de reportagem voltou ao local e constatou que nada mudou. Pelo fato de o bueiro estar próximo a uma pista bastante movimentada, o risco de acidentes aumenta devido ao entra e sai de pessoas. Na manhã de ontem, o bombeiro Rivailton Gomes de Araújo, 37 anos, bateu a Kombi que dirigia no Siena do aposentado Carlos Luiz da Silva, 69, ao desviar de um adolescente que saía do buraco. ;Um rapaz saiu do buraco e entrou na pista de repente. Minha reação foi jogar o carro para a direita e não atropelá-lo. Acho que alguém do estado deve se responsabilizar pelo meu prejuízo, porque essas pessoas não deveriam estar numa situação degradante como essa;, reclamou Rivailton.

Guerra
O governador Rogério Rosso (PMDB) mostrou preocupação ao tomar conhecimento da notícia e prometeu mais empenho no que chamou de ;guerra contra o crack;. Ele citou a criação da Subsecretaria de Políticas de Combate às Drogas (1), em agosto último, como um passo importante para minimizar o problema no Distrito Federal;. ;Para mim, foi uma surpresa. Isso não pode acontecer. Nós estamos em guerra contra o crack. A gente não consegue vencer essa guerra sozinho, todo mundo tem que estar envolvido. Criamos uma subsecretaria de combate à droga para atacar esse problema de frente. A ação policial na repressão é importante, mas é preciso inteligência para que não haja a multiplicação dos pontos de drogas;, comentou o governador.

Já o secretário de Segurança Pública do DF, João Monteiro Neto, também destacou a importância da nova pasta no enfrentamento das drogas. ;A Subsecretaria tem a missão de trabalhar na parte de prevenção e também na parte de recuperação de pessoas que estão envolvidas com o uso de drogas. É uma ação bastante forte que o governo adota;, ressaltou João Monteiro.

O delegado-chefe da 15; Delegacia de Polícia (Ceilândia Centro), Onofre de Moraes, disse que há um trabalho de investigação que visa prender os homens e mulheres que abastecem o tráfico na área. ;Essas pessoas que moram nesses bueiros são viciadas. Não adianta prendê-las. Estamos fazendo um trabalho detalhado para identificar todos os traficantes que atuam ali. A situação daquelas pessoas que ficam nas bocas de lobo é uma questão social e não de polícia;, disse Onofre.

1 - R$ 250 mil

O GDF criou a Subsecretaria de Políticas de Combate às Drogas para articular e fomentar a rede de proteção de segurança pública na luta contra o uso de entorpecentes, com enfoque no crack. O governo destinou R$ 250 mil para o órgão, sendo que se havia pedido R$ 1 milhão para este ano.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação